Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Häxan, 1922, de Benjamin Christensen): realismo fantástico, drama-documental
Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Häxan, 1922, de Benjamin Christensen):
realismo fantástico, drama-documental:
Por Rafael Vespasiano.
“Benjamin
Christensen realizou em Häxan, uma obra pioneira e além do seu tempo. Considerado
um visionário, pela introdução de várias inovações fílmicas, em especial, em
termos visuais, e uma singular utilização da luz, Christensen é reconhecido
internacionalmente sobretudo por Häxan, uma fantástica travessia pelo
universo da bruxaria, narrada em estilo semidocumental. O rotundo fracasso
desta obra, idealizada entre 1919 e 1921, além de impedir o desenvolvimento de
uma idealizada trilogia sobre a história das superstições, hipotecou a carreira
de Christensen no seu país natal, a Dinamarca.
Häxan é uma tese cinematográfica sobre o fenômeno
histórico, social, religioso e psicológico da bruxaria e da feitiçaria, desde
os primórdios da civilização até ao início do século XX, 1922, mais
especificamente. A narração é feita na primeira pessoa, como se Christensen
quisesse comprovar sua tese, proposta desde o início do longa até ‘suas’
derradeiras palavras na narração final, do sétimo e último capítulo do filme.
Christensen
procura por em evidência o facto de a maior parte dos indivíduos suspeitos de
bruxaria e feitiçaria serem na realidade, vítimas de acusações injustas realizadas
de maneira injusta e causada pelo medo e a ignorância, ou ainda por pura inveja
e ódio mesquinhos, entre vizinhos, por exemplo, ou até entre parentes. Outras
vezes, as vítimas da caça às bruxas eram apenas pessoas que sofriam de
distúrbios psicológicos ou que estavam na miséria social, como os mendigos e os
sem-teto. Inclusive, muitas das vezes, as vítimas chegavam mesmo a delirar, a
ponto de não duvidarem que estavam, de fato, possuídos pelos demônios, devido
ao clima de histeria coletiva que dominava a sociedade, em especial o período medievo
da História da Civilização Ocidental.
Christensen
confronta-nos com a crueldade e o fanatismo religioso da caça às bruxas, em
particular, as práticas do Tribunal da Inquisição, colocando-se abertamente do
lado dos acusados, sem nunca se afastar de um certo rigor científico ou perder
de vista um claro sentido pedagógico e naturalista, mas de um realismo
maravilhoso marca toda obra no aspecto visual e na direção de fotografia do
longa. Häxan é uma mistura de documentário científico e
drama-documental, marcado por uma divisão do longa em sete capítulos -, (o
número da perfeição, por exemplo, porque o
peregrino do islã deve dar 7 voltas em torno da Caaba Sagrada (um ídolo); e, em
certo ritual, lança para trás de si 7 pedras, para afugentar o demônio; ou o
número 7 aparece claramente mais de 50 vezes em Gênesis e mais de 50 vezes em
Apocalipse. São os dois livros onde esse fenômeno numérico mais ocorre. Deve
haver uma razão bem profunda para isso. É fato que tudo aquilo que começa em
Gênesis tem a sua conclusão em Apocalipse. No livro do profeta Isaias Deus
declara que conhece o fim desde o princípio (Isaias 46.9-10; 48.3). Isto é, Ele
conhece o Apocalipse desde o Gênesis. Todas as histórias reais do livro de
Gênesis se parecem exatamente com certos acontecimentos que ocorreram na
História milhares de anos depois (e voltarão a ocorrer no futuro), relacionados
ao Plano de Deus..., superstições?!...) -, nesta divisão de capítulos
no filme, 3 são mais ‘documentais’, 3 são mais ‘ficcionalizados’, e um, é o
epílogo que mostra a conclusão da tese do cineasta, mostrando o misticismo e as
superstições e o ‘demoníaco’, no século XX.
Combinando
um realismo combativo e um imaginário delirante, a meio caminho entre Francisco
de Goya (as bruxas voando em vassouras) e Hieronymus Bosch (as imagens de
pesadelo do Inferno), Christensen constrói uma obra bizarra e excêntrica,
mescla de humor irônico, ora festivo (cf. os estudos do crítico literário e
filósofo Mikhail Bakhtin), e, perversidade, animada por uma sensualidade escancarada,
uma grande profusão de notações pictóricas e inesperados jogos de aparências,
num verdadeiro jogo lúdico analítico e interdiscursivo. Imagens, ideias,
situações, detalhes, são encenados com um profundo rigor técnico e uma
expressividade barroca. A utilização dramática da luz com contrastes entre luz
e sombras, os ambientes que causam claustrofobia no espectador.
Quando
estreou, Häxan foi recebido com severas críticas que vieram,
principalmente, de setores de diversas religiões, que condenaram as cenas,
demasiado explícitas para a época, de nudez, tortura e perversão sexual. Após
ter sido, durante décadas, censurado, proibido ou condenado, quer pelas
autoridades religiosas quer pelo poder político, Häxan passou de filme proibido
e ‘pária’ a ser cultuado internacionalmente e Christensen viu reconhecido todo
o seu valor como um dos grandes cineastas da primeira metade do século XX e que
influenciou diversos outros diretores de cinema, Benjamin Christensen é um
cineasta de valor importantíssimo e realizou um clássico, Häxan. ”
Nenhum comentário:
Postar um comentário