sábado, 13 de abril de 2019

PANORAMA DOMINGOS OLIVEIRA


PANORAMA DOMINGOS OLIVEIRA:

(28 de setembro-1935-23 de março-2019) - 83 anos:



- Cineasta, diretor de teatro, roteirista, dramaturgo e ator; falecido no dia 23 de março, Domingos Oliveira era um homem das Artes e para as Artes. “São as obras artísticas, as obras de autor, que elevam a importância social e econômica das atividades culturais. E abrem os mercados externos”, ele afirmou. Celebrar sua memória e sua obra, é valorizar, portanto, a relevância da arte como identidade cultural e artística para qualquer sociedade e qualquer nação.
Pelas realizações de sua carreira, que os números podem ajudar a entender a dimensão de seus feitos – em mais de 60 anos de profissão é diretamente vinculado a mais de 130 títulos encenados, tendo escrito mais de 20 peças, dirigido mais de 50, tendo realizado algumas traduções e dirigido 22 longas-metragens – entre eles uma obra-prima do cinema brasileiro chamada Todas as Mulheres do Mundo (1966), filme que o lançou, assim como também sua esposa, à época, a atriz Leila Diniz. Mas, mesmo assim, Domingos continuará sendo um eterno e bom mistério, que nos cabe sempre procurar decifrá-lo por meio de suas obras.

- FILMOGRAFIA (20 filmes, 2 inéditos): como diretor:

1966 – Todas as Mulheres do Mundo
1968 – Edu Coração de Ouro
1969 – As Duas Faces da Moeda
1970 – É Simonal
1971 – A Culpa
1975 – As Deliciosas Traições do Amor
1977 – Vida Vida: “Os caseiros” (episódio)
1979 – Teu Tua
1998 – Amores
2002 – Separações
2004 – Feminices
2005 – Carreiras
2008 – Juventude
2008 – Todo Mundo tem Problemas Sexuais
2012 – Primeiro dia de Um Ano Qualquer
2012 – Paixão e Acaso
2014 – Infância
2016 – Barata Ribeiro, 716 (BR716)
2017 – Os 8 Magníficos (inédito)
2019 – Aconteceu na Quarta-Feira (inédito)
* 4 filmes televisivos; episódios para duas séries de TV;

- Todas as Mulheres do Mundo (1966):
Paulo (Paulo José) é um jornalista boa vida que passa a maior parte do tempo paquerando as belas mulheres das praias cariocas. Certo dia, esse sedutor acaba encontrando o verdadeiro amor, ao conhecer Maria Alice (Leila Diniz) uma jovem professora e noiva do amigo Leopoldo (Ivan de Albuquerque). Apaixonado por ela, ele enfrenta o dilema de desistir de todas as mulheres do mundo para viver com uma só.

-  Edu Coração de Ouro (1968):
Edu Coração de Ouro é uma comédia bastante reflexiva sobre a vida de um playboy, brilhantemente vivido por Paulo José, o Edu do título. Trata de questões como: a alienação de certa parcela da juventude dos anos 60, que se mantinha fora da discussão sobre questões políticas (à época a Ditadura Militar estava implantada no Brasil desde 1964); a vida fácil dos playboys do RJ, que vivia às custas do dinheiro da família e não ligava para os estudos ou trabalho, mas só para diversão e farras; trata também de relações amorosas, ora ‘líquidas’ (cf. Zygmunt Bauman) (no caso de Edu), ora mais “consolidadas” (no caso do amigo do protagonista).

- Amores (1998): com Priscilla Rozenbaum.
Domingos Oliveira é um intelectual por natureza e um diretor-ator-escritor completo. O filme Amores é recheado de referências a outras obras, livros, filmes, etc., mostrando seu conhecimento em várias áreas, o que deixa o filme melhor e mais atrativo, lembrando por diversas vezes os filmes de Woody Allen, Domingos segundo alguns críticos de cinema seria o “Allen Brasileiro”. Amores mostra as relações interpessoais, sentimentais, familiares, sexuais, etc. Todos (ou quase todos) os sentimentos humanos são mostrados no filme, sem o diretor se intrometer ou ser parcial quanto a eles, estes são apenas mostrados e, o espectador que tire suas conclusões.

- Feminices (2004): com Priscilla Rozenbaum.
O cineasta utiliza neste filme sua dose habitual de humor leve ao realizar uma crônica da mulher contemporânea, Domingos Oliveira criou o que ele mesmo chama na abertura do filme de “uma experiência, uma brincadeira, um quase-documentário”. Para o cineasta, a forma de atingir o geral é lidando com o particular, nesta infinita transição do universal para o particular, e, do particular para o geral, dessa forma, ele foca a sua história num grupo etário e social (atrizes de 40 anos) e acaba falando do universal.
* Cf. A Peça Confissões de Mulheres de 30.

- Carreiras (2005): com Priscilla Rozenbaum.
É fácil perceber a tensão, o temor e a ansiedade da atriz. A Laura de Carreiras está incrivelmente ‘arrasando’ e arrasada em cena, uma verdadeira avalanche de emoções, sentimentos e paixões. Sob a mira da lente digital do diretor de fotografia, Dib Lutfi, Priscilla Rozenbaum (viúva de Domingos) passa mais da metade dos 72 minutos de Carreiras contracenando com um telefone.

