domingo, 28 de dezembro de 2014

JOGO DAS DECAPITAÇÕES, DE SÉRGIO BIANCHI: (CRONICAMENTE INVIÁVEL É O BRASIL).

JOGO DAS DECAPITAÇÕES, DE SÉRGIO BIANCHI:
(CRONICAMENTE INVIÁVEL É O BRASIL).
CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO.


Sérgio Bianchi é um cineasta que não é fácil de lidar. Fico imaginando como o mais recente filme realizado por ele, Jogo das decapitações (2014), conseguiu financiamento do Governo Federal – inclusive, no próprio filme certa personagem faz uma pergunta mais ou menos nesse sentido. Pois, Bianchi não perdoa ninguém, para ele o Brasil é um país Cronicamente inviável (2000), filme dirigido também por ele e ao qual o espectador é remetido pelo menos ao título dele.

Porém, no Jogo das decapitações, existe outra metalinguagem com outro filme do próprio Sérgio Bianchi, que é um filme mais antigo e que foi produzido e distribuído durante a Ditadura Militar Brasileira, trata-se de Maldita Coincidência (1979); este filme é apresentado no filme de 2014, como um filme dentro de um filme: Maldita coincidência recebe outro título, o mesmo do que está sendo projetado para nós nesse momento, Jogo das decapitações.

Ou seja, Bianchi está falando de sua própria filmografia, de certa forma, ele formou com esses três filmes uma trilogia do Brasil que nunca dará certo. Bianchi só amplifica suas ideias de um filme para o outro e ainda escreve em um quadro: “que país foi este?”, o verbo no passado e não no presente, diferente da conjugação dada ao verbo ser pelo cantor e compositor Renato Russo, da Legião Urbana, à sua canção de 1987.

Quanto ao enredo/trama do Jogo das decapitações pode-se ser dito o seguinte: Jairo Mendes (Paulo César Peréio) é um cineasta marginal, que é o alter-ego do diretor Sérgio Bianchi. Jairo foi torturado durante a Ditadura Militar Brasileira, por ser um cineasta revolucionário, crítico de tudo e de todos, - (até de quem lutava contra a Ditadura) -, considerado pelos militares como “subversivo”, é preso, com a justificativa de atentado violento ao pudor (o desbunde para ele também era uma forma transgressora de lutar contra os militares, assim como o Cinema de Protesto, a Guerrilha, o terrorismo, os sequestros, a luta pacífica, passeatas, conscientização intelectual, etc.); seu filho nos dias atuais é um jovem que tem tudo nas mãos, acrítico, se torna até um reacionário, mesmo tendo como exemplo em sua casa, a mãe, Marília, abandonada por Jairo, aquela torturada também nos porões da Ditadura e que luta pela indenização do Estado pelo que sofreu à época; enfim, várias situações da Ditadura são apresentadas em múltiplas facetas.

Mas, o filme também trata do presente de nosso Brasil, levantando outras questões, de forma sugerida e até mais ou menos explícita pelo próprio roteiro da película: a superlotação dos presídios (a maioria dos presos, lógico, negros e pobres), as rebeliões, as gangues rivais, a tortura da polícia sobre aqueles dentro dos presídios (o que mudou? isso de certa forma vem desde a colonização, com a escravatura oficial dos negros africanos e dos índios, não?); políticos que estão no poder atualmente, que lutaram contra a Ditadura (ou seja, políticos de esquerda), mas agora, que estão eleitos, democraticamente, reprime e se corromperam assim como os políticos de Direita, que desde sempre também foram corruptos (desde a época da colonização) e apoiaram a Ditadura; o que é a Esquerda e a Direita no Brasil hoje? Ambas corrompidas e sedentas, “pelo poder até não mais poder” (Marcelo Nova), repressoras -, basta ver as manifestações populares fortemente reprimidas pela violência policial e reprovadas pelo Estado, tanto pelos os agentes públicos de direita, quanto pelos de esquerda, em 2013. O Estado e a mídia (sensacionalista, comprada e de Direita) falavam são: “filhinhos de papai, filhos da classe média, revoltados por nada, apenas um bando de baderneiros, alienados, mascarados, etc.”.  

