Breve
Análise da Poesia de Machado de Assis
(Rafael Vespasiano)
“A
trajetória de Machado de Assis na Literatura perpassou quase todos os gêneros
literários -, romances, contos, crônicas, teatro, poemas e crítica literária -,
no entanto para Massaud Moisés (2009, p. 82) foi na prosa de ficção que realizou
suas maiores obras-primas, o debate vai longe se seus melhores trabalhos se
deram como contista ou como romancista, de certo produziu vários clássicos da
Literatura Brasileira e universal nos dois gêneros.
A
poesia, ainda para o crítico literário Massaud Moisés, foi um “rasgo de
juventude”, que durou aproximadamente vinte anos desde o primeiro poema datado
de 1855, até 1875, com a publicação de Americanas,
quando se despede dos arroubos da juventude, espécie de ‘imaturidade’ literária
para iniciar a criação de sua obra madura, a partir de 1881, ano que veio a
luma o romance Memórias Póstumas de Brás
Cubas.
Como
nos afirma ainda o crítico Moisés: não foi plenamente poeta, “porque a sua
produção em versos não progrediu conforme os passos da narrativa. Estacionada
na década de 1870, não atingiu os níveis da prosa, assinalando, como tudo da
fase inaugural, pelo timbre dum romantismo moderado” (2009, p. 82). Porém, sua
cosmovisão não é ‘poética’, ao contrário, Machado cultiva a metáfora
filosófica, racional e irônica, resistindo a entregar-se à contemplação do
eu-lírico, raramente extravasado o sentimento que o inunda se faz notar em seus
poemas.
Machado,
dessa maneira, pode-se afirmar que escreveu poemas que se notabilizam pelo bom
gosto, cultura, porém sem a autenticidade da verdadeira poesia. Versos
bem-comportados, contidos, fruto mais da razão do que da emoção, perfeitos formalmente
e parnasianos na métrica e no rigorismo formal. Mas quando ultrapassou o
conter-se criou o melhor de sua lírica, exemplos são os poemas “A Carolina”, “Versos
a Corina”, “A Mosca Azul”. No entanto, ainda assim mesmo nessas composições
mais densas de emoção romântica e lírica, fica-se preso ainda às ideias
parnasianas do moralismo ou filosofismo nem sempre compatíveis com a realidade
lírica daqueles poemas, e volta o escritor a ‘lapidar’ o seu estilo de maneira
estéril, com uma versificação que tortura as emoções expressas nos poemas, tudo
em nome de uma concepção que se aproxima mais dos clássicos.
O
que se depreende que Machado de Assis em sua poesia tem algum lirismo romântico
dos modelos do Romantismo, mas nela já se antecipava o Parnasianismo, no que se
refere a perfeição formal e marmórea dos versos aliada à impassibilidade.
Vejamos o livro Americanas eco mais
que tardio e distante da poesia indianista de Gonçalves Dias. Porém este eco é
quase que inutilizado pelo culto ao estilo e pelo conter-se ao rigor formal de
versificador cerebrino.
O
livro Falenas possui longos poemas narrativos
com claras inspirações dos mitos da literatura clássica. Já o livro Crisálidas apesar
de um título sugestivo e metafórico não se realiza como poêsis emotiva e-ou
imaginativa. Nestes dois livros tem-se uma poesia com uso desmesurado das
descrições. As figuras de linguagem que o escritor mais usa são as enumerações,
as prosopopeias e usa também as maiúsculas alegorizantes típicas do Parnasianismo
e sua Musa em busca do Belo, ou seja, da inspiração e da perfeição formal. ”
Anexos:
“A MOSCA AZUL”
Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.
E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.
Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que te ensinou?"
Então ela, voando e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".
E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.
Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.
Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vixnu.
Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.
Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios.
Voluptuosamente nus.
Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.
Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.
Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.
Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.
Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.
Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.
Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful
Dizem que ensandeceu e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.
E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.
Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que te ensinou?"
Então ela, voando e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".
E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.
Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.
Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vixnu.
Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.
Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios.
Voluptuosamente nus.
Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.
Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.
Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.
Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.
Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.
Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.
Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful
Dizem que ensandeceu e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.
“A
CAROLINA”
Querida,
ao pé do leito derradeiro
Em
que descansas dessa longa vida,
Aqui
venho e virei, pobre querida,
Trazer-te
o coração do companheiro.
Pulsa-lhe
aquele afeto verdadeiro
Que,
a despeito de toda a humana lida,
Fez
a nossa existência apetecida
E
num recanto pôs um mundo inteiro.
Trago-te
flores, - restos arrancados
Da
terra que nos viu passar unidos
E
ora mortos nos deixa e separados.
Que
eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos
de vida formulados,
São
pensamentos idos e vividos.
Referências
Bibliográficas:
ASSIS,
Machado. Crisálidas, Falenas, Americanas.
São Paulo: Globo, 1997.
MOISÉS.
Massaud. História da Literatura Brasileira – volume II – Realismo e Simbolismo.
2 ed. São Paulo: Cultrix, 2009.
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