sexta-feira, 29 de março de 2019

Benzinho (Gustavo Pizzi, Brasil-Uruguai-Alemanha, 2018): Belo Cotidiano.


Benzinho (Gustavo Pizzi, Brasil-Uruguai-Alemanha, 2018):



“Um belíssimo filme do atual cenário do Cinema Brasileiro contemporâneo é este oportuno trabalho de Pizzi, “Benzinho” que aborda uma família de classe média brasileira, em que todos os membros são importantes para o roteiro -, que foi escrito pelo próprio diretor Gustavo Pizzi (“Riscado”, “Me Chama de Bruna”) em conjunto com a atriz que vive a protagonista da história, Karine Teles -, porém a mãe-esposa-irmã-amiga-mulher Irene se sobressai em um roteiro sensível e poético em sua poesia do cotidiano.
Irene casada com Klaus (Otávio Müller) vive a expectativa da emancipação do filho Fernando (Konstantinos Sarris); vive também com três filhos e às voltas com sua irmã vivida por uma inspirada Adriana Esteves (“Canastra Suja”), a personagem de Esteves, Sônia sofre um relacionamento amoroso conflituoso com o marido (César Troncoso, “O Banheiro do Papa”).
O roteiro não tem estripulias e o diretor consegue se atém ao essencial de poeticidade do dia-a-dia, do corriqueiro, do supostamente banal, onde residem justamente o lirismo de “Benzinho”. Com este ‘diminutivo’ o título já expressa um tom de carinho aos entes familiares mais queridos de Irene. Pode-se fazer um paralelo com a Literatura Brasileira, em especial com os poemas do pernambucano Manuel Bandeira, o escritor que tão bem conseguiu revelar poesia do cotidiano pessoal do eu-lírico e, do social do nosso país, em especial do estado de Pernambuco.
Diálogos interdiscursivos à parte -, o que ressalta, por sinal, a importância de “Benzinho” no cenário do Cinema Brasileiro contemporâneo e do mundo -, já que fez sucesso de crítica e de público por onde passou, inclusive no Festival de Sundance em 2018; sendo cotado, inclusive, para representar o país no Oscar 2019, sendo preterido pela comissão julgadora brasileira que optou pela obra “O Grande Circo Místico”, de Cacá Diegues, como nosso representante oficial.
“Benzinho” é uma obra ímpar, enfim, do cinema nacional, que merece todos os louvores, seja pela direção cuidadosa, pelo roteiro lírico do cotidiano de uma família tipicamente brasileira da classe média, pelas atuações de um elenco afinado e bem dirigido, com destaque para Karine Teles primando com uma interpretação linda, naturalista e inspirada. ”

sexta-feira, 22 de março de 2019


Um Casal Perfeito (Robert Altman, 1979)



Trata-se de um filme de miscelânea de gêneros: drama, comédia, romance, musical (trechos musicais, não um musical strictu sensu), enfim uma tragicomédia seria a melhor definição para a obra do cineasta Robert Altman.
Alex e Sheila se conhecem através de uma agência de encontros e desde o primeiro encontro somam desencontros, idas e vidas no início de um relacionamento tumultuoso, trágico e cômico, mas a relação é sempre manejada pelo roteiro com bom-humor, sarcasmo, ironia e muita música, ora ‘clássica’, ora ‘popular’ da banda do nome sugestivo “Mantendo-os fora da rua”.
Alex é membro de uma família grego-estadunidense retrógrada, principalmente na figura do patriarca retrógado; Sheila divide um apartamento com a banda em comunidade. É um choque para ambos conheceram as ‘famílias’ do outro, as duas são aberrações, bizarrices para Sheila em relação à família de origem grega de Alex, e este vê a família ‘alternativa’ de Sheila como aberração.
Ao fim do filme temos a melhor sequência-cena do filme, na qual o início do filme se une ao final em um roteiro se não perfeito, ao menos atrativo, e o ‘casal perfeito’ é imperfeito na perfeição dos acasos da vida. O ‘casal perfeito’ formado por Alex e Sheila, por fim, é reverberado em um outro casal, denominado nos créditos finais do filme como ‘um casal imperfeito’, que aparece em seis cenas e serve de espelho das relações do casal-protagonista.   



Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector: romance, 1943: epifanias.


- Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector: romance, 1943:

