JOGO
DAS DECAPITAÇÕES,
DE SÉRGIO BIANCHI:
(CRONICAMENTE INVIÁVEL É O BRASIL).
CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO.
Sérgio Bianchi é um
cineasta que não é fácil de lidar. Fico imaginando como o mais recente filme
realizado por ele, Jogo das decapitações (2014),
conseguiu financiamento do Governo Federal – inclusive, no próprio filme certa
personagem faz uma pergunta mais ou menos nesse sentido. Pois, Bianchi não
perdoa ninguém, para ele o Brasil é um país Cronicamente
inviável (2000), filme dirigido também por ele e ao qual o espectador é
remetido pelo menos ao título dele.
Porém, no Jogo das decapitações, existe outra
metalinguagem com outro filme do próprio Sérgio Bianchi, que é um filme mais
antigo e que foi produzido e distribuído durante a Ditadura Militar Brasileira,
trata-se de Maldita Coincidência (1979);
este filme é apresentado no filme de 2014, como um filme dentro de um filme: Maldita coincidência recebe outro
título, o mesmo do que está sendo projetado para nós nesse momento, Jogo das decapitações.
Ou seja, Bianchi está
falando de sua própria filmografia, de certa forma, ele formou com esses três
filmes uma trilogia do Brasil que nunca
dará certo. Bianchi só amplifica suas ideias de um filme para o outro e
ainda escreve em um quadro: “que país foi este?”, o verbo no passado e não no
presente, diferente da conjugação dada ao verbo ser pelo cantor e compositor Renato Russo, da Legião Urbana, à sua
canção de 1987.
Quanto ao enredo/trama
do Jogo das decapitações pode-se ser
dito o seguinte: Jairo Mendes (Paulo César Peréio) é um cineasta marginal, que
é o alter-ego do diretor Sérgio Bianchi. Jairo foi torturado durante a Ditadura
Militar Brasileira, por ser um cineasta revolucionário, crítico de tudo e de
todos, - (até de quem lutava contra a Ditadura) -, considerado pelos militares
como “subversivo”, é preso, com a justificativa de atentado violento ao pudor
(o desbunde para ele também era uma forma transgressora de lutar contra os
militares, assim como o Cinema de Protesto, a Guerrilha, o terrorismo, os
sequestros, a luta pacífica, passeatas, conscientização intelectual, etc.); seu
filho nos dias atuais é um jovem que tem tudo nas mãos, acrítico, se torna até
um reacionário, mesmo tendo como exemplo em sua casa, a mãe, Marília,
abandonada por Jairo, aquela torturada também nos porões da Ditadura e que luta
pela indenização do Estado pelo que sofreu à época; enfim, várias situações da
Ditadura são apresentadas em múltiplas facetas.
Mas, o filme também
trata do presente de nosso Brasil, levantando outras questões, de forma sugerida
e até mais ou menos explícita pelo próprio roteiro da película: a superlotação
dos presídios (a maioria dos presos, lógico, negros e pobres), as rebeliões, as
gangues rivais, a tortura da polícia sobre aqueles dentro dos presídios (o que
mudou? isso de certa forma vem desde a colonização, com a escravatura oficial
dos negros africanos e dos índios, não?); políticos que estão no poder
atualmente, que lutaram contra a Ditadura (ou seja, políticos de esquerda), mas
agora, que estão eleitos, democraticamente, reprime e se corromperam assim como
os políticos de Direita, que desde sempre também foram corruptos (desde a época
da colonização) e apoiaram a Ditadura; o que é a Esquerda e a Direita no Brasil
hoje? Ambas corrompidas e sedentas, “pelo poder até não mais poder” (Marcelo
Nova), repressoras -, basta ver as manifestações populares fortemente
reprimidas pela violência policial e reprovadas pelo Estado, tanto pelos os
agentes públicos de direita, quanto pelos de esquerda, em 2013. O Estado e a
mídia (sensacionalista, comprada e de Direita) falavam são: “filhinhos de
papai, filhos da classe média, revoltados por nada, apenas um bando de baderneiros,
alienados, mascarados, etc.”.
