ANTOLOGIA SIMBOLISTA E DECADENTE – PARTE 3 – 9:
MARANHÃO SOBRINHO (1879-1915):
Maranhão Sobrinho.
“Maranhão
Sobrinho mantém intenso diálogo com o poema “Poetas Malditos”, de 1884 -, em
que o francês Paul Verlaine (1844-1896) valoriza escritores como Tristan
Corbière, Arthur Rimbaud, Mallarmé, Villiers dde L´Isle Adam e ele próprio,
Verlaine -, poetas simbolistas, decadentes e malditos, tal qual o próprio Paul
Verlaine e Maranhão Sobrinho, no Brasil, que escreveu um poema com o mesmo
título do texto de Verlaine, “Poetas Malditos”.
O
poema de Maranhão Sobrinho é elaborado e reúne um minucioso cenáculo de renegados,
malditos, boêmios, marginais sob diversos aspectos, liderados por Satã, seis evocados
ao longo do poema. Maranhão Sobrinho assim define poeticamente sua profissão de
fé, preferências e admirações poéticas, acrescentados outros nomes além dos
citados por Verlaine em seu poema homônimo. O que confirma também a exaltação
de “santos e heróis” a que se referiu Paul Valéry, no seu texto “Existência do
Simbolismo”, que faz parte da obra Variedades,
João Alexandre Barbosa (Org. e introdução). São Paulo: Iluminuras, 1991.
Maranhão
Sobrinho em sua obra poética na maioria das vezes recobre seus textos de ironia
e irreverência. Sua obra mais famosa é Papeis
Velhos... Roídos pela Traça do Símbolo. Conhecido como “poeta satânico” e
maldito com um gosto pelos arranjos e tons sensoriais, sinestésicos e pelo
excesso de decadentismo, veja-se o poema “Satã”, por exemplo, também produziu
poemas mais contemplativos que retomam os tons de um catolicismo-místico,
típico de um Alphonsus de Guimaraens e até de um Cruz e Sousa, cada com sua
própria poética, logicamente.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
RICIERI,
Francine. (organização, notas, prefácio e fixação de texto). Antologia da poesia simbolista e decadente
brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional: Lazuli Editora, 2007.
POEMAS
DE MARANHÃO SOBRINHO:
Soror
Teresa
...
E um dia as monjas foram dar com ela
Morta,
da cor de um sonho de noivado,
No
silêncio cristão da estreita cela,
Lábios
nos lábios de um Crucificado...
Somente
a luz de uma piedosa vela
Ungia,
como um óleo derramado,
O
aposento tristíssimo de aquela
Que
morrera num sonho, sem pecado...
Todo
o mosteiro encheu-se de tristeza,
E
ninguém soube de que dor escrava
Morrera
a divinal soror Teresa...
Não
creio que, de amor, a morte venha,
Mas,
sei que a vida da soror boiava
Dentro
dos olhos do Senhor da Penha...
Satã
Nas
margens de cristal do Danúbio do sonho,
cromadas
de rubis, de pérolas purpúreas,
vê-se
o imenso solar sonolento e medonho
do
dragão infernal das Princesas espúrias...
Guarda
o nobre portal de alabastro tristonho
desse
antigo solar, de malditas luxúrias,
em
que fulge o brasão heráldico do sonho
não
sei quantas legiões de duendes e fúrias!
Sobre
o mármore azul das colunas austeras,
que,
em noivados de luz, o luar engrinalda
brilha
o vivo cristal de alígeras quimeras...
Velam
desse dragão o oriental tesoiro,
sobre
um trono de rei, de maciça esmeralda,
dois
soberbos leões, de grandes patas de oiro...
Mártir
Das Cinco-Chagas de Pesar,
que exangue,
Trago no triste Coração
magoado,
Descem rosários de rubis
de sangue
Como do corpo do
Crucificado...
Pende-me a fronte sobre o
peito, langue,
De infinitas Traições
alanceado...
E, na noite da Mágoa,
expiro exangue
Na Cruz de Pedra da
Paixão pregado...
Subi, de joelhos,
expirando, o adusto
Desfiladeiro enorme do
Calvário...
Sob o madeiro da Saudade,
a custo!
Sem consumar meus sonhos
adorados,
Oiço, no meio do Martírio
vário,
O chocalhar sacrílego dos
Dados...
Interlunar
Entre
nuvens cruéis de púrpura e gerânio,
Rubro
como, de sangue, um hoplita messênio,
O
sol, vencido, desce o planalto de urânio
Do
ocaso, na mudez de um recolhido essênio...