- Em seu romance de estreia, a autora ora desvela ao leitor o mundo interior da protagonista Joana, ora a contempla de fora, o mundo externo de Joana, alternando dessa forma dois tempos: o da infância, na qual a personagem interroga o mundo, os seres, as coisas e, um tempo atemporal, intemporal, ou fora do tempo, ou seja, a eternidade, no qual Joana vive um casamento com Otávio, com quem Joana nunca nutriu a ilusão de ser completa, pois o marido é sempre visto como um estranho.
-  A Incompletude, a Inquietude são sensações que perseguem Joana desde sua Infância, sua inadequação primordial. O “Selvagem” do título será percebido, interpretado aos poucos pelo leitor justamente como esta inquietação de Joana ante o mundo e a coisas, ou melhor ante a si mesma, o seu mundo interior, a sua personalidade interrogativa e inquisidora; esta sua visão de mundo ‘selvagem’ (metáfora) de ver o (s) mundo (s): e a própria selvageria que é viver o mundo interior e o mundo exterior. Basta para percebemos que uma de suas epifanias 'Vive-se e Morre-se' (lição do Professor), capítulo: ... O  Banho... (Primeira Parte), sugere justamente esta selvageria do nosso viver, inquieto e incompleto em Busca... Incompletude, acaba por ser uma das respostas encontradas. Pois, talvez, a protagonista nunca se descubra por completo, estando sempre perto de si descobrir, porém nunca se complete, pois, a completude é a própria incompletude.
- O momento epifânico somente ocorrendo a tal epifania (a maior) justamente na descoberta da sua inquietude, da sua incompletude,  que são de todas as mulheres e de todos nós, está aí a universalidade do romance.
- Um dos capítulos primordiais do livro são as várias descobertas da adolescência, no qual Joana descobre-se mulher, a sua feminilidade dar-se na da passagem infância para tornar-se Mulher, porém não de forma estanque, acabada, pois é uma linha tênue, um devir no romance.
- A escrita do romance é tateante, sonâmbula, não-linear, o tempo psicológico predomina marcado por epifanias, pequenas e de grandes revelações, a maior talvez é: que se vive para morrer e a incompletude humana, esta inquietude que nos é peculiar é nossa maior felicidade. Assim, é na meia-Vigília, na duração 'instante-intervalar' que o silêncio-contemplação leva às epifanias, as novidades em devir revelam que a vida é uma travessia infinita de novidades, inauditos.
- O romance nos  desvela também alegria-tristeza e vice-versa, sentimentos conflituosos e harmoniosos, opostos complementares, por exemplo, no casamento de Joana se revela esta dualidade dinâmica, em um amor incompleto, inquieto.
- Outra epifania de Joana é a dos 'círculos completos em si mesmos', mas que desta forma não revela nada, somente quando estes círculos se intercalam entre si, ou seja, não sendo mais círculos completos em si mesmos, mas quando se misturam, todos sobrepostos aos outros configura-se a epifania: que todos os momentos da vida são tão intensos em suas infinitas-finitas durações-travessias do presente, não importando passado nem futuro. 
- Esta e outras epifanias se  expressam principalmente no 'silêncio' e através das sensações,  daí se chega a mais uma das epifanias de Joana = a mulher é o devir, é o eterno tornar-se...
- A solidão, o silêncio momentos propícios das verdadeiras revelações, descobertas, epifanias de si mesma = a descoberta do verdadeiro amor, o amor a si mesmo, sua individualidade completa na incompletude (não individualismo), precisa-se encontrar a si mesma, a amar-se para amar outro numa relação amorosa homem-mulher, no caso do romance em tela.
- O Mar sempre aparece como metáfora de amplidão = imensidão – completude na incompletude do infinito – devir – o que importa é o ir – a travessia.  A importância é viver simplesmente viver o seu “Presente” – transpondo suavemente alguma coisa... ou seja a própria existência em devir.  A alegria é a Alegria de saber que se está vivendo – epifania.
- Solidão não em strictu sensu, mas em sentido epifânico de introspecção de Joana para metaforicamente perceber pelas sensações, pelas impressões que sua liberdade, sua completude está na incompletude inquieta, é por isso mesmo a incompletude que completa de maneira incompleta a Busca por si mesma.

quarta-feira, 20 de março de 2019

Os Inocentes (The Innocents, Jack Clayton, 1961, GBR):


- Os Inocentes (The Innocents, Jack Clayton, 1961, GBR):





-  Baseado no conto “A Outra Volta do Parafuso”, de Henry James, 1898; roteiro adaptado por Truman Capote -, (escritor de “À Sangue Frio”, 1966, ver o filme Capote, 2005, de Bennett Miller, com Philip Seymour Hoffman) -, e William Archibald;
- Mrs. Giddens (Deborah Kerr) é filha de pastor, governanta, no começo do filme ela nos é apresentada implorando pela salvação das almas de algumas pessoas não determinadas; a história se passa na Época Vitoriana;
- A personagem Senhorita Giddens é contratada pela personagem interpretada por Michael Redgrave nomeada apenas como “O Tio” para cuidar de seus sobrinhos, Flora e Miles, duas crianças órfãs;
- Ele, “O Tio”, demonstra honestidade e pouco interesse pelos sobrinhos que vivem no campo;
- Poucas personagens completam a trama: Sra. Grose (governanta), Anna (cozinheira); o espaço é de uma mansão gigantesca cheia de quartos vazios (ou não!), a maioria das cenas se passa no interior da casa; algumas no jardim; inclusive existem algumas cenas memoráveis com diálogos expressivos quanto à carga simbólica do conteúdo proposto na história; e duas personagens misteriosas;
- Estes detalhes se entrelaçam para um roteiro enxuto e perfeito, cuja a temática gira em torno de questões como: Pecado X Pureza; opostos complementares; dinâmicos;
- As crianças sempre nos aparecem entre luz e sombra e, isto se deve a iluminação das velas, em uma ambiência claustrofóbica; a maioria das vezes as cenas se passam à noite, inclusive o clímax; fotografia em preto-e-branco não é por acaso;
-  Possessão – ponto de interrogação, talvez não seja o ponto mais relevante da trama; porém, onde está a corrupção; na imaginação e ou na realidade propriamente dita da história; o que é real, o que é ilusão-sonho-ou-pesadelo; por último, um detalhe de suma importância são os sussurros que são ouvidos ou não pela Senhorita Giddens; eis o maior enigma.