domingo, 30 de dezembro de 2018

Raymond Chandler: Não há crimes nas montanhas e outros contos de suspense


Cinco contos de suspense, detetives particulares criados por Raymond Chandler, um dos mestres do ‘private eye’. Momentos de tensão e até de violência física pesada para a época em que os contos foram publicados nos EUA, anos 1920-1930. Três detetives cada um com suas particularidades, John Evans, Carmandy e Stephen Stracey. Boa leitura para quem gosta do gênero 'detetives particulares', com tom 'noir'.
Não Há Crimes nas Montanhas e Outros Contos de Suspense é uma coletânea de cinco contos: três com o detetive Carmandy, “A Cortina”, “Procurem a Garota”, e “O Homem que Gostava de Cachorros”; um com Steve Grayce, “O Rei de Amarelo”, outro com John Evans, o conto que dá título a coletânea.
Como muitos críticos literários afirmam, por exemplo Massaud Moisés, todo conto que se preze tem que ter diálogos ágeis e umas boas doses de descrição do ambiente, é o que Chandler faz com naturalidade em todos os contos compilados. Narrativas curtas e até um pouco mais longas mais sempre com um núcleo narrativo e sempre pelo ponto de vista dos detetives. Ora com narrador em primeira pessoa (a maioria dos contos), ora as histórias são narradas em terreira pessoa.
Por fim um detalhe interessante é que Leonardo Padura em seu magistral romance O Homem que Amava os Cachorros, mas recheado de personagens históricas tais como Trostky e Stálin, faz uma intertextualidade com “O Homem Gostava de Cachorros”, conto protagonizado por Carmandy, que faz parte desta coletânea ora resenhada.





Referências Bibliográficas:
CHANDLER, Raymond. Não há crimes nas montanhas e outros contos de suspense. Tradução de A. B. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.
  MOISÉS, Massaud. A criação literária. 6 edição, revista. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1972-1973.
PADURA, Leonardo. O homem que amava os cachorros. 2 edição. Boitempo, 2015.

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O Cantor de Jazz (Alan Crosland, EUA, 1927) e os Primeiros Filmes Falados:


O Cantor de Jazz (Alan Crosland, EUA, 1927) e os Primeiros Filmes Falados:

                                                              Poster.

O filme dirigido por Crosland estreou na cidade de Nova York, inaugurando a era sonora, porém o primeiro longa-metragem totalmente falado foi Luzes de Nova York, de Bryan Foy, que foi lançado em Nova York, em 1928. Ele foi um fiasco de críticas, mas sucesso de público, arrecadou em sua primeira semana de exibição 47 mil dólares.
Mas já em 1921, D. W. Griffth fracassou com sua obra Dream Street, que originalmente foi lançado como filme mudo e em versão sonorizada dias depois de sua estreia oficial.
Já na Inglaterra, em 1929, Alfred Hitchcock lançou seu décimo-segundo filme como diretor, Chantagem e Confissão, que originalmente era para ser lançado como filme mudo para foi sonorizado, hoje existem as duas versões.
Em 1930, na Alemanha Josef von Sternberg nos entrega sua obra-prima, O Anjo Azul, protagonizado por Emil Jannings e Marlene Dietrich. É o primeiro filme falado de Sternberg. Em 1931, Pabst adapta o texto de Bertolt Bretch, A ópera dos três vinténs, com elencos diferentes para suas duas versões, uma em língua alemã, outra de língua francesa. M., de Fritz Lang, é o primeiro filme falado deste cineasta, lançado em 1931, o filme poderia usar o ‘som’ em 100% do filme, mas para redução de custos foi utilizado em apenas dois terços da película. O uso da narração, contudo, tornou seu clímax angustiante e foi inovador à época, o mesmo efeito não se obteria com o uso de intertítulos à hora do tribunal a julgar Peter Lorre.   
Já na França, também no ano de 1930, René Clair realiza o musical, Sob os tetos de Paris, primeiro exemplar do cinema francês falado a alcançar sucesso mundial.
O Cantor de Jazz é estrelado por Al Jolson e foi lançado nos EUA em 23 de outubro de 1927, produzido pela Warner Bros. O improviso de Jolson “Você ainda não ouviu nada”, frase pronunciada na canção, Dirty hands, Dirty face, interpretada por Jack Robin, originalmente um Cantor de cânticos litúrgicos judeus, ao menos este era o desejo de seu pai Rabinowitz, porém o jovem Jackie tem a alma e as lágrimas na voz do Jazz, porém, o Jazz não é bem o JAZZ que conhecemos hoje, nos filmes da época são baladas sentimentais e apresentações à moda antiga, vale lembrar que o negro  não  tinha protagonismo à época, por isso os  cantores de Jazz dos filmes, assim como Al Jolson se pintavam de preto.
O filme de Crosland só sincronizou a voz e as canções, mas com o improviso citado iniciou-se o “Cinema Falado”. Muitos acreditavam que este diminuiria a arte cinematográfica, assim como a fotografia preto-e-branco substituída pela colorida causaria um efeito destruidor para a Sétima Arte. Isso não aconteceu, esta sobrevive com outras experimentações e até hoje dilemas mais apocalípticos nos dias de hoje, no século XXI.   
O primeiro filme sonoro comercial na verdade estreou em 1926, quando a Warner Bros, lançou Don Juan, usando o sistema Vitaphone. Dirigido também por Crosland, era um filme de capa e espada, com John Barrymore.
Mais foi mesmo com O Cantor de Jazz, de Alan Crosland que tornou o cinema falado uma realidade totalmente irreversível para a Sétima Arte. Embora não seja realmente um filme falado, há trilha sonora, mas com apenas duas sequências com diálogos falados, no mais os diálogos são representados com os tradicionais intertítulos do cinema mudo. Porém, o segredo do sucesso são justamente estas duas cenas.
Portanto, e segundo o produtor Darrly O. Zanuck: “O Cantor de Jazz trouxe o som, [já] Luzes de Nova York trouxe diálogos. Depois disso, tudo mudou. ”   