Veloz
como um corcel, voando num mito hircânio,
Tremente,
esvai-se a luz no leve oxigênio
Da
tarde, que me evoca os olhos de Stephanio
Mallarmé,
sob a unção da tristeza e do gênio!
O
ônix das sombras cresce ao trágico declínio
Do
dia que, a lembrar piratas do mar Jônio,
Põe,
no ocaso, clarões vermelhos de assassínio...
Vem
a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio,
Vara
o estranho solar da Morte e do Demônio
Com
as torres medievais as sombras do Interlúnio...
Poetas
Malditos
Quando,
pelo clamor dos meus pecados, tive
de,
à Treva Inferior descer, à voz do Eterno,
ralando-me
do Mal no aspérrimo declive,
como
um deus rebelado e tonto de falerno,
sobre
os astros mais nus, como Alighieri, estive
suspenso,
a contemplar o delírio eviterno
das
pompas sensuais de Gomorra e Ninive,
situadas
ao pé do Stramboli do Inferno...
Gritos
e imprecações, que as chamas retalhavam,
como
gládios de bronze, em bárbaras campanhas,
de
entre as lavas de sangue e sulfo se elevavam,
enquanto,
aos olhos meus, nos infernais retiros,
o
fogo, devorando o ventre das montanhas,
dava
uns tons de gangrena às asas dos vampiros...
Com
as unhas lacerando a púrpura sangrenta,
que,
dos ombros de auroque, em pregas, lhe caía,
vi
Nero, inda exibindo a mesma fronte odienta
que,
no incêndio de Roma, às chamas exibia...
Raivava
como um cão, mostrando a saburrenta
língua
e, a espaços, também, às escâncaras, ria
epiléptico,
ao ver as lamas em tormenta
atravessando
o horror da satânica orgia
de
fogo, no solar do Príncipe Demônio,
para,
empós, como os cães corridos, lazarentos,
encolher-se
entrevendo o vulto de Petrônio,
que,
arrepanhando a toga e erguendo a ebúrnea fronte,
ia
e vinha, a cantar, nos antros pestilentos
do
Inferno, uma canção de amor de Anacreonte...
Entre
uma legião de cetros e tonsuras,
Voltaire,
viu-me e sorriu, com um sorriso endiabrado,
de
caveira, a expelir das órbitas escuras
ironias,
de um tom de bronze avermelhado...
Blasfemava,
estalando as hirtas ossaturas
do
esqueleto e mostrando o braço descarnado,
num
gesto de rebelde às lívidas alturas
e
a enterrar-se ainda mais no Inferno, brado a brado...
Erguia,
empós, o olhar da treva aos coruchéus
e
escarrava, dizendo, em nojo,, que o fazia
no
orgulho de Lusbel, sobre a fronte de Deus!
E,
quando assim falavam os seus lábios, à míngua
de
fé, de gota em gota, entre assombrado, eu via
como
um visgo de fogo, a escorrer-se da língua...
Também
lá te encontrei, Tristan Corbière, nas grutas
do
Demônio, cantando umas canções remotas
como
o oceano, que morde as praias de oiro, enxutas,
no
virente esplendor das vivas bergamotas...
Tremia-se
entre as mãos, em púrpuras volutas
de
sons, a harpa do Mal,, fazendo, sob as cotas
dos
hoplitas do Inferno, o amor ao sangue e às lutas
triunfar
transluminoso, em túmidos Eurotas...
Os teus olhos cruéis, em damas de palhetas
de
ouro jalde, varando as vastidões aflitas
silenciavam
do fogo as púrpuras trombetas
de
bronze, que a planger, nas místicas oblatas
sangrentas
do Demônio, em helicinas malditas,
acordavam
do Inferno as furnas escarlatas...
Desbordes
e Mallarmé oscularam-me a fronte
e
passaram, por uma azul chama impelidos;
chamei-os
e o rumor das lavas do Aqueronte
triste
abafou-me a voz, cerceando-me os sentidos...
Quando
acordei me vi perto da negra fonte,
entre
um vivo clamor de pragas e gemidos,
diante
do inquieto olhar de um cérebro bifronte
com
os olhos como dois santelmos acendidos...
Vi,
momentos depois, em palidez exangue,
Rimbaud
e Villiers de L'Isle Adam, chorando,
e
o seu pranto infernal era de lodo e sangue...
E,
quando recuei, de agro pavor, Lelian
surgiu-me
e, empós, se foi pelas trevas clamando:
Satã!
Satã! Satã! Satã! Satã! Satã!
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