sexta-feira, 11 de agosto de 2017

"Um Homem com uma Câmera (Человек с киноаппаратом/Dziga Vertov, 1929)": “Um homem com uma câmera e um ideal de cinema na cabeça”

Um Homem com uma Câmera (Человек с киноаппаратом/Dziga Vertov, 1929):

“Um homem com uma câmera e um ideal de cinema na cabeça”:


Por Rafael Vespasiano






“Nos tempos primordiais cinematográficos, o cinema esteve, na maioria das vezes, mantendo um interdiscurso com outras Artes, de alguma forma, e, mais antigas que o próprio cinema e, já consolidadas, como a Literatura e as Artes Dramáticas (Teatro). A própria linguagem cinematográfica também era limitada à época de seu nascimento. Com o tempo, os filmes conseguiram evoluir em muitos aspectos técnicos e narrativo e/ou documentais. Surgiram novas técnicas de edição, de fotografia, de efeitos especiais. Além disso, novos modos de se compreender esta Arte tão recente também começaram a aparecer nas inúmeras mentes empolgadas e inquietas de pessoas entusiasmadas pela nova Arte e, em especial, pelos profissionais do Cinema. A sétima arte evoluiu de forma extremamente rápida, espalhando-se pelo mundo em questão de poucos anos. Muito disso se dava à universalidade dos filmes silenciosos. Entretanto, até o fato de os intertítulos terem que ser traduzidos acabava por limitar o cinema, de certa forma a novíssima Arte.
Depois desta contextualização histórica do processo de evolução do cinema, surgiu um filme que buscava contornar e acabar com todas essas limitações. Em 1929, o cineasta soviético Dziga Vertov, que trabalhava para o governo bolchevique e era um dos preferidos de Lênin, realizou um dos filmes mais ambiciosos e influentes de toda a história do cinema. Um Homem Com Uma Câmera (Chelovek s kino-apparatom, 1929) tinha um objetivo claro (que, inclusive, é relatado por meio de texto logo no início do mesmo): ser o primeiro filme integralmente idealizado e realizado com abordagem puramente cinematográfica, se desvencilhando das artes literárias e teatrais de uma vez por todas e, enfim, criando o cinema puro, uma ideia que contém várias outras e, diga-se de passagem, a premissa base é umas das mais ambiciosas que o Cinema já se propôs. O filme não teria roteiro. Nem atores profissionais, pois não existem falas, o que torna o filme realmente universal e tornou-se um clássico, um dos maiores filmes de todos os tempos do Cinema, sendo eleito em 2012, pela influente revista britânica Sight & Sound, o oitavo maior filme de todos os tempos.
A premissa é simples. Um homem, munido de sua câmera, sai pelas ruas de algumas cidades russas documentando a vida das pessoas, englobando diversos aspectos e particularidades da vida urbana e da modernidade. Vertov nos proporciona um verdadeiro espetáculo visual. Trens, relógios, pessoas, carros, ruas, máquinas, indústrias. Tudo isso é jogado na tela de forma arrojada e formalmente bem organizada e orgânica. A montagem é genial. Contemporâneo de Eisenstein, Vertov entendia o poder que a edição das imagens proporciona para o resultado final. Pioneiro da superposição de quadros, o cineasta utilizou as mais variadas técnicas cinematográficas. A velocidade dos cortes, em determinados momentos, busca evidenciar o próprio aspecto temporal presente na sociedade moderna da Rússia Revolucionária e Bolchevique. Cortes rápidos entre operários e a atividade de trabalho que realizam mostram o ritmo alucinado que a vida das pessoas tomou. Ora, se o cinema é a arte do século XX, nada mais adequado para o cineasta dentro de sua premissa que documentasse, narrasse e refletisse sobre as peculiaridades de seu próprio tempo.
A Música também aparece na obra de Vertov. A trilha sonora de Um Homem Com Uma Câmera é tão importante para a experiência quanto às imagens. As composições foram criadas e conduzidas pela Alloy Oschestra, e foram compostas a partir de instruções do próprio Vertov. A música é fundamental para a delimitação dos diversos momentos do filme. É tranquila em cenas que envolvem bebês, e é agitada nos momentos que retratam o trabalho dos operários, por exemplo. O que prova o que os filósofos e poetas como Mallarmé afirmam é impossível viver sem música e nenhuma Arte é imune à Música, seja a Poesia, seja o Teatro, ou o Cinema, até aqui parece que Vertov teve que abrir mão do ‘cinema puro’. O filme de Vertov também é de importância para a história dos documentários, o uso de câmeras móveis e livres, além do fiel retrato da realidade, foi fundamental no desenvolvimento da concepção de documentários que reside na mente das pessoas até hoje. É importante destacar que, durante os anos 1920, na URSS, o cinema era controlado pelo Estado bolchevique, e tinha a finalidade de reforçar e difundir os ideais da ideologia socialista. Porém, durante essa década, os jovens cineastas do país ainda gozavam de liberdade para criarem e inovarem.
Foi nesse período que gênios como Eisenstein e o próprio Vertov surgiram. Com o passar do tempo, a liberdade que os diretores tinham foi sendo relativizada até ser limitada, e, praticamente destruída com a chegada de Stalin ao poder. Contudo, a década de 1920, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, continua sendo uma das mais importantes da história do cinema, com legado de inúmeros avanços técnicos e intelectuais. ”




Nenhum comentário:

Postar um comentário