                                                               Al Jolson.


sábado, 29 de setembro de 2018

Me chame pelo seu nome (Luca Guadagnino, ITA, FRA, BRA, EUA, 2017):




                                                         Luca Guadagnino.

As descobertas da vida vão além das primeiras experiências sexuais, a Vida assim como as águas de um rio não são mais as mesmas quando voltam a passar pelo mesmo lugar que passaram outrora, além do mais: este lugar continua o mesmo?
Em Me chame pelo seu nome, as reflexões de Heráclito são válidas e óbvias, o que chama atenção também é a questão da alteridade entre as personagens de Oliver (Armie Hammer) e Elio (Timothée Chalamet) que a partir da chegada daquele saí da harmonia de seu Cosmos, para um Caos que pode ser negativo a priori, porém a construção da alteridade entre as duas personagens nos leva a constatar que o repetível do universo é justamente o não-repetível de cada situação e cada ente.

                                                                     Poster.

Elio aparentemente frágil é um mostra-se corajoso na construção de sua personalidade que não finda ao cabo da trama, pois a Vida e a elaboração da persona constrói-se a cada momento, a Vida é vivida a gritos e murmúrios, ao invés de sufocar no silêncio do não-vivido.

                                                   Timothée Chalamet (cena do filme).

Me chame pelo seu nome, lançado em 2017, é um brilhante filme dirigido pelo cineasta italiano Luca Guadagnino, premiado no Festival de Berlim, tornou-se uma obra multipremiada em diversos festivais e nomeada ao Oscar 2018, no qual ganhou o prêmio de melhor roteiro adaptado para James Ivory, baseado no romance de André Aciman.  Destaca-se também por duas belas canções Mystery of Love e Visions of Gideon.  




                                                                  Cena do filme.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O Formidável (Le Redoutable, 2017): Godard e a desconstrução do mito.


