““Kwaidan - As Quatro Faces do Medo”
(Masaki Kobayashi, 1964)”:
("O SOBRENATURAL FANTASMAGÓRICO IMAGINOSO"):
(CRÍTICA
POR RAFAEL VESPASIANO):
“Quatro
contos de estórias fantásticas e maravilhosas de espíritos e fantasmas, que
atormentam as personagens ‘vivas’ das narrativas, jogando e criando maldições,
gerando medo àquelas personagens que desorientadas, ora estão perdidas sem
redenção, ora encontram uma ‘solução’ paliativa para sua condição de
amaldiçoadas pelos fantasmas que surgiram maravilhosamente em suas existências,
outrora cotidianas, marcadas pelo marasmo do dia-a-dia e de vidas normais e
fúteis.
Neste
filme, Masaki Kobayashi foge do comum dos gêneros chambaras típicos e
conhecidos mundialmente pelo mundo da comunidade cinéfila, que se acostumara
com esse gênero famoso internacionalmente, da cinematografia japonesa, desde os
anos 1930. Mas, Masaki Kobayashi, que inclusive, realizou chambaras,
primorosos, mas sempre fugindo do lugar comum deste gênero, como em “Harakiri”, 1962, e em “Rebelião”, 1967.
Aqui,
neste filme, “Kwaidan – as quatro faces
do medo”, 1964, faz o mesmo e foge da mesmice dos chambaras típicos e
rotineiros do Japão, aproveita o epigonismo do gênero dos filmes de samurais,
que ocorre, nos anos 1960, na década, em que a Novelle Vague Japonesa, já
tomava forma; e, realiza um filme de horror e terror psicológico,
fantasmagórico e sugestivo, surreal, onírico, enfim, uma obra prima do cinema
mundial.
Reconta
quatro histórias recolhidas e trabalhadas pelo escritor e jornalista
grego/irlandês Lafcadio Hearn. Enviado ao Japão no final do século XIX, Hearn
se afeiçoou pelo país a ponto de se nacionalizar e se casar com uma filha de um
samurai, que vem a se tornar sua principal colaboradora nessa pesquisa.
Sobre
o nome de Koizumi Yakumo, ele lança em 1903 o livro Kwaidan ou Estudos de Coisas Estranhas, composto de dezesseis
contos e novelas. Dessas, o cineasta Kobayashi se debruçará sobre quatro e nos
legará uma obra única, dotada de um exotismo fantástico, maravilhoso e de uma
estética que estonteia até hoje, como por exemplo a maravilhosa fotografia e a
estupenda trilha sonora, regular e excelente nos quatro contos.
O
filme, mesmo sendo marcado por quatro narrativas independentes é muito regular
e uno, e, o que unifica as estórias é o medo das personagens e os
fantasmas/espíritos horripilantes e fantásticos, que provocam arrepios na
imaginação intra-narrativa, e, também, dos espectadores desta obra-prima, que
apesar da longa duração, não é cansativa e nem marcada pela mesmice em nenhum
momento. O medo e a violência nunca é exagerada no aspecto físico, tem limites,
mas a violência psicológica é assustadora e horripilante e forte mesmo.
Os
quatro contos:
“Os
Cabelos Negros”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Um samurai para fugir da pobreza abandona
sua esposa e se coloca sobre os serviços de um rico senhor do qual desposa a
filha. Contudo ele não consegue esquecer a antiga mulher e marcado pelo arrependimento
retorna a casa da antiga esposa, em uma noite deixando para trás as novas
obrigações.
Esse
primeiro segmento só nos mergulha em uma atmosfera sombria, quase ao seu
término. No entanto, a narrativa cheia de hiatos, desde o início, já é
sugestiva e sombria a tal ponto, que gera estranhamento fantástico, de horror e
terror psicológico; uma certa estranheza, ao contar a ascensão social de um
jovem samurai.
