sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Breve Análise da Poesia de Machado de Assis, por Rafael Vespasiano.


Breve Análise da Poesia de Machado de Assis
(Rafael Vespasiano)




“A trajetória de Machado de Assis na Literatura perpassou quase todos os gêneros literários -, romances, contos, crônicas, teatro, poemas e crítica literária -, no entanto para Massaud Moisés (2009, p. 82) foi na prosa de ficção que realizou suas maiores obras-primas, o debate vai longe se seus melhores trabalhos se deram como contista ou como romancista, de certo produziu vários clássicos da Literatura Brasileira e universal nos dois gêneros.
A poesia, ainda para o crítico literário Massaud Moisés, foi um “rasgo de juventude”, que durou aproximadamente vinte anos desde o primeiro poema datado de 1855, até 1875, com a publicação de Americanas, quando se despede dos arroubos da juventude, espécie de ‘imaturidade’ literária para iniciar a criação de sua obra madura, a partir de 1881, ano que veio a luma o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Como nos afirma ainda o crítico Moisés: não foi plenamente poeta, “porque a sua produção em versos não progrediu conforme os passos da narrativa. Estacionada na década de 1870, não atingiu os níveis da prosa, assinalando, como tudo da fase inaugural, pelo timbre dum romantismo moderado” (2009, p. 82). Porém, sua cosmovisão não é ‘poética’, ao contrário, Machado cultiva a metáfora filosófica, racional e irônica, resistindo a entregar-se à contemplação do eu-lírico, raramente extravasado o sentimento que o inunda se faz notar em seus poemas. 
Machado, dessa maneira, pode-se afirmar que escreveu poemas que se notabilizam pelo bom gosto, cultura, porém sem a autenticidade da verdadeira poesia. Versos bem-comportados, contidos, fruto mais da razão do que da emoção, perfeitos formalmente e parnasianos na métrica e no rigorismo formal. Mas quando ultrapassou o conter-se criou o melhor de sua lírica, exemplos são os poemas “A Carolina”, “Versos a Corina”, “A Mosca Azul”. No entanto, ainda assim mesmo nessas composições mais densas de emoção romântica e lírica, fica-se preso ainda às ideias parnasianas do moralismo ou filosofismo nem sempre compatíveis com a realidade lírica daqueles poemas, e volta o escritor a ‘lapidar’ o seu estilo de maneira estéril, com uma versificação que tortura as emoções expressas nos poemas, tudo em nome de uma concepção que se aproxima mais dos clássicos.
O que se depreende que Machado de Assis em sua poesia tem algum lirismo romântico dos modelos do Romantismo, mas nela já se antecipava o Parnasianismo, no que se refere a perfeição formal e marmórea dos versos aliada à impassibilidade. Vejamos o livro Americanas eco mais que tardio e distante da poesia indianista de Gonçalves Dias. Porém este eco é quase que inutilizado pelo culto ao estilo e pelo conter-se ao rigor formal de versificador cerebrino.
O livro Falenas possui longos poemas narrativos com claras inspirações dos mitos da literatura clássica. Já o livro Crisálidas apesar de um título sugestivo e metafórico não se realiza como poêsis emotiva e-ou imaginativa. Nestes dois livros tem-se uma poesia com uso desmesurado das descrições. As figuras de linguagem que o escritor mais usa são as enumerações, as prosopopeias e usa também as maiúsculas alegorizantes típicas do Parnasianismo e sua Musa em busca do Belo, ou seja, da inspiração e da perfeição formal. ”





Anexos:

“A MOSCA AZUL”


Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.

E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.

Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que te ensinou?"

Então ela, voando e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".

E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.

Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.

Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vixnu.

Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.

Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios.
Voluptuosamente nus.

Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.

Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.

Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.

Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.

Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.

Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful
Dizem que ensandeceu e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.

“A CAROLINA”

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Referências Bibliográficas:
ASSIS, Machado. Crisálidas, Falenas, Americanas. São Paulo: Globo, 1997.
MOISÉS. Massaud. História da Literatura Brasileira – volume II – Realismo e Simbolismo. 2 ed. São Paulo: Cultrix, 2009.