Voar
é com os Pássaros (Robert
Altman, EUA, 1970):
“Robert
Altman realiza aqui uma das suas maiores excentricidades fílmicas e um de seus
melhores trabalhos para o cinema, justamente nos anos 1970, quando Hollywood
passou a contar com o surgimento de novos cineastas a realizar produções de
baixo orçamento e obras maravilhosas, ousadas e inovadoras que são clássicas e-ou
cults até hoje. É o caso de Voar é com os
Pássaros, lançado em 1970, no mesmo ano de outro clássico dirigido por Altman,
M*A*S*H.
Em
Voar é com os Pássaros, o cineasta
nos apresenta uma história de fantasia amalucada povoada por personagens excêntricos,
que beiram à bizarrice. Porém, suas ações e atos servem como forma de Altman
baseado no roteiro de Doran William Cannon, criticar e ironizar sarcasticamente
à sociedade estadunidense da década de 1970 e, mais ainda criticar as amarras sociais
às quais qualquer cidadão está submetido, em qualquer sociedade, em quaisquer tempos
e em qualquer país. Ou seja, para o cineasta Robert Altman ninguém é
completamente livre na Humanidade, talvez somente a liberdade plena caiba aos
pássaros.
Assim como em M*A*S*H, Voar é com os
Pássaros tem uma espécie de narrador, que cria um elo entre o espectador e
as personagens, neste filme é um amalucado e excêntrico professor e ornitólogo,
que parece nos afirmar que de fato somente os pássaros são livres em plenitude.
O filme, dessa forma, escancara ironicamente as mazelas sociais e políticas dos
Estados Unidos da América, a suposta Terra da Liberdade e das Oportunidades, mostrando
a hipocrisia da polícia nas diversas cenas em que esta é ridicularizada,
juntamente com o próprio exército estadunidense sendo sempre ironizado.
Todas
estas instituições da sociedade norte-americana são vistas pelo roteiro e pelo
diretor Altman como excrescências de um sistema social opressor, ridículo e
mais amalucado que as personagens bizarras do filme.
O
protagonista Brewster McCloud (Bud Cort) tem uma ambição e um sonho na vida,
voar com um par de asas que ele mesmo construiu. Ele é um rapaz solitário,
insociável, introvertido e, quando, sai às ruas sempre é humilhado e vítima da sociedade
que o repele pelo fato de ser “diferente” e “esquisitão”. Ele é perseguido
pelos intolerantes e pela violência das instituições sociais norte-americanas, Brewster
serve como uma personagem, da qual Robert Altman se utiliza para mostrar metaforicamente
a hipocrisia social não só dos EUA, porém de uma maneira mais geral do ser
humano ante o diferente, não demonstrando nenhuma espécie de alteridade para
com o outro-Eu.
Dessa maneira McCloud não seria um ser-humano,
contudo, talvez um “homem-pássaro’, preso, porém, em sua forma humana, buscando
uma forma de sair dessa condição tão coercitiva e humilhante de viver em
sociedade, sem liberdade plena.
Enfim,
Altman realiza um grande filme, uma pequena obra-prima, que merece ser
redescoberta em sua extensa filmografia, às vezes preenchida por filmes
irregulares. Em Voar é com os Pássaros,
temos um filme marcado por humor bizarro, situações inusitadas e esdrúxulas,
que servem para metaforicamente dramatizar o absurdo das amarras sociais e da
falta de liberdade plena para qualquer ser humano que vive na sociedade
violenta e agressiva da qual todos fazem parte. Um grande exercício fílmico,
dramático e até filosófico sobre a condição e a natureza humana quando posta em
confronto com o social que nos tolhe a plenitude da liberdade individual. ”
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