A
força narrativa nasce do confronto entre o encaminhamento intimo que o conduz,
a relação amorosa e a ascensão marcada por suas vitórias, novo matrimônio,
questões de conveniência social, determinados e unidos, por planos de câmera,
que priorizam, ora o horizonte infindo, ora grossas tomadas sobre os rostos.
Quando
do reencontro com seu passado, os passeios se estagnam. Acentua-se a formação
de um ambiente pavoroso, mórbido, tenebroso, mas tudo pela sugestão do horror
psicológico, que culmina na degradação do local e na depauperação e
envelhecimento do protagonista, na ruína alegórica das personagens.’
“A
Mulher das Neves”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Um velho lenhador e seu amigo aprendiz
são surpreendidos por uma tempestade de neve e se refugiam na velha cabana de
um barqueiro, sempre ausente e sugestivamente uma incógnita ligada ao
sobrenatural e à morte. Despertado de seu sono, o aprendiz observa assustado
que um ser feminino sobrenatural/fantasmagórico tirou todo o sangue de seu
mestre, por um sopro invernal, vampiresco. A dama das neves o poupa sobre a
condição de que nunca contará a ninguém o que se passou naquela noite.
As
passagens das estações são acentuadas através das mudanças de cores, passando
de um azul invernal a um laranja que remete ao predomínio do verão. A
artificialidade do entorno, reforça o impacto emocional e estético em nós e nos
quedamos ante a força da narrativa. A fotografia marcadamente surreal e
fantasmagórica, nos leva sempre a um suspense de que algo de moral e
sobrenatural suceder-se-á.’
“Hoichi
– O Sem Orelhas”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Dan-no-Ura é um estranho lugar de
aparições fantasmagóricas de espíritos de samurais e clãs feudais de samurais
falecidos e mortos, há quase 700 anos, antes dos narrados no presente da
enunciação, quando ocorreu a famosa batalha naval que viu a queda do clã Heiké
face ao clã Genji.
Hoichi,
um jovem cego que vive em um templo budista da região, excelente tocador de
biwa e talentoso contador da epopeia Heiké, vai despertar por esses motivos, os
guerreiros fantasmas do clã derrotado, seduzidos por seu talento, que vivem
vagando em seus túmulos nos cemitérios das redondezas. E que há muito
adormecidos despertam fantasticamente graça ao talento poético, musical e de
cantor de Hoichi.
Se
no primeiro conto o sobrenatural irrompe na tela de maneira abrupta e no
segundo ele é confrontado no convívio diário, no terceiro a coexistência se dá
de forma acentuada. As cenas de batalha estilizadas num quase balé que bebe nas
fontes do teatro kabuki, no Nô e sobretudo no bunraku nos colocam de encontro a
uma tradição que desconhecemos, mas que nos causa admiração, e, nos surpreende pela
beleza plástica que ganha as telas. Reforçada por uma trilha sonora, fotografia
e direção de arte excepcionais.
Um
conto sugestivo, surreal e associativo de transições oníricas e imagens
impressas, fumaças, sobre um fundo roxo, de sangue de uma batalha fatal entre
clãs rivais numa batalha marítima fatídica e grandes proporções destrutivas e
mortíferas.’
“Em
uma Taça de Chá”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘O que leva um escritor a não concluir uma
história? A resposta talvez esteja no fundo de uma taça. O conto
metalinguístico do filme de Kobayashi. Ainda que seja o segmento mais curto, é
justamente, orgânico, funcional, e serve como epílogo, para o filme como um
todo do cineasta, inclusive é o mais surpreendente e que concluí com chave de ouro,
a obra prima fílmica de Masaki Kobayashi.
O
epílogo sugere uma interpenetração do universo do autor com a da sua criação.
De forma sugestiva, o espectador é convidado e se apropria da tarefa de concluir
a história por ele mesmo, tanto a do epílogo, como a dos três contos
anteriores, e, refletir após as três horas de projeção sobre o medo que marca a
existência humana, seja de qual maneira for. Sempre no caso do filme, o medo e
a violência psicológica que nos assombra cotidianamente.’”.
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