segunda-feira, 23 de março de 2020

(As Amorosas, Walter Hugo Khouri, Brasil, 1968):


(As Amorosas, Walter Hugo Khouri, Brasil, 1968):


“Do Nada viemos para o Nada retornaremos. Desta maneira circular dá-se também roteiro do filme de Walter Hugo Khouri, “As Amorosas”, lançado em 1968.  O roteiro escrito pelo próprio cineasta mostra a travessia de Marcelo (Paulo José) que vive uma existência em crise consigo, com os outros e coma sociedade de uma maneira geral. O filme começa como protagonista à deriva numa mata, à deriva ele percorre sua trajetória a obra toda, e ao fim e ao cabo, à deriva permanecerá como todos os seres humanos, pois a maior revelação talvez que o espectador tenha é que nossas vidas são vividas em devir. O eterno retorno ao ventre materno, a posição fetal onde o Tudo e O Nada começa é também o fim do Tudo e do Nada, que na verdade é apenas o Meio.
 Marcelo se relaciona em frangalhos com sua irmã Lena (Lilian Lemmertz), com sua namorada Marta (Jacqueline Myrna) e com sua amante Ana (Anecy Rocha). Porém, é sua vida pessoal, psicológica e existencial que está em frangalhos e em crise, por isso talvez ele tenha uma perspectiva niilista em relação à sociedade e, principalmente, para consigo, já que suas tentativas de tomar atitude são sempre tão frustradas quanto sua própria existência, sua força de vontade se esgota quanto apenas esboça uma formulação de tentar algo em sua jornada. Marcelo cursa a faculdade de Cinema, é revisor, tradutor e crítico de Artes, mas não desenvolve nada, nulifica-se sempre em si mesmo e em suas relações. Por exemplo, ao dar um depoimento para um documentário ele testemunha que não vislumbra e não deseja nada. Talvez aqui resida sua maior descoberta: ele auto-descobre inapto para o viver. ”

terça-feira, 17 de março de 2020

(O Exército das Sombras, FRA-ITA, 1969)


(O Exército das Sombras, FRA-ITA, 1969):

O Exército das Sombras é uma tensa, opressiva e claustrofóbica obra de Jean-Pierre Melville, produção franco-italiana, lançada em 1969, sobre a Resistência Francesa aos nazistas alemães que ocupavam a França durante a Segunda Guerra Mundial. O filme enfoca o período de quatro meses decorridos no final do ano de 1942 até o início de 1943, que tem como protagonistas um pequeno grupo da Resistência Francesa, que tem como um dos líderes Philippe Gerbier (Lino Ventura), um engenheiro civil, que de forma circunspecta, de poucas palavras, cético e fatalista junto aos seus camaradas enfrentam os nazistas que ocupam as cidades francesas.
Melville baseando-se no livro de Joseph Kessel ressalta no filme como o ‘Exército das Sombras’ agia, além de revelar a solidão, o medo e as angústias diárias dos seus membros, sem mirabolantes explosões típicas de muitos filmes sobre a Segunda Grande Guerra, e sem violência explícita, pelo contrário se faz valer de um brilhante roteiro para desvelar a violência ou melhor a tensão psicológica que os protagonistas do filme vivenciam e experimentam. Somada à uma fotografia em cores sombrias, frias e com aspecto que nos sugere opressão, claustrofobia e até o medo que as pessoas vivenciaram durante a Guerra. A direção da excelente fotografia é assinada por Pierre Lhomme e Walter Wottitz.
 Destaques também para as atuações de Ventura como o frio, solitário, fatalista e cético Gerbier, e a interpretação de Simone Signoret como a impactante, forte e obstinada Mathilde.
Uma das questões mais impressionantes do filme é a pressão ininterrupta do medo de errar, a tensão e a falta de diversão dos membros da Resistência. O filme é trágico, sem ilusões, nos faz perceber que Guerra é sempre triste, solitária e trágica. ”

segunda-feira, 16 de março de 2020

(XINGU-TERRA, Maurren Bisilliat, Brasil, 1981)


(XINGU-TERRA, Maurren Bisilliat, Brasil, 1981):