"O Formidável (Le Redoutable) não é uma cinebiografia, nem se trata de uma comédia-romântica ou dramática, muito menos é um mero drama é, na verdade, uma obra fílmica a dialogar com o Cinema. Em especial o Cinema de Monsieur Godard. Um filme para todos os públicos, que pode ser mais interessante para quem já conhece o cinema de Jean-Luc Godard, mas mesmo quem não o conhece ainda, pode deslumbrar-se com um filme muito convincente a ponto de querer desvendar o cinema do realizador franco-suíço.
Michel Hazanavicius ganhou um Oscar por sua obra O Artista e, em O Formidável, de 2017, nomeado a Palma de Ouro em Cannes, rende tributo ao desconstruir a figura já mítica de Godard vivido por um talentoso Louis Garrel que nos dá um Godard fascinante e ao mesmo tempo repulsivo. Um cineasta de muitas ideias, a principal de que cinema é política e assim sendo revolução constante.
Interessante notar que Godard é um cineasta profícuo, que filma até hoje, com seus quase 90 anos, porém o filme também não é um documentário clássico, porém uma obra de ficção, a cobrir desta forma um pequeno arco da vida e obra de Godard: depois do seu divórcio com Anna Karina, a produção do seu mais novo trabalho, A Chinesa (1967), o seu casamento com Anne Wiazemsky e os acontecimentos subsequentes que transcorreram nos anos de 67 e 68, que foram agitadíssimos no mundo e não poderia ser diferente também foram conturbados na França, marcada por uma agitação política e cultural singular.
    Vale ressaltar, enfim, que o filme é interessante por ser uma obra metalinguística, cheia de simbolismos e sugestões, assim é o melhor da arte de Godard, contudo o cinema de JLG é um capítulo à parte na História do Cinema, ou seja são outras História (s) do Cinema."


segunda-feira, 30 de julho de 2018

“Mercado Humano”, Anthony Mann, EUA, 1949: a desesperança do homem pelo homem.


“A temática de “Mercado Humano”, Anthony Mann, EUA, 1949, é tão atual e gritante, em pleno século XXI, qual seja: a coisificação do homem, a escravidão, a questão das fronteiras entre EUA e México e os imigrantes ilegais. Um filme que por estas questões já é atual, mas torna-se um clássico noir, e vai além dos gêneros, pois é uma verdadeira aula de cinema de Mann que demostra como narrar e como fotografar no cinema: a cena do trator é ímpar.
Acho que não é necessário discutir ciclos na obra de Anthony Mann, se ele era maior diretor de faroestes ou de noir, o que importa que ele é um gênio indiscutível da Sétima Arte, portanto, sua obra merece sempre ser vista e revista.
Desesperança este é o estado d´alma sugerido pela obra “Mercado Humano”, e a melancolia vem como resultado de cada plano e de cada close deste filme ímpar na história do cinema. ”


                                                            Anthony Mann.


                                                      Mercado Humano.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Ouro e Maldição (Greed, Erich von Stroheim, EUA,1924)

“Ouro e Maldição (1924) é um filme importantíssimo para a História do Cinema, muitos críticos consideram a obra-prima de Erich von Stroheim. Um filme que apesar das várias mutilações sofridas por parte do estúdio MGM -, von Stroheim concebeu sua obra para ter a duração de quase 10h e o produtor Irving Thalberg, obrigou seus subordinados a “editarem” Greed em menos de 3h, mais precisamente 2h 10. O que o cineasta desaprovou e nunca aceitou ao longo de sua vida, afirmando que acabaram com sua obra e não reconhecia mais seu trabalho em Ouro e Maldição, tanto que nunca chegou a ver a versão vinculada pelo estúdio nos cinemas à época.
Apesar de o filme ter sido restaurado, em 1999, para quase 240min, 3h 59, sua versão original e idealizada por von Stroheim só foi exibida uma única vez, portanto sua versão original de 9h30 é hoje considerada perdida. O longa foi considerado pelo crítico estadunidense Roger Ebert como a "Vênus de Milo" do Cinema. Um trabalho que, ainda que absurdamente mutilado, ainda assim permanece memorável e ímpar na História do Cinema. Para completar esta questão trágica da mutilação dos originais do filme, vale citar a frase de outro pesquisador Rick Schmidlin, que restaurou o filme para a versão de quase 4h: “o material perdido tem sido chamado de 'O Santo Graal' do Cinema. O que nós tentamos fazer foi uma reconstrução da narrativa perdida que Erich von Stroheim originalmente pretendeu contar".
Ouro e Maldição é referência direta e/ou indireta para diversos filmes que abordam a questão da ambição e da ganância seja por status social, ouro, fama e/ou poder. Ouro e Maldição é a adaptação do romance "McTeague", de Frank Norris, escritor estadunidense, influenciado pelo estilo naturalista de Émile Zola. Uma das características mais fortes do romance de Norris, transpostas fielmente para o filme, é a recorrência de alguns traços do Naturalismo-científico do século XIX, como a inalienável força da hereditariedade, o poder determinista também dos instintos do sexo e da violência, as precárias condições de vida das classes mais baixas, esta questão é facilmente perceptível no enredo do filme, em relação aos mineradores, referência clara do livro de Norris ao romance “Germinal”, de Zola.
 Fiel ao ultrarrealismo preconizado no romance de Frank Norris, Erich von Stroheim exigiu que as filmagens fossem feitas nas próprias locações mencionadas no romance e, na busca por uma adaptação o mais fiel possível, descartou o uso de um roteiro adaptado e procurou filmar todo o livro, página a página.  
Depois de trabalhar por um bom tempo no ramo da mineração, John McTeague se muda para a Califórnia, onde passa a trabalhar ilegalmente como dentista e casa-se com Trina, prima de seu amigo Marcus, também interessado nela. Quando, Trina ganha cinco mil Dólares na loteria, o que era pra ser um episódio para ser comemorado termina sendo o estopim de uma série de eventos que viriam a destruir o matrimônio, a carreira e, por fim, a vida de todos os três protagonistas do enredo, influenciados pela ambição pelo ouro.
O cineasta emprega alguns recursos narrativos em Ouro e Maldição, tanto na montagem, quanto nas imagens sobrepostas, que são interessantes. Ao longo do filme, Stroheim utiliza um casal de canários amarelos como forma simbólica e sugestiva da ambiência do lar de Trina e McTeague.

