quarta-feira, 18 de abril de 2018

ANTOLOGIA SIMBOLISTA E DECADENTE – PARTE 3 – 9: MARANHÃO SOBRINHO


ANTOLOGIA SIMBOLISTA E DECADENTE – PARTE 3 – 9:
MARANHÃO SOBRINHO (1879-1915):

Maranhão Sobrinho.

“Maranhão Sobrinho mantém intenso diálogo com o poema “Poetas Malditos”, de 1884 -, em que o francês Paul Verlaine (1844-1896) valoriza escritores como Tristan Corbière, Arthur Rimbaud, Mallarmé, Villiers dde L´Isle Adam e ele próprio, Verlaine -, poetas simbolistas, decadentes e malditos, tal qual o próprio Paul Verlaine e Maranhão Sobrinho, no Brasil, que escreveu um poema com o mesmo título do texto de Verlaine, “Poetas Malditos”.
O poema de Maranhão Sobrinho é elaborado e reúne um minucioso cenáculo de renegados, malditos, boêmios, marginais sob diversos aspectos, liderados por Satã, seis evocados ao longo do poema. Maranhão Sobrinho assim define poeticamente sua profissão de fé, preferências e admirações poéticas, acrescentados outros nomes além dos citados por Verlaine em seu poema homônimo. O que confirma também a exaltação de “santos e heróis” a que se referiu Paul Valéry, no seu texto “Existência do Simbolismo”, que faz parte da obra Variedades, João Alexandre Barbosa (Org. e introdução). São Paulo: Iluminuras, 1991.
Maranhão Sobrinho em sua obra poética na maioria das vezes recobre seus textos de ironia e irreverência. Sua obra mais famosa é Papeis Velhos... Roídos pela Traça do Símbolo. Conhecido como “poeta satânico” e maldito com um gosto pelos arranjos e tons sensoriais, sinestésicos e pelo excesso de decadentismo, veja-se o poema “Satã”, por exemplo, também produziu poemas mais contemplativos que retomam os tons de um catolicismo-místico, típico de um Alphonsus de Guimaraens e até de um Cruz e Sousa, cada com sua própria poética, logicamente.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
RICIERI, Francine. (organização, notas, prefácio e fixação de texto). Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional: Lazuli Editora, 2007.
  
POEMAS DE MARANHÃO SOBRINHO:

Soror Teresa

... E um dia as monjas foram dar com ela
Morta, da cor de um sonho de noivado,
No silêncio cristão da estreita cela,
Lábios nos lábios de um Crucificado...

Somente a luz de uma piedosa vela
Ungia, como um óleo derramado,
O aposento tristíssimo de aquela
Que morrera num sonho, sem pecado...

Todo o mosteiro encheu-se de tristeza,
E ninguém soube de que dor escrava
Morrera a divinal soror Teresa...

Não creio que, de amor, a morte venha,
Mas, sei que a vida da soror boiava
Dentro dos olhos do Senhor da Penha...



Satã

Nas margens de cristal do Danúbio do sonho,
cromadas de rubis, de pérolas purpúreas,
vê-se o imenso solar sonolento e medonho
do dragão infernal das Princesas espúrias...

Guarda o nobre portal de alabastro tristonho
desse antigo solar, de malditas luxúrias,
em que fulge o brasão heráldico do sonho
não sei quantas legiões de duendes e fúrias!

Sobre o mármore azul das colunas austeras,
que, em noivados de luz, o luar engrinalda
brilha o vivo cristal de alígeras quimeras...

Velam desse dragão o oriental tesoiro,
sobre um trono de rei, de maciça esmeralda,
dois soberbos leões, de grandes patas de oiro...





Mártir

Das Cinco-Chagas de Pesar, que exangue,
Trago no triste Coração magoado,
Descem rosários de rubis de sangue
Como do corpo do Crucificado...

Pende-me a fronte sobre o peito, langue,
De infinitas Traições alanceado...
E, na noite da Mágoa, expiro exangue
Na Cruz de Pedra da Paixão pregado...

Subi, de joelhos, expirando, o adusto
Desfiladeiro enorme do Calvário...
Sob o madeiro da Saudade, a custo!

Sem consumar meus sonhos adorados,
Oiço, no meio do Martírio vário,
O chocalhar sacrílego dos Dados...









Interlunar

Entre nuvens cruéis de púrpura e gerânio,
Rubro como, de sangue, um hoplita messênio,
O sol, vencido, desce o planalto de urânio
Do ocaso, na mudez de um recolhido essênio...

