sábado, 11 de abril de 2015

MANUAL DA PAIXÃO SOLITÁRIA, de MOACYR SCLIAR: (“(RE)-CRIAÇÃO POÉTICA DA REALIDADE PELA (DES)-CONSTRUÇÃO.”).

MANUAL DA PAIXÃO SOLITÁRIA,
MOACYR SCLIAR

(“(RE)-CRIAÇÃO POÉTICA DA REALIDADE PELA (DES)-CONSTRUÇÃO.”).

(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO FERREIRA DE LIMA).




“O romance Manual da paixão solitária, de Moacyr Scliar, entrelaça tempos mitológicos (bíblicos) com a contemporaneidade do momento presente. Tomando como ponto de partida uma concisa narrativa de uma “história” do Velho Testamento, e, com a narrativa se mantendo sempre de maneira cronológica e linear, é contada aquela “história” que conduzirá todo o romance, transformando-o de uma aparente simplicidade a uma complexidade, em como são articulados os conceitos romanescos de Tempo e de Personagens.

Como afirma Vilma Costa:

o tempo histórico se desdobra entre o momento contemporâneo e um passado distante. O primeiro dramatiza o universo intelectual de uma suposta Sociedade Cultural de Estudos Bíblicos que, ao organizar seu congresso anual, ‘selecionou uma passagem bíblica como tema central do encontro: Gênesis, capítulo 38, texto que conta a história do patriarca Judá, de seus filhos e de uma mulher chamada Tamar’. O objetivo do evento, segundo seus organizadores, era ‘estudar a Bíblia sob um enfoque científico e cultural’. (COSTA, Vilma http://rascunho.gazetadopovo.com.br/a-arte-de-viver-e-de-morrer/, julho de 2009).



O romance desenvolve-se em torno, principalmente, de quatro personagens, a saber: Shelá, filho caçula de Judá, o historiador Haroldo Veiga de Assis, que como afirma a Professora Vilma Costa “conduzem a primeira parte do romance.” (Ibdem, ibdem.). Na segunda parte da obra, Tamar e Diana Medeiros, esta, como bem salienta Costa, “também professora, ex-aluna e ferrenha opositora do professor Haroldo” (Ibdem, ibdem.), tomam a condução da narrativa da trama, dessa forma sob outro ponto de vista, com suas próprias vozes, recontam a mesma “história”.

Interessante notar também um terceiro enfoque narrativo, que é estabelecido por uma “voz mediadora”, que se enuncia em terceira pessoa, “com uma introdução, uma finalização e uma pequena explicação interligando as duas partes do livro”. (Ibdem, ibdem.). Este ponto de vista é marcado tipograficamente à maneira dos modernistas, que buscaram tal engenho literário na vanguarda europeia do início do Século XX, chamada Futurismo. Mas que já se apresentava na literatura em fins do século XIX entre os simbolistas franceses, em especial, Mallarmé, e, até entre os escritores simbolistas brasileiros do fim de século, início do século XX. É feita uma referência vaga a um “autor”, que segundo a Professora Vilma Costa tem a função de costurar e assegurar coesão e coerência à trama romanesca. Este “autor” poderia ser encarado também, já pela abordagem crítica de Beda Alleman e também de W. Iser, como um “autor implícito”, figura fictícia que metamorfoseada é a persona e voz do escritor Scliar, encarado como pessoa física.

O Manuscrito de Shelá é apresentado pelo historiador Haroldo Veiga, como uma recente descoberta arqueológica, a uma plateia que está ansiosa por novidades bíblicas, porém o relato de uma personagem (Shelá) tão insignificante para o texto original como um todo. Mas isso acontece, pois segundo Costa:

o ponto de vista de Shelá estabelece uma relação de proximidade e identificação com o professor, que ganhou notoriedade por sua criativa e audaciosa maneira de abordar a História Sagrada. Sua retórica de pretensão científica, contudo, transita nas vielas das artes cênicas e literárias, nas quais o caráter imprevisível garante a sedução do ouvinte, espectador e leitor. Sob esse eixo é que vai sendo construindo, propriamente, a primeira parte do livro. (Ibdem, ibdem.).


A segunda parte é (re)-contada por um ponto de vista feminino, indo além na voz da historiadora Diana Medeiros, que se mostra uma personagem fortemente marcada pelo discurso feminista. “Diana Medeiros lê a história como se fosse contada por Tamar, guiada pela mesma sequência da ação bíblica, mas, claro, com outro enfoque.” (Ibdem, ibdem.).