Stroheim realizou um dos filmes mais influentes e fortes do Cinema, aparentemente, o roteiro preso às situações simples e corriqueiras da vida, porém, por outro lado e por isso mesmo, faz pensar em situações e em questões das mais existenciais e filosóficas possíveis, tais como: o desejo por riqueza preso às pessoas -, diversas pessoas arriscavam suas vidas em minas de minério e petróleo, num misto de aventura, barbárie e ambição. No filme, percebe-se o interesse dos protagonistas em crescer em status social, porém, numa avareza hiper-realista, que os perturba, os deforma e os destrói para si mesmos, inconscientemente, e, também para a família, para a sociedade e para um espectador que assiste a tudo num crescente de compaixão e terror ante à tragédia que se delineia para McTeague, Trina e Marcus. ” 




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segunda-feira, 30 de abril de 2018

Também Somos Seres Humanos (The Story Of G.I. Joe, William Wellman, 1945): (A Guerra sem protagonistas)


Também Somos Seres Humanos (The Story Of G.I. Joe, William Wellman, 1945): (A Guerra sem protagonistas):


cartaz do filme.

Por Rafael Vespasiano

“O filme, dirigido pelo -, excelente cineasta William Wellman -, narra a história verídica de Ernie Pyle, célebre jornalista estadunidense que ganhou o Pulitzer por seu trabalho como correspondente na Segunda Guerra Mundial.
A estrutura do roteiro é marcada por vários episódios e fragmentos narrativos episódica, não se tem um protagonista característico ou eixo central no enredo do filme, pois o que o cineasta exibe em que uma guerra, em especial a Segunda Grande Guerra, todos são protagonistas, para além do bem e do mal, de qualquer conflito bélico.
Noites em claro falando de casa, interações com civis locais, reuniões estratégicas e longas e frequentes caminhadas. Tudo isso é contado ao espectador por meio de Pyle e seus artigos no jornal. Suas reportagens têm repercussão em todo o mundo à época. E é com um pelotão específico que Pyle produz sua relação mais forte: o comandado pelo Capitão Walker.
Embora não seja focado em cenas de combate, o filme as equilibra com maestria, pois não as utiliza em excesso, o que interessa no roteiro e ao cineasta, é que aquelas sirvam como forma e demonstrar ao espectador que, por melhores que sejam as pessoas retratadas no filme, elas continuam presas às suas obrigações militares e que, portanto, devem matar a qualquer custo. Detalhe: a excelência do roteiro e como ele é usado e manuseado pelo diretor William Wellman, pois, em meio ao flagelo da Guerra e dos combates de uma zona de guerra marcada pela agonia e a destruição, o filme nos mostra pequenas atitudes e diálogos tão humanos que parecem destoar da ambiência na qual as personagens estão enclausuradas. ”




                                                 Cineasta William Wellman.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

(Hitokiri – O Catigo, de Hideo Gosha, Japão, 1969): (Um Exemplar Chambara do Gênio Gosha)


(Hitokiri – O Catigo, de Hideo Gosha, Japão, 1969):

(Um Exemplar Chambara do Gênio Gosha):

Hideo Gosha.

