(Convite ao Prazer, BRA, 1980, Walter
Hugo Khouri):
(“Liberdade
Vigiada e-ou Prisão Livre”):
“O
filme começa com uma epígrafe de Spinoza que reflete a questão da Liberdade e
seus aspectos vantajosos e-ou desvantajosos quando é manifestada (usufruída) em
demasia, ou quando se manifesta e é usufruída em graus mínimos, precários. A
frase não é bem esta, mas segue a que compilei e que expressa melhor o tom reflexivo
do roteiro de Khouri: “A liberdade é uma virtude e, portanto, tudo que em
alguém é sinal de impotência não pode ser atribuído à sua liberdade. (…).
Quanto mais livre alguém é, menos podemos dizer que esse alguém pode não usar
da razão e escolher o mal em vez do bem. ” Os casamentos do filme são vistos, sob
a ótica dos protagonistas masculinos, ora pela perspectiva da ‘liberdade
vigiada’ para Luciano, ora pela perspectiva da ‘prisão livre’ para Marcelo.
Dessa
forma, a partir da epígrafe e por um acaso, o filme começa no momento em que
Marcelo (Roberto Maya) –, por causa de um repentino problema dentário -, vai ao
consultório do dentista Luciano (Serafim Gonzalez), amigos de longa data, mas
que não se veem a alguns anos. A inveja sempre marcou a relação dos dois: Marcelo
herdou a empresa e as propriedades do pai, rico desde sempre, já Luciano é um típico
profissional liberal de classe média, que luta muito para manter tal condição
social. Porém, o grande investimento
estético do filme dirigido e escrito por Walter Hugo Khouri não é a questão
social, mas sim a carga dramática existencialista, em especial, dos dois
protagonistas masculinos.
Khouri
inicia sua obra fílmica demonstrando sinais de que algumas de suas personagens possuem
conceitos artísticos e formação intelectual diferenciada, é o caso da esposa de
Marcelo, Ana (Sandra Bréa). Ela é conformada em sua situação de esposa traída,
que vive sua solidão conjugal e sua crise existencial, estudando obras das
Artes Plásticas, gosto pelas Artes que aprendeu com o esposo, Ana sobretudo
gosta das pinturas surrealistas, com apreço especial para o quadro, que é
apresentado no início e ao fim do filme, e representa duas figuras -, uma masculina,
outra feminina -, abraçadas, entrelaçadas e encapuzadas, simbolizando um beijo
de solidão entre-e-do par, um beijo que re-vela sugestivamente uma relação marcada
por máscaras , ou sugere um relacionar-se em que o beijo entre os amantes é um
entrelaçar-se e um beijar-se fragmentado e frio, corrompido, incomunicável na
falta de contato dos lábios e por extensão metaforiza a falta de estima que
marca aquele gesto que era para ser de afeição, mas se torna um beijar-se sem
compreensão, solitário.
Essa
metáfora sugere o que é de fato o casamento não só de Marcelo e Ana, mas também
o de Luciano e Anita (Helena Ramos). Casamentos frustrados, marcados pelas
infidelidades dos esposos -, ora estas traições se dão por mera diversão e
prazer sexuais -, ora por uma espécie de desafio silenciado em palavras, mas
manifesto em atos, de Marcelo e de Luciano, um para com outro de quem é o ‘mais
forte’, ou de quem é o ‘mais garanhão’, dada a já citada inveja que nutrem um em
relação ao outro.
Muitas
vezes fica evidente a aniquilação que Marcelo quer propiciar a Luciano, não
somente no âmbito sexual, mas moral e conjugal também. Isso vale, inclusive, de
certa forma, de maneira inversa. Uma verdadeira relação de amizade marcada pela
toxicidade, que é repassada para as esposas e para as amantes deles, de fato
uma masculinidade tóxica muitas vezes, com cenas de assédio e abusos a algumas
mulheres que são apresentadas no filme. Contudo, aqui trata-se de um ‘drama
erótico’ e não de uma ‘pornochanchada’ pura e simples, nada em “Convite
ao Prazer” é gratuito e banalizado, tudo tem um porquê nas questões
existenciais levantadas pelo cineasta Walter Hugo Khouri não somente neste
filme, mas em sua filmografia como um todo.
Em
um determinado momento do filme é dito por uma personagem que “amor é amor e
casamento é casamento”, refletindo sobre conceitos e sentimentos de liberdade
ou a privação desta, amor ou des-amor, carinho ou não, entre outras questões
relativas aos matrimônios e as relações amorosas em geral, mas que cai como uma
luva para os casais do filme e vai ao encontro da epígrafe da obra de Khouri retirada
dos escritos do pensador Spinoza.
A
produção de “Convite ao Prazer”, lançada em 1980, foi realizada por Antonio
Polo Galante, grande produtor de filmes dos anos 1970-1980 do Cinema Brasileiro,
um verdadeiro ícone do nosso cinema, para o bem e para o mal, diga-se de passagem.
No elenco tem-se ainda: Kate Lyra, Aldine Muller, Nicole Puzzi, Rossana Ghessa
e Patrícia Scalvi, as atrizes-modelos que compõem a parte sensual e mais
erótica deste drama de Walter Hugo Khouri, que tem uma fotografia condizente
com a ambiência do filme, realizada por Antonio Meliande, outro grande nome do
cinema brasileiro da época. E trilha sonora de Rogerio Duprat -, que dispensa
maiores apresentações, pois se trata de um grande músico não somente de trilhas
musicais para filmes, mas também compositor e realizador de diversos discos
clássicos da história da nossa música -, em que o jazz se sobressai em grandes
melodias para acompanhar algumas cenas sexuais, conferindo sensualidade a
muitas delas, e às vezes até sentimento de dor.
Já
que, amor e-ou ódio (inveja), erotismo, prazer e-ou dor, sofrimento (aniquilação)
são expressos simbolicamente, em grau maior ou menor, até no título do livro de
Artes Plásticas lido por Marcelo, ‘Erotismo e Morte na(s) Arte(s)...’, que é (mais)
uma forma de ler o filme, até por tudo que foi dito nesta crítica ora
realizada. ”
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