Jogo
das decapitações abre espaço para todo esse debate
mostrando apenas alguns fatos e algumas cenas, a maioria delas ficcionalizadas
e até surreais, mas que remetem à nossa realidade recente 2013-2014 (e as
eleições deste ano, os comentários na internet, os preconceitos e
discriminações virtuais, nas redes sociais protegidos, os difamadores e obtusos
intelectualmente pelo anonimato digital acabam com reputações e fica por isso
mesmo?), etc.
Enfim, recomendo o
filme, vocês perceberão e debaterão com seus amig@s, várias questões
atualíssimas do Brasil inviável, que
espera o apocalipse como sugere uma personagem do filme Jogo das decapitações, e como mostra o outro filme mais antigo, Maldita Coincidência, que é o próprio Jogo das decapitações (imagens de
arquivo, do próprio filme de 1979 aparecem no filme de 2014), terminando tudo
numa grande explosão, sugerida pela confecção de um coquetel molotov.
Bianchi pode ser
acusado de ser um cineasta mais do mesmo, mas que é fiel às suas convicções,
isso ninguém pode negar. Já em 1979, ele mostrava que as pessoas preferiam
desmantar a reciclar o lixo, mesmo essas pessoas vivendo em uma comunidade hippoca
e em que os que viviam nesta, conviviam em plena atitude de desbunde, que em Maldita coincidência de 79, Bianchi de
certa forma ironiza, mas não a censura como atitude transgressora, mas aquele filme
feito em plena Ditadura é mais uma reflexão de tantas propostas por Sérgio
Bianchi para o Brasil que já se foi...
Em
todos os filmes de Sérgio Bianchi, o espectador deve está preparado para um
soco no estômago, não há 100% mocinhos, nem 100% vilões, nada de maniqueísmos;
o que há são personagens (pessoas) que ora têm toda a razão da situação, outras
nem tanto, mas que não deixam de ter sua razão (sua parcialidade); outras
pessoas são totalmente desprovidas de razão, mas em outros momentos têm razão
assim como àquelas, e nunca deixam de perder sua razão (parcialidade). Será?
Assim,
o seu mais recente trabalho de 2014, Jogo
das decapitações mostra que muito foi conquistado, mas ao mesmo tempo
desperdiçado, parece que tudo é em vão em nosso país e o Brasil não é o “país
do futuro”, porém a nação da “inviabilidade social definitiva”.
P.s.: outras reflexões
do filme Jogo das decapitações: o
consumo de crack (epidemia), até jovens ricos consumem a droga; a higienização
pública das ruas feita pelo Estado em relação aos marginalizados, sem-teto,
viciados, de maneira agressiva e desumana; professores intelectuais, mas que
não entendem e respeitam os trabalhadores braçais, tão essenciais para a
sociedade e tão humanos quanto qualquer Mestre ou Doutor; o jornalismo e a
mídia do espetáculo e do sensacionalismo, que só querem vender jornais e ganhar
audiência e, não buscam checar as suas fontes e/ou se preocupam com o Outro; alunos
do Ensino Superior, reacionários e alienados.
A atualidade do filme
mais uma vez deve ser ressaltada, já que a Comissão da Verdade instaurada no
Congresso, para averiguar os crimes da Ditadura Militar, entregou o seu
relatório final, recentemente, ao final do ano de 2014; mas, Bianchi faz uma
provocação: se é para acabar com a anistia de maneira ampla, não deveria se punir
tantos os crimes dos militares ainda vivos, quanto os dos que lutaram contra a
Ditadura e cometeram sequestros, assaltos, assassinatos, atos incendiários,
etc., e também estão vivos? Lembrando que o diretor Sérgio Bianchi, em seus
filmes, não perdoa nada, sempre considera tudo, doa a quem doer.
P.s.2:
reflexões sobre a Ditadura também na América Latina, ao som de Mercedes Sosa,
num falso documentário sobre a ditadura chilena e argentina; ONGs; etc, etc.,
etc...
FILMOGRAFIA COMPLETA:
2013 - Jogo das Decapitações
2009 - Os Inquilinos
2005 - Quanto Vale Ou É Por Quilo?
2000 - Cronicamente Inviável
1994 - A Causa Secreta
1988 – Romance
1983 - Divina Previdência (CURTA-METRAGEM)
1982 - Mato Eles? (MÉDIA-METRAGEM)
1979 - Maldita Coincidência
1977 - A Segunda Besta (CURTA-METRAGEM)
1972 - Omnibus (CURTA-METRAGEM)
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