“Hitokiri – O Catigo, de Hideo Gosha, 1969 é mais um belo filme japonês chmabara e o que ele possui em comum com, por exemplo, os faroestes estadunidenses, é a exemplar perfeição formal e temática, pois dialoga com vários gêneros fílmicos, como os citados westerns americanos, em termos de violência, vingança e traições.
Inspirado no romance de Ryotaro Shiba, Hitokiri – O castigo, é uma das muitas amostras de que Gosha é mais que um diretor, é um poeta das imagens, com uma fotografia belíssima e uma direção de arte deslumbrante. A luta do prólogo é apenas um detalhe do que está por vir. Okada Izo, o protagonista, é animal sem rédeas com sua espada. A violência presente no seu trabalho é um contraponto para suas emoções, a tensão psicológica está presente em todo o enredo, mesmo que sugestivamente. A trama gira além de em torno de Izo, no final do Xogonato Tokugawa, aí o protagonista Izo é enredado numa teia de manipulação por líder de um clã de samurais, tornando-se um samurai sanguinário. O que dialoga com alguns westerns estadunidenses como citado mais acima.
Izo tem espírito livre, mas seu corpo depende do pagamento e das ordens de seu mestre Hanpeita. Parece um ronin, mas sua devoção não permite que ele leve o caminho errante como estilo de vida. Mas qual será o desfecho deste chambara cheio de ambiguidades temáticas, psicológicas e de variantes no enredo?...”




                                                           Cartaz do Filme.

ANTOLOGIA SIMBOLISTA E DECADENTE – PARTE 3 – 9: MARANHÃO SOBRINHO


ANTOLOGIA SIMBOLISTA E DECADENTE – PARTE 3 – 9:
MARANHÃO SOBRINHO (1879-1915):

Maranhão Sobrinho.

“Maranhão Sobrinho mantém intenso diálogo com o poema “Poetas Malditos”, de 1884 -, em que o francês Paul Verlaine (1844-1896) valoriza escritores como Tristan Corbière, Arthur Rimbaud, Mallarmé, Villiers dde L´Isle Adam e ele próprio, Verlaine -, poetas simbolistas, decadentes e malditos, tal qual o próprio Paul Verlaine e Maranhão Sobrinho, no Brasil, que escreveu um poema com o mesmo título do texto de Verlaine, “Poetas Malditos”.
O poema de Maranhão Sobrinho é elaborado e reúne um minucioso cenáculo de renegados, malditos, boêmios, marginais sob diversos aspectos, liderados por Satã, seis evocados ao longo do poema. Maranhão Sobrinho assim define poeticamente sua profissão de fé, preferências e admirações poéticas, acrescentados outros nomes além dos citados por Verlaine em seu poema homônimo. O que confirma também a exaltação de “santos e heróis” a que se referiu Paul Valéry, no seu texto “Existência do Simbolismo”, que faz parte da obra Variedades, João Alexandre Barbosa (Org. e introdução). São Paulo: Iluminuras, 1991.
Maranhão Sobrinho em sua obra poética na maioria das vezes recobre seus textos de ironia e irreverência. Sua obra mais famosa é Papeis Velhos... Roídos pela Traça do Símbolo. Conhecido como “poeta satânico” e maldito com um gosto pelos arranjos e tons sensoriais, sinestésicos e pelo excesso de decadentismo, veja-se o poema “Satã”, por exemplo, também produziu poemas mais contemplativos que retomam os tons de um catolicismo-místico, típico de um Alphonsus de Guimaraens e até de um Cruz e Sousa, cada com sua própria poética, logicamente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
RICIERI, Francine. (organização, notas, prefácio e fixação de texto). Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional: Lazuli Editora, 2007.
  
POEMAS DE MARANHÃO SOBRINHO:

Soror Teresa

... E um dia as monjas foram dar com ela
Morta, da cor de um sonho de noivado,
No silêncio cristão da estreita cela,
Lábios nos lábios de um Crucificado...

Somente a luz de uma piedosa vela
Ungia, como um óleo derramado,
O aposento tristíssimo de aquela
Que morrera num sonho, sem pecado...

Todo o mosteiro encheu-se de tristeza,
E ninguém soube de que dor escrava
Morrera a divinal soror Teresa...

Não creio que, de amor, a morte venha,
Mas, sei que a vida da soror boiava
Dentro dos olhos do Senhor da Penha...