- Juventude (2008): com Domingos Oliveira, Paulo José, Aderbal Freire Filho.
Entre as lembranças de juventude está a primeira vez que estiveram juntos, quando foram selecionados para a peça A Ceia dos Cardeais, encenada na escola. Assim como no texto do português Júlio Dantas, os três amigos se reúnem e contam seus segredos amorosos mais íntimos uns aos outros. Juventude é um dos filmes mais felizes e simpáticos da safra do cinema nacional da década de 2000. Juventude é lindo, a tessitura complexa deste roteiro, de autoria de Domingos, cria diversas camadas para que estes homens assumam e ultrapassem a queda de suas muitas crenças pela vida – como diz o diretor em off no início, deixando para trás a psicanálise, o marxismo, a revolução e a razão. Só sobrou o amor, a emoção.

- Todo Mundo tem Problemas Sexuais (2008): com Priscilla Rozenbaum.
Filme que ao mesmo tempo é teatro, ou seria o contrário, de qualquer forma um continuum entre teatro-cinema; peça-roteiro (a origem é justamente uma peça teatral escrita e montada pelo próprio Domingos Oliveira). Esta é mais uma característica dominguiana o diálogo entre Teatro e Cinema, pois aparece em vários outros filmes seus.
Nenhuma outra parte do filme é tão divertida quanto a final, no epílogo em que Pedro Cardoso interpreta, nada mais, nada menos, do que o pênis, o falo: uma situação que veio do teatro e costuma, literalmente, levar a plateia às lágrimas, de tanto chorar de rir. Em várias sequências, Domingos Oliveira intercala cenas da montagem de um esquete com trechos de apresentações teatrais da mesma situação, o que dá um interessante e hilariante diálogo entre as artes, um dialogismo ímpar, um dialogismo dominguiano.

 - Infância (2014): com Fernanda Montenegro.
Infância conserva aquela que é a melhor característica do diretor, roteirista, dramaturgo: o amor por seus personagens. Mesmo quando os mostra em contradição, em atitudes pouco edificantes, ele nunca os julga nem expõe. Pelo contrário, tece em torno deles uma aura de carpintaria teatral delicada, que revela sua humanidade, sua conexão com toda a humanidade, capaz de despertar a identificação com o público, pelo humor, pela ternura, até mesmo pela compaixão.
Assim como fez Federico Fellini em Amarcord, as recordações verdadeiras se misturam com as versões poéticas do passado. E por entre os fantasmas que evocam as imagens do tio histérico, do odioso primo mais velho e da copeira tentadora sobressaem as figuras dominantes da mãe e da avó – a matriarca da família, insuportável e, ao mesmo tempo fascinante.

- Barata Ribeiro, 716 (BR716) (2016):
Carinhoso e também contundente e mordaz, BR 716 é o retrato da juventude daquele tempo (anos 60), o panorama de um Rio de Janeiro que já não existe mais. Entre diálogos e longas divagações, outra marca registrada do estilo de Domingos Oliveira nos é apresentado caminhos que foram interrompidos por alguma coisa que estava fora da percepção daquelas personagens, sendo que todas essas personagens são o próprio Domingos Oliveira, metaforicamente.
Pois, entre festas felizes e intermináveis, com muitas bebedeiras, nas quais seus amigos passam mais tempo no tal apartamento do que em suas próprias casas, Felipe (Caio Blat) transita por entre eles num dominguiano (já  temos um adjetivo para qualificar a obra do grande artista) tom de melancolia por não conseguir terminar de escrever seu primeiro romance, ou será um roteiro de cinema, ou uma peça de teatro, nem o próprio protagonista Felipe o sabe, ou seria Domingos que ainda não sabia que estava construindo seu roteiro para o filme Barata Ribeiro, 716.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs, Alemanha-Estados Unidos da América, 2018): alegoria canina.


Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs, Alemanha-Estados Unidos da América, 2018): alegoria canina.



“Wes Anderson (diretor de excelentes filmes como “Os Excêntricos Tenenbaums” (2001), “Moonrise Kingdom” (2012), “O Grande Hotel Budapeste” (2014), entre outros) realiza mais um original, criativo e inventivo filme, a animação “Ilha dos Cachorros” que retrata um mundo em que os cachorros são perseguidos pelo clã dos Kobayashi que odeiam os cães e adoram os gatos e, que passa a promover o extermínio sistemático dos peludinhos, a começar pelo exílio deles para uma ilha inóspita, a ‘Ilha do Lixo’.
Um grande elenco de astros dá voz a várias personagens de maneira bem criativa e consistente em suas interpretações para contar esta alegoria que atravessa o Japão desde a época dos samurais até chegar a um presente de ditadura, conspiração do governo, tentativa de extermínio de uma raça-espécies, higienização forçada da sociedade, construção bélica (robótica, armas de destruição em massa), etc. Tudo isso em âmbito alegórico do mundo canino em conflito com o mundo humano, que, contudo, serve como metáfora dos conflitos humanos, entre países e nações através de guerras sem tratativas de paz e conversas diplomáticas.
 Ou seja, trata-se de uma crítica aos nossos líderes que somente em último caso pensam na diplomacia, na conversa e no diálogo preferindo o eterno guerrear, pois esta metáfora do filme do cineasta Anderson não se refere apenas aos tempos que estamos vivendo, mas à Humanidade como um todo através dos tempos.
Um roteiro literalmente original de uma animação (que não foi a primeira na carreira do cineasta, Wes Anderson também dirigiu “O Fantástico Sr. Raposo” (2009)), para todas as idades, bastante reflexiva, que pode ser interpretada em um nível de entretenimento em maior ou menor grau, porém sem desprezar seu nível mais geopolítico e filosófico, ou lógico nos dois âmbitos. ”