BACURAU
(Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Brasil-França, 2019):
Bacurau
é um filme excelente, porém não perfeito, mas apesar de alguns defeitos, é uma
obra muito boa e necessária para ser vista e revista. Não diria que é o melhor
trabalho de um dos diretores, Kleber Mendonça Filho, pois Bacurau é dirigido também
por Juliano Dornelles. Quanto aos trabalhos anteriores de Kleber Mendonça Filho
destaco lógico os longas O Som ao Redor (2012), seu primeiro
longa-metragem, cuja sinopse é: “A vida numa rua de classe-média na zona sul
do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia que oferece a
paz de espírito da segurança particular. A presença desses homens traz
tranquilidade para alguns, e tensão para outros, numa comunidade que parece
temer muita coisa. Enquanto isso, Bia, casada e mãe de duas crianças, precisa
achar uma maneira de lidar com os latidos constantes do cão de seu vizinho. Uma
crônica brasileira, uma reflexão sobre história, violência e barulho” (retirada
do site Filmow). Aquarius (2016), seu segundo longa (e para mim seu melhor
trabalho até o presente momento de sua carreira), cuja sinopse é: “Clara, 65
anos de idade, é uma escritora e crítica de música aposentada. Ela é viúva, mãe
de três filhos adultos, e moradora de um apartamento repleto de livros e discos
no Bairro de Boa Viagem, num edifício chamado Aquarius. Interessada em
construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora
conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por
mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo
tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia” (sinopse do site Filmow). E
também entre seus curtas-metragens destaco uma pequena obra-prima, Recife
Frio (2009), sinopse “a cidade brasileira de Recife, que já foi
tropical, agora é fria, chuvosa e triste, depois de passar por uma desconhecida
mudança climática” (retirada a sinopse do site já citado).
Mas
voltemos a Bacurau: trata-se de um filme marcado pelo realismo mágico,
além de ser uma alegoria distópica de uma cidade, Bacurau, lutando contra o
capitalismo nocivo e predatório, lutando contra o desenvolvimento tecnológico e
capitalista, porém usando as tecnologias a sua maneira, bem própria e
particular. Bacurau tenta resistir a invasão estrangeira, ao poder político
local, todos dizimadores do bem-estar coletivo e comunitário da cidade de
Bacurau.
Além
disso temos várias metáforas, reflexões implícitas ou explícitas no roteiro:
ora o confronto nordeste X sudeste-sul, interior X capital, opressores X
oprimidos, maioria X minoria. O filme aborda também temáticas de preconceito e
opressão contra os mais desvalidos, as minorias, enfim é uma obra que trata de
vários temas que são variações de um mesmo tema geral, qual seja: a política de
opressão aos já tão oprimidos e desvalidos dos meios tecnológicos capitalistas.
Bacurau torna-se uma ode à luta contra qualquer forma de opressão e dominação,
seja que de qual matriz opressiva seja, que visa dominar uma população,
comunidade, de qualquer maneira, mesmo que isso seja feito pela própria
aniquilação da comunidade ali instalada, incrustada na memória há tempos até
mesmo imemoriais.
Uma
das leituras para esta problemática é o “entre-lugar”, que é a cidade de
Bacurau, sitiada, isolada, por forças mais “desenvolvidas” tecnologicamente
falando, assim estas forças seriam o “lugar”, de qual fala o teórico Homi K.
Bhabha, em seu livro O Local da Cultura,
em o escritor contrapõe as forças de dominação dos colonizadores (o “lugar”) e o
local dos dominados, colonizados, o “não-lugar”. Bacurau, portanto, nessa
distopia que é a obra fílmica de que se trata estaria na posição de
“entre-lugar”, lutando contra a dominação dos mais fortes tecnologicamente e
também se contrapondo contra a barbárie.
Um
dos diálogos mais sintomáticos do filme é quando dois forasteiros chegam à
cidade de Bacurau e a forasteira pergunta na vendinha local: “- quem nasce em
Bacurau é o quê? ” A qual é respondida de pronto por uma
criança: “ – É gente! ”. Sempre, portanto, a questão identitária é abordada,
levantada pela obra, visto que esta é uma das emergências do século XXI em
termos de pauta ideológica e, portanto, política, ainda mais em um país,
Brasil, que está dividido política e ideologicamente.
Talvez
aqui temos o maior problema de Bacurau: ou o filme é uma mera obra
de faroeste violenta, visto que em algumas cenas temos violência em demasia,
até mesmo desnecessariamente filmadas e colocadas na edição final? Ou o filme
estaria mais para uma obra política que reflete as questões atuais de um Brasil
fragmentado ideológica e politicamente? Ou as duas coisas.
Estas
ambiguidades talvez só sejam resolvidas num futuro um pouco mais distante quando
possamos rever este filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, com
mais isenção do momento atual em que vivemos, tão caloroso nos debates, ou
seja, com mais distanciamento crítico, com a passagem do tempo, que talvez nos
faça refletir melhor na recepção de tal obra que se faz tão urgente e
necessária, como é Bacurau, para os rumos do nosso cinema e também para nossa
política, por que não?
Já
que a vida imita a arte. E o cinema sempre é uma manifestação de cidadania,
portanto o cinema de qualidade é sempre uma manifestação política.
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