“Mormaço”
é um filme que gera desconforto e estranhamento ao espectador. “Mor-ma-ço” é
uma sensação, ou seja, não conseguimos tocar, é meio difícil de definir em
palavras, mas, sentindo-o, não temos dúvidas, de dizer “estamos com muito
mormaço”. Título bem escolhido pela diretora Marina Meliande, para dar ao
seu longa-metragem de estreia solo, pois dirigiu em duo com Felipe
Bragança a Trilogia “Coração de Fogo”, que reúne filmes sobre juventude,
alegria, raiva e utopia no início do século XXI. “A Fuga, a Raiva, a Dança, a Bunda, a Boca, a
Calma, a Vida da Mulher-Gorila” (2009), “A Alegria” (2010) e “Desassossego
(Filme das Maravilhas) ” (2010).
O filme “Mormaço”
(2018) possui elementos de ficção e de documentário, com toques “fantásticos”, para
representar o desconforto nascido de um inabitável Rio de Janeiro às vésperas
dos Jogos Olímpicos de 2016. A cineasta apresenta uma tessitura fílmica -, (por
meio de uma fotografia, direção de arte, e em especial, por uma incrível trilha
sonora, que sugerem o desconforto, o incômodo) -, que é uma verdadeira
sinestesia que há anos acompanha os habitantes do caos conhecido como Rio de
Janeiro.
A
protagonista é Ana (Marina Provenzzano),
defensora pública que batalha para impedir a remoção dos últimos moradores da
Vila Autódromo, comunidade da zona oeste transformada em inimiga da Prefeitura
pela recusa do grupo em deixar suas casas por conta das obras para o evento
esportivo. Mas ao mesmo tempo, Ana está sendo ‘removida’ do apartamento em que
vive, junto com outros moradores de outros apartamentos do mesmo edifício, por uma
imobiliária para que esta construa um hotel em seu lugar.
A
personagem principal descobre uma marca na pele e a partir de então passa a agir
de forma cada vez mais estranha e animalesca, a Vila Autódromo vai perdendo
cada vez mais casas, e a atmosfera construída é de incômodo, de desconforto,
sem soluções fáceis, sem apresentar soluções não-traumáticas para resolver o caos
pessoal e o caos citadino.
Há um engajamento político que dialoga com o
excelente “Era o Hotel Cambridge”
(2016), de Eliane Caffé nas sequências da Vila Autódromo que misturam
atores e moradores, em um retrato docu-drama da desapropriação da Vila. Há outro
diálogo com o filme “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, no prédio
que vai se esvaziando deixando sozinha Rosa (Analú Prestes), como a
personagem Clara de Sônia Braga firme em sua decisão de
não negociar. Quando das desapropriações, Ana dispara: "Não sei se quero que você
se sinta melhor" e "O que você faz quando não está desalojando
pessoas?".
Meliande
não cita nomes, mas todos sabem quem são os vilões, e sua grande proeza é
realizar um filme extremamente politizado e verídico usando drama, suspense e
fantasia. Por isso a frase de Ana faça tamanho sentido: "Só tem monstro
nesta cidade".
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