Satã

Nas margens de cristal do Danúbio do sonho,
cromadas de rubis, de pérolas purpúreas,
vê-se o imenso solar sonolento e medonho
do dragão infernal das Princesas espúrias...

Guarda o nobre portal de alabastro tristonho
desse antigo solar, de malditas luxúrias,
em que fulge o brasão heráldico do sonho
não sei quantas legiões de duendes e fúrias!

Sobre o mármore azul das colunas austeras,
que, em noivados de luz, o luar engrinalda
brilha o vivo cristal de alígeras quimeras...

Velam desse dragão o oriental tesoiro,
sobre um trono de rei, de maciça esmeralda,
dois soberbos leões, de grandes patas de oiro...





Mártir

Das Cinco-Chagas de Pesar, que exangue,
Trago no triste Coração magoado,
Descem rosários de rubis de sangue
Como do corpo do Crucificado...

Pende-me a fronte sobre o peito, langue,
De infinitas Traições alanceado...
E, na noite da Mágoa, expiro exangue
Na Cruz de Pedra da Paixão pregado...

Subi, de joelhos, expirando, o adusto
Desfiladeiro enorme do Calvário...
Sob o madeiro da Saudade, a custo!

Sem consumar meus sonhos adorados,
Oiço, no meio do Martírio vário,
O chocalhar sacrílego dos Dados...









Interlunar

Entre nuvens cruéis de púrpura e gerânio,
Rubro como, de sangue, um hoplita messênio,
O sol, vencido, desce o planalto de urânio
Do ocaso, na mudez de um recolhido essênio...

Veloz como um corcel, voando num mito hircânio,
Tremente, esvai-se a luz no leve oxigênio
Da tarde, que me evoca os olhos de Stephanio
Mallarmé, sob a unção da tristeza e do gênio!

O ônix das sombras cresce ao trágico declínio
Do dia que, a lembrar piratas do mar Jônio,
Põe, no ocaso, clarões vermelhos de assassínio...

Vem a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio,
Vara o estranho solar da Morte e do Demônio
Com as torres medievais as sombras do Interlúnio...





Poetas Malditos

Quando, pelo clamor dos meus pecados, tive
de, à Treva Inferior descer, à voz do Eterno,
ralando-me do Mal no aspérrimo declive,
como um deus rebelado e tonto de falerno,
sobre os astros mais nus, como Alighieri, estive
suspenso, a contemplar o delírio eviterno
das pompas sensuais de Gomorra e Ninive,
situadas ao pé do Stramboli do Inferno...

Gritos e imprecações, que as chamas retalhavam,
como gládios de bronze, em bárbaras campanhas,
de entre as lavas de sangue e sulfo se elevavam,
enquanto, aos olhos meus, nos infernais retiros,
o fogo, devorando o ventre das montanhas,
dava uns tons de gangrena às asas dos vampiros...

Com as unhas lacerando a púrpura sangrenta,
que, dos ombros de auroque, em pregas, lhe caía,
vi Nero, inda exibindo a mesma fronte odienta
que, no incêndio de Roma, às chamas exibia...


Raivava como um cão, mostrando a saburrenta
língua e, a espaços, também, às escâncaras, ria
epiléptico, ao ver as lamas em tormenta
atravessando o horror da satânica orgia
de fogo, no solar do Príncipe Demônio,
para, empós, como os cães corridos, lazarentos,
encolher-se entrevendo o vulto de Petrônio,
que, arrepanhando a toga e erguendo a ebúrnea fronte,
ia e vinha, a cantar, nos antros pestilentos
do Inferno, uma canção de amor de Anacreonte...

Entre uma legião de cetros e tonsuras,
Voltaire, viu-me e sorriu, com um sorriso endiabrado,
de caveira, a expelir das órbitas escuras
ironias, de um tom de bronze avermelhado...

Blasfemava, estalando as hirtas ossaturas
do esqueleto e mostrando o braço descarnado,
num gesto de rebelde às lívidas alturas
e a enterrar-se ainda mais no Inferno, brado a brado...




Erguia, empós, o olhar da treva aos coruchéus
e escarrava, dizendo, em nojo,, que o fazia
no orgulho de Lusbel, sobre a fronte de Deus!
E, quando assim falavam os seus lábios, à míngua
de fé, de gota em gota, entre assombrado, eu via
como um visgo de fogo, a escorrer-se da língua...