Moacyr Scliar publicou dois romances sustentados pelo mesmo viés-, diríamos desconstrucionista (nos termos de Jacques Derrida), a saber: A mulher que escreveu a bíblia e Os vendilhões do templo-, isso é possível, pois o Texto Bíblico, como afirma Vilma Costa além de ser carregado de todo o seu teor religioso, vai mais além já que:

[o] conteúdo histórico que contém, traz em si um leque muito amplo de simbologias de nossa civilização que o torna um terreno muito fértil para a imaginação artística e criadora. É, sem dúvida, o que é conceituado, nos dias atuais por um hipertexto, sobre o qual muito já foi dito, mas muito ainda se tem a dizer, ou referendando seus preceitos, preenchendo lacunas, ou em direção oposta, a “contrapelo”, estabelecendo pontos divergentes de interpretação. (Ibdem, ibdem.).


Essa desconstrução da visão clássica da Bíblia Sagrada, uma desconstrução, que se dá, primeiramente, pelo ponto vista masculino, patriarcalista e até machista, mais ligado ao passado remoto (mas tão presente!); depois se apresenta outro ponto de vista, só que neste segundo relato, o viés é do discurso feminino e, também, até feminista (mais atual, a partir dos anos 1960, do século XX, com mais evidência, ainda bem!); duas reformulações de uma mesma história bíblica, debatida num congresso científico.

E até mesmo no epílogo-, um epílogo irônico e desarmônico, assim como qualquer relação interpessoal contemporânea-; tudo isso evidencia as técnicas de tessitura romanesca ficcional de Moacyr Scliar, que escreve, por vezes, pelo mecanismo de desconstrução. O escritor faz uso dessa solução literária para escrever narrativas que desconstruam o tradicional, o clássico, o passado antes incontestável.

Tendo como ponto de partida os relatos orais, até na fixação escrita através das formas mais rudimentares possíveis é que se estabelece o interdiscurso entre História e Literatura. Podemos concordar com a Professora Vilma Costa, que é a História Sagrada que instaura a interpretação literária pelo viés hermenêutico, ou seja, interpretativo. “Reafirma, portanto, o poder da palavra e a sua perenidade no decorrer dos séculos, da oralidade popular, passando pela escrita dos pergaminhos, até a prática dos textos eletrônicos.” (Ibdem, ibdem.).

O enredo do romance se mostra fácil até de se distinguir e até mesmo a aparente dificuldade em termos de a obra romanesca possuir dois relatos conflitantes, mas que é simplificado funcionalmente e de maneira orgânica pela terceira voz, “autor”, que os une e os torna complementares e, até certo ponto de um ressaltar a veracidade do outro, tornando-se relatos que uma não existiria sem o outro, nesta trama romanesca, portanto, são indissociáveis, mesmo se formos abordar o romance pelo desconstrucionismo do filósofo Derrida. Aqui os contrários se unem para (re)-significar outro relato, um terceiro, todos agrupados organicamente e até ironicamente (parabático), nos termos do filósofo-poeta romântico alemão F. Schlegel.

“Neste sentido, os textos de Shelá e de Tamar são suficientemente ricos para levantar questões contemporâneas de grande interesse, tanto na esfera pública, quanto na privada.”, segundo, a Professora Vilma Costa, visto que o coletivo (“nós”) bíblico é (re)-significado pelo “eu” que se torna sujeito de si e de sua própria voz, ponto de vista e opinião, enfim de sua subjetividade e personalidade.

Assim, a relação entre realidade/história (“nós”) e a fantasia/relatos (“eu”), se conectam demostrando as relações que vivemos no século XXI, na pós-modernidade, mas, especificamente, no que se refere às relações sociais de letramento e, de saber e poder.

Assim acho necessário citar dois parágrafos inteiros da resenha literária da Professora supracitada, que serve de base para este meu estudo, pois demonstra claramente a profundidade, atualidade e importância da leitura, da literatura e, em específico, do romance Manual da paixão solitária, de Moacyr Scliar. Dessa forma transcrevemos abaixo:


É neste sentido que Shelá se refere à sua gente. Pretende afirmar sua rebeldia quanto à maneira de registrar esta história. Parte, em confronto com a lógica coletiva, ao relato de um “eu” que sonha, como um deus, modela no barro várias figuras e nas cavernas obscuras de sua individualidade cria seu mundo. É um sonhador pragmático, que tem um corpo que precisa de alimento, de amor e de prazer. Com astúcia, entusiasmo e irônico humor constrói sua narrativa. “Inventa” o auto-erotismo para sobreviver à falta de parceria sexual e afetiva. Cria um manual de sobrevivência: com as mãos manipula seu prazer, com as mãos modela o barro, com as mãos escreve para a posteridade.
Tamar, por outro lado, também manipula o destino e com astúcia realiza seu sonho de maternidade, resgatando, pragmaticamente, sua dignidade moral e afetiva e sua sobrevivência material. Sua transgressão se dá no completo domínio das leis e das normas que questiona e transpõe. Também é artista, esculpe, cria, inventa e reinventa a vida e a arte de sobreviver e realizar os sonhos. Diana, mulher contemporânea, como suas ancestrais, atravessa as fronteiras de seus próprios limites e transita em dois mundos irremediavelmente inconciliáveis, mas que como imãs se atraem e só se reconhecem um no outro. (Ibdem, ibdem.).


A poeticidade do romance revela-se na polifonia de vozes, que se manifestam entre passado remonto e presente discursivo, surge então a alteridade (Lévinas), que particulariza cada personagem, renovando-a na outra personagem, o “eu” no “tu”, e vice-versa, ainda com a mediação da terceira voz, “ele/ela/autor”, que acaba por configurar a remissão das injustiças do passado, possibilitando a (re)-criação artística, poética e literária, transcendendo do real para o ficcional, este que é marcado como uma “segunda realidade”, um “segundo mundo”-, como diriam os filósofos-poetas do romantismo alemão e os hermeneutas, até retomando os filósofos pré-socráticos-, o ficcional configura-se numa realidade/mundo mítico-poético. Dessa maneira, o ser humano constata o óbvio que a “vida” só existe por causa da “morte”.

O romance, por fim, “reúne fragmentos de vidas que se entrelaçam e buscam legitimidade, mesmo que na dispersão e conflitos de interesses, paixões e solidões.” (Ibdem, ibdem.).

Esses interesses, individualismos, paixões, conflitos e solidões, tão característicos da pós-modernidade que vivemos-, segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, aquele(la)s são características indubitáveis de nossa contemporaneidade. Para Bauman, tais aspectos são marcas da sociedade em que vivemos, pois somos indivíduos sociais solitários, fragmentados, individualistas, consumistas e imediatistas, o que o sociólogo chama mais genericamente de “modernidade líquida”, pois nossas relações sociais e afetivas se tornaram tão fluidas e líquidas-, (ver também o livro de Zygmunt Bauman “Amor Líquido”), que, na verdade se tornam (nossas relações afetivas/amorosas), ou na realidade, ou na ficção: “paixões solitárias”.”



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


SCLIAR, Moacyr. Manual da paixão solitária. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Costa, Vilma. “A arte de viver e morrer”. In: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/a-arte-de-viver-e-de-morrer , julho de 2009. Último acesso: 11 de abril de 2015, às 00h40.




Ver também:
·         FILME:
ELA, direção Spike Jonze, EUA, 2013.

·         CD:
“O Adventista”, música do Camisa de Vênus, que está no álbum Camisa de Vênus, 1983.

·         LIVROS: (BIBLIOGRAFIA PASSIVA):
SCLIAR, Moacyr. A mulher que escreveu a bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
---------------------. Os vendilhões do templo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
ALLEMAN, Beda. Ironia e Poesia. (Biblioteca di filosofia Mursia). Milano: Universitá Mursia & c., 1971.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
------------------------. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
-----------------------. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
----------------------. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
BOOTH, Wayne C. The Rhetoric of Fiction. Chicago: The University of Chicago Press, 1981.
DERRIDA, Jacques. O cartão-postal: de Sócrates a Freud e além. Tradutoras: Ana Valeria Lessa e Simone Perelson. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1ª edição, 1980.
ISER, Wolfgang. The Implied Reader (Patterns of Comunication in Prose Fiction from Bunyan to Beckett). Baltimore-London: The Johns-Hopkins University Press, 1990.
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Trad.: Pergentino S. Pivatto (coord). Petrópolis: Vozes, 1997.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

UMA AVENTURA EM PARIS, 1942, JULES DASSIN: (“FILME IMPORTANTE PARA O ESTUDO DO CINEMA, MAS ABAIXO DA MÉDIA DAS REALIZAÇÕES DOS ENVOLVIDOS NELE”).

UMA AVENTURA EM PARIS, 1942, JULES DASSIN

(“FILME IMPORTANTE PARA O ESTUDO DO CINEMA, MAS ABAIXO DA MÉDIA DAS REALIZAÇÕES DOS ENVOLVIDOS NELE”).

