sábado, 21 de setembro de 2019

BACURAU (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Brasil-França, 2019):


BACURAU (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Brasil-França, 2019):

Bacurau é um filme excelente, porém não perfeito, mas apesar de alguns defeitos, é uma obra muito boa e necessária para ser vista e revista. Não diria que é o melhor trabalho de um dos diretores, Kleber Mendonça Filho, pois Bacurau é dirigido também por Juliano Dornelles. Quanto aos trabalhos anteriores de Kleber Mendonça Filho destaco lógico os longas O Som ao Redor (2012), seu primeiro longa-metragem, cuja sinopse é: “A vida numa rua de classe-média na zona sul do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia que oferece a paz de espírito da segurança particular. A presença desses homens traz tranquilidade para alguns, e tensão para outros, numa comunidade que parece temer muita coisa. Enquanto isso, Bia, casada e mãe de duas crianças, precisa achar uma maneira de lidar com os latidos constantes do cão de seu vizinho. Uma crônica brasileira, uma reflexão sobre história, violência e barulho” (retirada do site Filmow). Aquarius (2016), seu segundo longa (e para mim seu melhor trabalho até o presente momento de sua carreira), cuja sinopse é: “Clara, 65 anos de idade, é uma escritora e crítica de música aposentada. Ela é viúva, mãe de três filhos adultos, e moradora de um apartamento repleto de livros e discos no Bairro de Boa Viagem, num edifício chamado Aquarius. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia” (sinopse do site Filmow). E também entre seus curtas-metragens destaco uma pequena obra-prima, Recife Frio (2009), sinopse “a cidade brasileira de Recife, que já foi tropical, agora é fria, chuvosa e triste, depois de passar por uma desconhecida mudança climática” (retirada a sinopse do site já citado).
Mas voltemos a Bacurau: trata-se de um filme marcado pelo realismo mágico, além de ser uma alegoria distópica de uma cidade, Bacurau, lutando contra o capitalismo nocivo e predatório, lutando contra o desenvolvimento tecnológico e capitalista, porém usando as tecnologias a sua maneira, bem própria e particular. Bacurau tenta resistir a invasão estrangeira, ao poder político local, todos dizimadores do bem-estar coletivo e comunitário da cidade de Bacurau.
Além disso temos várias metáforas, reflexões implícitas ou explícitas no roteiro: ora o confronto nordeste X sudeste-sul, interior X capital, opressores X oprimidos, maioria X minoria. O filme aborda também temáticas de preconceito e opressão contra os mais desvalidos, as minorias, enfim é uma obra que trata de vários temas que são variações de um mesmo tema geral, qual seja: a política de opressão aos já tão oprimidos e desvalidos dos meios tecnológicos capitalistas. Bacurau torna-se uma ode à luta contra qualquer forma de opressão e dominação, seja que de qual matriz opressiva seja, que visa dominar uma população, comunidade, de qualquer maneira, mesmo que isso seja feito pela própria aniquilação da comunidade ali instalada, incrustada na memória há tempos até mesmo imemoriais.
Uma das leituras para esta problemática é o “entre-lugar”, que é a cidade de Bacurau, sitiada, isolada, por forças mais “desenvolvidas” tecnologicamente falando, assim estas forças seriam o “lugar”, de qual fala o teórico Homi K. Bhabha, em seu livro O Local da Cultura, em o escritor contrapõe as forças de dominação dos colonizadores (o “lugar”) e o local dos dominados, colonizados, o “não-lugar”. Bacurau, portanto, nessa distopia que é a obra fílmica de que se trata estaria na posição de “entre-lugar”, lutando contra a dominação dos mais fortes tecnologicamente e também se contrapondo contra a barbárie.    
Um dos diálogos mais sintomáticos do filme é quando dois forasteiros chegam à cidade de Bacurau e a forasteira pergunta na vendinha local: “- quem nasce em Bacurau é o quê? ” A qual é respondida de pronto por uma criança: “ – É gente! ”. Sempre, portanto, a questão identitária é abordada, levantada pela obra, visto que esta é uma das emergências do século XXI em termos de pauta ideológica e, portanto, política, ainda mais em um país, Brasil, que está dividido política e ideologicamente.
Talvez aqui temos o maior problema de Bacurau: ou o filme é uma mera obra de faroeste violenta, visto que em algumas cenas temos violência em demasia, até mesmo desnecessariamente filmadas e colocadas na edição final? Ou o filme estaria mais para uma obra política que reflete as questões atuais de um Brasil fragmentado ideológica e politicamente? Ou as duas coisas.
Estas ambiguidades talvez só sejam resolvidas num futuro um pouco mais distante quando possamos rever este filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, com mais isenção do momento atual em que vivemos, tão caloroso nos debates, ou seja, com mais distanciamento crítico, com a passagem do tempo, que talvez nos faça refletir melhor na recepção de tal obra que se faz tão urgente e necessária, como é Bacurau, para os rumos do nosso cinema e também para nossa política, por que não?
Já que a vida imita a arte. E o cinema sempre é uma manifestação de cidadania, portanto o cinema de qualidade é sempre uma manifestação política.

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