Também lá te encontrei, Tristan Corbière, nas grutas
do Demônio, cantando umas canções remotas
como o oceano, que morde as praias de oiro, enxutas,
no virente esplendor das vivas bergamotas...

Tremia-se entre as mãos, em púrpuras volutas
de sons, a harpa do Mal,, fazendo, sob as cotas
dos hoplitas do Inferno, o amor ao sangue e às lutas
triunfar transluminoso, em túmidos Eurotas...
 Os teus olhos cruéis, em damas de palhetas
de ouro jalde, varando as vastidões aflitas
silenciavam do fogo as púrpuras trombetas
de bronze, que a planger, nas místicas oblatas
sangrentas do Demônio, em helicinas malditas,
acordavam do Inferno as furnas escarlatas...


Desbordes e Mallarmé oscularam-me a fronte
e passaram, por uma azul chama impelidos;
chamei-os e o rumor das lavas do Aqueronte
triste abafou-me a voz, cerceando-me os sentidos...
Quando acordei me vi perto da negra fonte,
entre um vivo clamor de pragas e gemidos,
diante do inquieto olhar de um cérebro bifronte
com os olhos como dois santelmos acendidos...

Vi, momentos depois, em palidez exangue,
Rimbaud e Villiers de L'Isle Adam, chorando,
e o seu pranto infernal era de lodo e sangue...

E, quando recuei, de agro pavor, Lelian
surgiu-me e, empós, se foi pelas trevas clamando:
Satã! Satã! Satã! Satã! Satã! Satã!





                                                         Capa da Principal Obra de Poemas de Maranhão Sobrinho.



sexta-feira, 30 de março de 2018

A Traição (Tokuzo Tanaka, JAPÃO, 1966): Grandes Batalhas e Conflitos Psicológicos


A Traição (Tokuzo Tanaka, JAPÃO, 1966):
Grandes Batalhas e Conflitos Psicológicos:

cartaz de A Traição - 1966.
    Por Rafael Vespasiano.                                                                                                                                                                   
“Tokuzo Tanaka, o cineasta que realizou a obra-prima A Traição, 1966, contribuiu com muitos filmes do gênero chambara. Tanaka dirigiu algo em torno de 30 filmes da série clássica Zatoichi.
A Traição, chambara tem como narrativa a história do samurai Takuma preso ao seu destino – o de assumir um assassinato que não cometeu e que abalou os vínculos de dois clãs de samurais, o Minazuki e o Iwashiro. Takuma se torna, portanto, o principal suspeito e assim ele se afasta de sua cidade, mas o samurai é enredado em várias situações de traições entre os clãs, que Takuma sofre em sua jornada por motivos como dinheiro e honra.
O personagem principal é um dos mais poderosos samurais de todos os filmes de chambaras já feitos, sua técnica é inabalável, mas seu espírito é fortemente atingido depois de uma série de traições e por carregar um fardo que o faz matar cada vez mais. O diretor Tokuzo Tanaka mostra que o assassino verdadeiro é a guerra por poder entre os clãs e o caos provocado por acontecimentos ligados a traições entre os mesmos. O filme faz uma crítica à capacidade de julgamento cega e vendada por uma honra coletiva e individual: a honra dos clãs e a honra de se acreditar no que se quer ver e não no que se crê de verdade como honra e amizade.
A Traição é um chambara emblemático pois o cineasta genial que é Tanaka conduz Takuma em uma batalha final que dura quinze minutos, no qual o samurai enfrenta os dois clãs. Um exemplo genial de como conduzir uma cena e suas edições e cortes, mais as coreografias típicas do gênero chambara, em seus duelos, em especial os duelos homem a homem.
Takuma é o herói escravizado pelos problemas dos clãs que o diretor mostra genialmente para criticar alguns comportamentos e a história da sociedade japonesa em especial a feudal; o protagonista é um emblema e assim percebemos a ambiguidade das suas facetas psicológicas e de samurai-guerreiro, aguerrido e honrado, que Takuma demonstra e vai no decorrer de todo o filme tomando várias proporções: individuais e sociais do Japão do Bushidô, dos samurais e dos ronins, do Xogunato e de seus clãs. Um belíssimo filme e uma obra-prima de Tokuzo Tanaka. ”



Foto do cineasta Tokuzo Tanaka.