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).


“Uma aventura em paris, de 1942, dirigido por Jules Dassin, com Joan Crawford e John Wayne, grandes estrelas da era de ouro de Hollywood. Trata-se de mais um filme estadunidense de propaganda anti-nazista. Porém, muito abaixo da média e muito datado e repleto de defeitos na condução do roteiro.

Dassin, o mesmo cineasta da obra-prima "Rififi", falha muito aqui nessa campanha propagandista contra o Nazismo, liderada pelos EUA, o Tio Sam. A história se passa em 1940, quando um piloto americano (Wayne) é abatido e fica perdido na França, Paris, ocupada pelos nazistas, escondendo-se destes, até que encontra a ajuda da personagem vivida por Crawford, que por sua vez é noiva de um francês que colabora com os alemães. As surpresas reservadas pelo roteiro, na verdade, só fazem piorar o que já era extremamente abaixo das expectativas pelos nomes envolvidos no filme.

O filme tem apenas alguns aspectos positivos, vejamos: primeiro, antes da ocupação de Paris pelos nazistas, os franceses da alta sociedade não se preocupavam com a Guerra na Europa, se achavam muito bem protegidos do exército de Hitler, configurando uma alienação absurda da alta burguesia em termos do contexto da sua época; inclusive, a personagem de Crawford evidencia isso; segundo, os americanos ainda não tinham entrado diretamente na Guerra, a história se passa em 1940, o piloto vivido por Wayne é estadunidense, mas serve pela Força Área Britânica, já que o Reino Unido já estava envolvido na Segunda Guerra Mundial; terceiro, durante a ocupação nazista de Paris, muitos burgueses parisienses "ficaram" ao lado e prestando favores aos nazistas, com medo?, mas também para se darem bem, já que o Terceiro Reich, naquele momento, estava mandando na Europa e é muito melhor está do lado de quem está por cima (Hitler, no caso), do que de quem está por baixo; quarto, e , último aspecto que salva um pouco o filme, é tem um breve diálogo com "Verão violento", do italiano Valerio Zurlini, no que se refere a certa alienação por parte de uma parcela da sociedade respectiva de cada país quanto os rumos da Segunda Grande Guerra: em Uma aventura em Paris, a alta sociedade alienada e sem se preocupar com o avanço nazista sobre Paris e, em Verão violento, a juventude italiana sem perceber o que Mussolini estava fazendo (de ruim) em relação à participação da Itália na Guerra, ao lado da Alemanha de Hitler, o nazi-facismo, no Eixo, contra os aliados que tentavam lutar com a megalomania de Hitler e Mussolini idem; a juventude italiana representada por Zurlini, em seu ótimo filme, não está do lado nem dos fascistas liderados por Mussolini, nem da resistência italiana ao fascismo, aquela juventude está sem rumo, querendo só aproveitar as coisas "boas" da vida, sem preocupar com a guerra, a política e nem tão menos com o futuro, sendo que uma Guerra Mundial está em curso, além do mais seu país, Itália está diretamente envolvido naquela.


Enfim, o filme Uma aventura em Paris, de Jules Dassin, peca muito e hoje está praticamente datado, sem grande mérito para figurar entre os clássicos dos anos 1940 de Hollywood, mas com uma importância histórica, para o estudo da História do Cinema Mundial, muito grande.”.

terça-feira, 7 de abril de 2015

A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA-MOACYR SCLIAR: (FEMINISMO NA ERA SALOMÔNICA).

A MULHER QUE ESCREVEU A BÍBLIA

(FEMINISMO NA ERA SALOMÔNICA)

MOACYR SCLIAR

(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO).


Scliar é um dos melhores escritores contemporâneos brasileiros e um dos mais premiados também. Contista, cronista e romancista genial. No caso do livro em questão, A Mulher que escreveu a Bíblia é um romance altamente feminista, com passagens engraçadíssimas e com um enredo que propõe uma reflexão sobre o papel social da mulher da Era Salomônica e, portanto, nas histórias da Bíblia Cristã. O título é bastante explicativo: a história é um relato fictício sobre uma mulher anônima que, há 3 (três) mil anos, tornou-se a escritora da primeira versão da Bíblia do cristianismo. Narrativa maliciosa que alterna o discurso bíblico com o baixo calão, palavrões e termos de conteúdo sexual, erótico e até pornográfico.

