sexta-feira, 22 de março de 2019

Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector: romance, 1943: epifanias.


- Perto do Coração Selvagem - Clarice Lispector: romance, 1943:

- Em seu romance de estreia, a autora ora desvela ao leitor o mundo interior da protagonista Joana, ora a contempla de fora, o mundo externo de Joana, alternando dessa forma dois tempos: o da infância, na qual a personagem interroga o mundo, os seres, as coisas e, um tempo atemporal, intemporal, ou fora do tempo, ou seja, a eternidade, no qual Joana vive um casamento com Otávio, com quem Joana nunca nutriu a ilusão de ser completa, pois o marido é sempre visto como um estranho.
-  A Incompletude, a Inquietude são sensações que perseguem Joana desde sua Infância, sua inadequação primordial. O “Selvagem” do título será percebido, interpretado aos poucos pelo leitor justamente como esta inquietação de Joana ante o mundo e a coisas, ou melhor ante a si mesma, o seu mundo interior, a sua personalidade interrogativa e inquisidora; esta sua visão de mundo ‘selvagem’ (metáfora) de ver o (s) mundo (s): e a própria selvageria que é viver o mundo interior e o mundo exterior. Basta para percebemos que uma de suas epifanias 'Vive-se e Morre-se' (lição do Professor), capítulo: ... O  Banho... (Primeira Parte), sugere justamente esta selvageria do nosso viver, inquieto e incompleto em Busca... Incompletude, acaba por ser uma das respostas encontradas. Pois, talvez, a protagonista nunca se descubra por completo, estando sempre perto de si descobrir, porém nunca se complete, pois, a completude é a própria incompletude.
- O momento epifânico somente ocorrendo a tal epifania (a maior) justamente na descoberta da sua inquietude, da sua incompletude,  que são de todas as mulheres e de todos nós, está aí a universalidade do romance.
- Um dos capítulos primordiais do livro são as várias descobertas da adolescência, no qual Joana descobre-se mulher, a sua feminilidade dar-se na da passagem infância para tornar-se Mulher, porém não de forma estanque, acabada, pois é uma linha tênue, um devir no romance.
- A escrita do romance é tateante, sonâmbula, não-linear, o tempo psicológico predomina marcado por epifanias, pequenas e de grandes revelações, a maior talvez é: que se vive para morrer e a incompletude humana, esta inquietude que nos é peculiar é nossa maior felicidade. Assim, é na meia-Vigília, na duração 'instante-intervalar' que o silêncio-contemplação leva às epifanias, as novidades em devir revelam que a vida é uma travessia infinita de novidades, inauditos.
- O romance nos  desvela também alegria-tristeza e vice-versa, sentimentos conflituosos e harmoniosos, opostos complementares, por exemplo, no casamento de Joana se revela esta dualidade dinâmica, em um amor incompleto, inquieto.
- Outra epifania de Joana é a dos 'círculos completos em si mesmos', mas que desta forma não revela nada, somente quando estes círculos se intercalam entre si, ou seja, não sendo mais círculos completos em si mesmos, mas quando se misturam, todos sobrepostos aos outros configura-se a epifania: que todos os momentos da vida são tão intensos em suas infinitas-finitas durações-travessias do presente, não importando passado nem futuro. 
- Esta e outras epifanias se  expressam principalmente no 'silêncio' e através das sensações,  daí se chega a mais uma das epifanias de Joana = a mulher é o devir, é o eterno tornar-se...
- A solidão, o silêncio momentos propícios das verdadeiras revelações, descobertas, epifanias de si mesma = a descoberta do verdadeiro amor, o amor a si mesmo, sua individualidade completa na incompletude (não individualismo), precisa-se encontrar a si mesma, a amar-se para amar outro numa relação amorosa homem-mulher, no caso do romance em tela.
- O Mar sempre aparece como metáfora de amplidão = imensidão – completude na incompletude do infinito – devir – o que importa é o ir – a travessia.  A importância é viver simplesmente viver o seu “Presente” – transpondo suavemente alguma coisa... ou seja a própria existência em devir.  A alegria é a Alegria de saber que se está vivendo – epifania.
- Solidão não em strictu sensu, mas em sentido epifânico de introspecção de Joana para metaforicamente perceber pelas sensações, pelas impressões que sua liberdade, sua completude está na incompletude inquieta, é por isso mesmo a incompletude que completa de maneira incompleta a Busca por si mesma.

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