Veloz como um corcel, voando num mito hircânio,
Tremente, esvai-se a luz no leve oxigênio
Da tarde, que me evoca os olhos de Stephanio
Mallarmé, sob a unção da tristeza e do gênio!

O ônix das sombras cresce ao trágico declínio
Do dia que, a lembrar piratas do mar Jônio,
Põe, no ocaso, clarões vermelhos de assassínio...

Vem a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio,
Vara o estranho solar da Morte e do Demônio
Com as torres medievais as sombras do Interlúnio...





Poetas Malditos

Quando, pelo clamor dos meus pecados, tive
de, à Treva Inferior descer, à voz do Eterno,
ralando-me do Mal no aspérrimo declive,
como um deus rebelado e tonto de falerno,
sobre os astros mais nus, como Alighieri, estive
suspenso, a contemplar o delírio eviterno
das pompas sensuais de Gomorra e Ninive,
situadas ao pé do Stramboli do Inferno...

Gritos e imprecações, que as chamas retalhavam,
como gládios de bronze, em bárbaras campanhas,
de entre as lavas de sangue e sulfo se elevavam,
enquanto, aos olhos meus, nos infernais retiros,
o fogo, devorando o ventre das montanhas,
dava uns tons de gangrena às asas dos vampiros...

Com as unhas lacerando a púrpura sangrenta,
que, dos ombros de auroque, em pregas, lhe caía,
vi Nero, inda exibindo a mesma fronte odienta
que, no incêndio de Roma, às chamas exibia...


Raivava como um cão, mostrando a saburrenta
língua e, a espaços, também, às escâncaras, ria
epiléptico, ao ver as lamas em tormenta
atravessando o horror da satânica orgia
de fogo, no solar do Príncipe Demônio,
para, empós, como os cães corridos, lazarentos,
encolher-se entrevendo o vulto de Petrônio,
que, arrepanhando a toga e erguendo a ebúrnea fronte,
ia e vinha, a cantar, nos antros pestilentos
do Inferno, uma canção de amor de Anacreonte...

Entre uma legião de cetros e tonsuras,
Voltaire, viu-me e sorriu, com um sorriso endiabrado,
de caveira, a expelir das órbitas escuras
ironias, de um tom de bronze avermelhado...

Blasfemava, estalando as hirtas ossaturas
do esqueleto e mostrando o braço descarnado,
num gesto de rebelde às lívidas alturas
e a enterrar-se ainda mais no Inferno, brado a brado...




Erguia, empós, o olhar da treva aos coruchéus
e escarrava, dizendo, em nojo,, que o fazia
no orgulho de Lusbel, sobre a fronte de Deus!
E, quando assim falavam os seus lábios, à míngua
de fé, de gota em gota, entre assombrado, eu via
como um visgo de fogo, a escorrer-se da língua...

Também lá te encontrei, Tristan Corbière, nas grutas
do Demônio, cantando umas canções remotas
como o oceano, que morde as praias de oiro, enxutas,
no virente esplendor das vivas bergamotas...

Tremia-se entre as mãos, em púrpuras volutas
de sons, a harpa do Mal,, fazendo, sob as cotas
dos hoplitas do Inferno, o amor ao sangue e às lutas
triunfar transluminoso, em túmidos Eurotas...
 Os teus olhos cruéis, em damas de palhetas
de ouro jalde, varando as vastidões aflitas
silenciavam do fogo as púrpuras trombetas
de bronze, que a planger, nas místicas oblatas
sangrentas do Demônio, em helicinas malditas,
acordavam do Inferno as furnas escarlatas...


Desbordes e Mallarmé oscularam-me a fronte
e passaram, por uma azul chama impelidos;
chamei-os e o rumor das lavas do Aqueronte
triste abafou-me a voz, cerceando-me os sentidos...
Quando acordei me vi perto da negra fonte,
entre um vivo clamor de pragas e gemidos,
diante do inquieto olhar de um cérebro bifronte
com os olhos como dois santelmos acendidos...

Vi, momentos depois, em palidez exangue,
Rimbaud e Villiers de L'Isle Adam, chorando,
e o seu pranto infernal era de lodo e sangue...

E, quando recuei, de agro pavor, Lelian
surgiu-me e, empós, se foi pelas trevas clamando:
Satã! Satã! Satã! Satã! Satã! Satã!





                                                         Capa da Principal Obra de Poemas de Maranhão Sobrinho.



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