 As mulheres, naqueles idos, eram vistas como procriadoras e mantedoras do lar e dos filhos e, deveria satisfazer todos os desejos do marido, sociais, familiares e carnais, sem pestanejar. Não podia, por exemplo, trair, pois o adultério feminino era punido com o apedrejamento, vide o episódio de Maria Madalena e Jesus Cristo, mas os homens podiam trair sem problema e peso na consciência, justificativa: homem tem esse direito, pois é homem, sexo masculino, (o que se pode denominar de machismo, ou patriarcalismo). E as mulheres aceitavam.

Além do mais, as mulheres não aprendiam a ler nem a escrever.

Mas, a mulher desse romance era culta, aprendeu a ler e escrever e ainda por cima foi designada por Salomão para escrever a História do povo Hebreu. Nessa ficção, Scliar procura e consegue ironizar a situação humilhante que as mulheres viviam naqueles idos e ainda vivem em pleno século XXI. A proposta é valorizar o sexo feminino, por meio de um humor sarcástico, fino, irônico e contundente, erguendo a Mulher ao seu papel “REAL” de ser humano que é como qualquer um, seja homem ou mulher, já que cultura e sabedoria os dois sexos podem ter e possuir de forma igualitária, pois todos somos pessoas iguais perante à Deus, como está escrito na Bíblia, ou não se a pessoa não crê em Deus, mas acredita na igualdade dos direitos humanos.


Scliar foi genial com esse romance singelo, mas profundo!

A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS/GBR/1960, DE WOLF RILLA.: (“PARANOIA E SURREALISMO”).

A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS/GBR/1960, DE WOLF RILLA.

(“PARANOIA E SURREALISMO”).

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)


A Aldeia dos Amaldiçoados é um clássico do cinema de terror fantástico, ficção-científica, com toques de surrealismo, no tocante às questões do inconsciente, muito bem sugeridas no filme, de maneira simbólica. O enredo é um enigma, o que importa é a paranoia em que vive a cidade afetada por estranhos acontecimentos. E o subtexto da paranoia da Guerra Fria. Direção: Wolf Rilla, GBR, 1960, com George Sanders e Barbara Shelley. Refilmado em 1995 por John Carpenter. A banda Pink Floyd em 1979 lançou o álbum duplo The Wall. Que faz em várias músicas referências ao filme de 1960. Em especial com a música Another Brick In The Wall, que no disco 1 (um) tem três partes, mas as outras faixas também fazem referências a fatos do enredo da película. Algo semelhante o Pink Floyd fez em relação ao clássico literário distópico de George Orwell, A Revolução dos Bichos, no LP Animals.

·         Link Pink Floyd - disc 1 - The Wall: https://www.youtube.com/watch?v=9M1EYBcV1gw

O Pink Floyd fez um clipe clássico para a música citada mais acima, Another Brick in The Wall. Isso que é um verdadeiro interdiscurso (cinema e música):


Pink Floyd - Another Brick in The Wall – Clipe Oficial.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

A Epifania da vida pela morte: Os vivos e os mortos, de John Huston, 1987.

A Epifania da vida pela morte:

“Os vivos e os mortos”, de John Huston, 1987.

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).


"Os vivos e os Mortos" ("The Dead"), 1987, GBR/IRL/EUA, de John Huston, baseado no conto do livro Dublinenses, de James Joyce, intitulado "Os Mortos". John Huston realiza seu último filme, seu canto de cisne, que é um hino de valorização à Vida. A viver a vida plenamente, a consciência da finitude (morte) e dos que partiram (morreram), faz com que desejemos viver a vida em toda a sua plenitude e possibilidades. Esta é a epifania de Gabriel, personagem do conto e do filme, após a memória involuntária de sua esposa Gretta (Anjelica Huston), ao ouvir uma música, que a faz relembrar fatos do passado dela. Joyce e Proust se aproximam nesse sentido. E Huston transpõe para o cinema essa ambiência literária e reflexão do conto, com absoluta consciência e realiza uma obra ímpar, que não deseja a desejar a obra original de do escritor irlandês, Joyce. A passagem do tempo, a decadência da Irlanda, de Dublin, e a questão da Irlanda e o seu povo ficar entre suas próprias raízes e/ou a integração ao Império Britânico e, por conseguinte, à Europa Continental, estão bem demostradas no filme e no conto, esses aspectos são mais bem aprofundados e refletidos. Joyce se aproxima também de Virgínia Wolf e Clarice Lispector. John Huston demostrou toda sua versatilidade (de novo!), sensibilidade e a técnica de um verdadeiro cineasta intenso, mas sensível.”