“XINGU-TERRA é um documentário antropológico e etnográfico sobre o cotidiano da aldeia indígena Mehinaku do Alto Xingu extremamente valioso, lançado em 1981, dirigido pela fotógrafa Maureen Bisilliat, com narração de Orlando Villas-Boas.
Mostra desde a plantação e a colheita da mandioca, passando pela pesca, pela preparação da tinta de urucum, explicando a modelagem da cerâmica da tribo. Ressalta como se dar a divisão das tarefas entre homens e mulheres; que a terra é coletiva; que o chefe é visto não como uma pessoa que dar ordenas, mas um conselheiro; o relacionamento amistoso entre pais e filhos, baseado no diálogo que os pais sempre têm com os filhos pautado pela igualdade e respeito; apresenta o sistema de valores que regem e mantém o equilíbrio entre o homem, a aldeia e a natureza, além de mostrar suscintamente alguns aspectos da cosmogonia da tribo. São apresentados e reproduzidos os rituais que relembram os tempos matriarcais, desde os preparativos, o cerimonial de casamento para o homem e a mulher, o tempo de reclusão dos jovens indígenas no tempo da puberdade, fazendo a transição da infância para a fase adulta da vida, a ritualística que que se procede no intercâmbio de uma aldeia com outra, culminado com a grande celebração da Festa do Yamuricumã. (Fonte: Guia de Filmes, extraído do site da Cinemateca Brasileira).
Importante ressaltar a sabedoria deste povo originário por exemplo no que se refere ao Tempo, que na verdade para ele só existe o Presente, o Tempo da Vida e do Viver. Além de uma noção clara de que a existência do homem se dar em devir, em ciclos em consórcio com a Natureza, fauna e flora, e com os espíritos ancestrais e dos deuses. Ressalte-se também a harmonia das suas relações sem julgar os outros membros da tribo.
Filme importantíssimo para ser redescoberto nos dias de hoje, quando no Brasil tenta-se vender uma ideia falsa de que todos os povos originários e indígenas devem obrigatoriamente se integrar à sociedade regida pelo homem branco. Não o ouvindo e entendendo sua singularidade e nem se importando com sua humanidade e menos ainda tendo relações de altruísmo e alteridade para com nossos povos originários. É dos indígenas a decisão de ou se integrar total ou parcialmente à sociedade é quem manda é o homem branco, ou permanece até em alguns casos totalmente isolados, como de fato e de direito existem ainda alguns povos no Brasil neste estado e estágio civilizatório. ”

terça-feira, 10 de março de 2020

Voar é com os Pássaros (Robert Altman, EUA, 1970):


Voar é com os Pássaros (Robert Altman, EUA, 1970):

Brewster McCloud (1970)

“Robert Altman realiza aqui uma das suas maiores excentricidades fílmicas e um de seus melhores trabalhos para o cinema, justamente nos anos 1970, quando Hollywood passou a contar com o surgimento de novos cineastas a realizar produções de baixo orçamento e obras maravilhosas, ousadas e inovadoras que são clássicas e-ou cults até hoje. É o caso de Voar é com os Pássaros, lançado em 1970, no mesmo ano de outro clássico dirigido por Altman, M*A*S*H.
Em Voar é com os Pássaros, o cineasta nos apresenta uma história de fantasia amalucada povoada por personagens excêntricos, que beiram à bizarrice. Porém, suas ações e atos servem como forma de Altman baseado no roteiro de Doran William Cannon, criticar e ironizar sarcasticamente à sociedade estadunidense da década de 1970 e, mais ainda criticar as amarras sociais às quais qualquer cidadão está submetido, em qualquer sociedade, em quaisquer tempos e em qualquer país. Ou seja, para o cineasta Robert Altman ninguém é completamente livre na Humanidade, talvez somente a liberdade plena caiba aos pássaros.
 Assim como em M*A*S*H, Voar é com os Pássaros tem uma espécie de narrador, que cria um elo entre o espectador e as personagens, neste filme é um amalucado e excêntrico professor e ornitólogo, que parece nos afirmar que de fato somente os pássaros são livres em plenitude. O filme, dessa forma, escancara ironicamente as mazelas sociais e políticas dos Estados Unidos da América, a suposta Terra da Liberdade e das Oportunidades, mostrando a hipocrisia da polícia nas diversas cenas em que esta é ridicularizada, juntamente com o próprio exército estadunidense sendo sempre ironizado.
Todas estas instituições da sociedade norte-americana são vistas pelo roteiro e pelo diretor Altman como excrescências de um sistema social opressor, ridículo e mais amalucado que as personagens bizarras do filme.
O protagonista Brewster McCloud (Bud Cort) tem uma ambição e um sonho na vida, voar com um par de asas que ele mesmo construiu. Ele é um rapaz solitário, insociável, introvertido e, quando, sai às ruas sempre é humilhado e vítima da sociedade que o repele pelo fato de ser “diferente” e “esquisitão”. Ele é perseguido pelos intolerantes e pela violência das instituições sociais norte-americanas, Brewster serve como uma personagem, da qual Robert Altman se utiliza para mostrar metaforicamente a hipocrisia social não só dos EUA, porém de uma maneira mais geral do ser humano ante o diferente, não demonstrando nenhuma espécie de alteridade para com o outro-Eu.
 Dessa maneira McCloud não seria um ser-humano, contudo, talvez um “homem-pássaro’, preso, porém, em sua forma humana, buscando uma forma de sair dessa condição tão coercitiva e humilhante de viver em sociedade, sem liberdade plena.
Enfim, Altman realiza um grande filme, uma pequena obra-prima, que merece ser redescoberta em sua extensa filmografia, às vezes preenchida por filmes irregulares. Em Voar é com os Pássaros, temos um filme marcado por humor bizarro, situações inusitadas e esdrúxulas, que servem para metaforicamente dramatizar o absurdo das amarras sociais e da falta de liberdade plena para qualquer ser humano que vive na sociedade violenta e agressiva da qual todos fazem parte. Um grande exercício fílmico, dramático e até filosófico sobre a condição e a natureza humana quando posta em confronto com o social que nos tolhe a plenitude da liberdade individual. ”