sexta-feira, 31 de maio de 2019

Mormaço (Marina Meliande, Brasil, 2018): Caos, O Rio é um Caos, Caos!


“Mormaço” é um filme que gera desconforto e estranhamento ao espectador. “Mor-ma-ço” é uma sensação, ou seja, não conseguimos tocar, é meio difícil de definir em palavras, mas, sentindo-o, não temos dúvidas, de dizer “estamos com muito mormaço”. Título bem escolhido pela diretora Marina Meliande, para dar ao seu longa-metragem de estreia solo, pois dirigiu em duo com Felipe Bragança a Trilogia “Coração de Fogo”, que reúne filmes sobre juventude, alegria, raiva e utopia no início do século XXI.  “A Fuga, a Raiva, a Dança, a Bunda, a Boca, a Calma, a Vida da Mulher-Gorila” (2009), “A Alegria” (2010) e “Desassossego (Filme das Maravilhas) ” (2010).



O filme “Mormaço” (2018) possui elementos de ficção e de documentário, com toques “fantásticos”, para representar o desconforto nascido de um inabitável Rio de Janeiro às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016. A cineasta apresenta uma tessitura fílmica -, (por meio de uma fotografia, direção de arte, e em especial, por uma incrível trilha sonora, que sugerem o desconforto, o incômodo) -, que é uma verdadeira sinestesia que há anos acompanha os habitantes do caos conhecido como Rio de Janeiro.
A protagonista é Ana (Marina Provenzzano), defensora pública que batalha para impedir a remoção dos últimos moradores da Vila Autódromo, comunidade da zona oeste transformada em inimiga da Prefeitura pela recusa do grupo em deixar suas casas por conta das obras para o evento esportivo. Mas ao mesmo tempo, Ana está sendo ‘removida’ do apartamento em que vive, junto com outros moradores de outros apartamentos do mesmo edifício, por uma imobiliária para que esta construa um hotel em seu lugar.
A personagem principal descobre uma marca na pele e a partir de então passa a agir de forma cada vez mais estranha e animalesca, a Vila Autódromo vai perdendo cada vez mais casas, e a atmosfera construída é de incômodo, de desconforto, sem soluções fáceis, sem apresentar soluções não-traumáticas para resolver o caos pessoal e o caos citadino.
 Há um engajamento político que dialoga com o excelente “Era o Hotel Cambridge” (2016), de Eliane Caffé nas sequências da Vila Autódromo que misturam atores e moradores, em um retrato docu-drama da desapropriação da Vila. Há outro diálogo com o filme “Aquarius” (2016), de Kleber Mendonça Filho, no prédio que vai se esvaziando deixando sozinha Rosa (Analú Prestes), como a personagem Clara de Sônia Braga firme em sua decisão de não negociar. Quando das desapropriações, Ana dispara: "Não sei se quero que você se sinta melhor" e "O que você faz quando não está desalojando pessoas?". 


Meliande não cita nomes, mas todos sabem quem são os vilões, e sua grande proeza é realizar um filme extremamente politizado e verídico usando drama, suspense e fantasia. Por isso a frase de Ana faça tamanho sentido: "Só tem monstro nesta cidade".



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