Jogo das decapitações abre espaço para todo esse debate mostrando apenas alguns fatos e algumas cenas, a maioria delas ficcionalizadas e até surreais, mas que remetem à nossa realidade recente 2013-2014 (e as eleições deste ano, os comentários na internet, os preconceitos e discriminações virtuais, nas redes sociais protegidos, os difamadores e obtusos intelectualmente pelo anonimato digital acabam com reputações e fica por isso mesmo?), etc.

Enfim, recomendo o filme, vocês perceberão e debaterão com seus amig@s, várias questões atualíssimas do Brasil inviável, que espera o apocalipse como sugere uma personagem do filme Jogo das decapitações, e como mostra o outro filme mais antigo, Maldita Coincidência, que é o próprio Jogo das decapitações (imagens de arquivo, do próprio filme de 1979 aparecem no filme de 2014), terminando tudo numa grande explosão, sugerida pela confecção de um coquetel molotov.

Bianchi pode ser acusado de ser um cineasta mais do mesmo, mas que é fiel às suas convicções, isso ninguém pode negar. Já em 1979, ele mostrava que as pessoas preferiam desmantar a reciclar o lixo, mesmo essas pessoas vivendo em uma comunidade hippoca e em que os que viviam nesta, conviviam em plena atitude de desbunde, que em Maldita coincidência de 79, Bianchi de certa forma ironiza, mas não a censura como atitude transgressora, mas aquele filme feito em plena Ditadura é mais uma reflexão de tantas propostas por Sérgio Bianchi para o Brasil que já se foi...

Em todos os filmes de Sérgio Bianchi, o espectador deve está preparado para um soco no estômago, não há 100% mocinhos, nem 100% vilões, nada de maniqueísmos; o que há são personagens (pessoas) que ora têm toda a razão da situação, outras nem tanto, mas que não deixam de ter sua razão (sua parcialidade); outras pessoas são totalmente desprovidas de razão, mas em outros momentos têm razão assim como àquelas, e nunca deixam de perder sua razão (parcialidade). Será?

Assim, o seu mais recente trabalho de 2014, Jogo das decapitações mostra que muito foi conquistado, mas ao mesmo tempo desperdiçado, parece que tudo é em vão em nosso país e o Brasil não é o “país do futuro”, porém a nação da “inviabilidade social definitiva”.


P.s.: outras reflexões do filme Jogo das decapitações: o consumo de crack (epidemia), até jovens ricos consumem a droga; a higienização pública das ruas feita pelo Estado em relação aos marginalizados, sem-teto, viciados, de maneira agressiva e desumana; professores intelectuais, mas que não entendem e respeitam os trabalhadores braçais, tão essenciais para a sociedade e tão humanos quanto qualquer Mestre ou Doutor; o jornalismo e a mídia do espetáculo e do sensacionalismo, que só querem vender jornais e ganhar audiência e, não buscam checar as suas fontes e/ou se preocupam com o Outro; alunos do Ensino Superior, reacionários e alienados.

A atualidade do filme mais uma vez deve ser ressaltada, já que a Comissão da Verdade instaurada no Congresso, para averiguar os crimes da Ditadura Militar, entregou o seu relatório final, recentemente, ao final do ano de 2014; mas, Bianchi faz uma provocação: se é para acabar com a anistia de maneira ampla, não deveria se punir tantos os crimes dos militares ainda vivos, quanto os dos que lutaram contra a Ditadura e cometeram sequestros, assaltos, assassinatos, atos incendiários, etc., e também estão vivos? Lembrando que o diretor Sérgio Bianchi, em seus filmes, não perdoa nada, sempre considera tudo, doa a quem doer.

P.s.2: reflexões sobre a Ditadura também na América Latina, ao som de Mercedes Sosa, num falso documentário sobre a ditadura chilena e argentina; ONGs; etc, etc., etc...

FILMOGRAFIA COMPLETA:

2013 - Jogo das Decapitações
2009 - Os Inquilinos
2005 - Quanto Vale Ou É Por Quilo?
2000 - Cronicamente Inviável
1994 - A Causa Secreta
1988 – Romance
1983 - Divina Previdência (CURTA-METRAGEM)
1982 - Mato Eles? (MÉDIA-METRAGEM)
1979 - Maldita Coincidência
1977 - A Segunda Besta (CURTA-METRAGEM)

1972 - Omnibus (CURTA-METRAGEM)

Nenhum comentário:

Postar um comentário