terça-feira, 8 de agosto de 2017

Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Häxan, 1922, de Benjamin Christensen): realismo fantástico, drama-documental

Häxan – A Feitiçaria Através dos Tempos (Häxan, 1922, de Benjamin Christensen): realismo fantástico, drama-documental:


Por Rafael Vespasiano.



“Benjamin Christensen realizou em Häxan, uma obra pioneira e além do seu tempo. Considerado um visionário, pela introdução de várias inovações fílmicas, em especial, em termos visuais, e uma singular utilização da luz, Christensen é reconhecido internacionalmente sobretudo por Häxan, uma fantástica travessia pelo universo da bruxaria, narrada em estilo semidocumental. O rotundo fracasso desta obra, idealizada entre 1919 e 1921, além de impedir o desenvolvimento de uma idealizada trilogia sobre a história das superstições, hipotecou a carreira de Christensen no seu país natal, a Dinamarca.



Häxan é uma tese cinematográfica sobre o fenômeno histórico, social, religioso e psicológico da bruxaria e da feitiçaria, desde os primórdios da civilização até ao início do século XX, 1922, mais especificamente. A narração é feita na primeira pessoa, como se Christensen quisesse comprovar sua tese, proposta desde o início do longa até ‘suas’ derradeiras palavras na narração final, do sétimo e último capítulo do filme.

Christensen procura por em evidência o facto de a maior parte dos indivíduos suspeitos de bruxaria e feitiçaria serem na realidade, vítimas de acusações injustas realizadas de maneira injusta e causada pelo medo e a ignorância, ou ainda por pura inveja e ódio mesquinhos, entre vizinhos, por exemplo, ou até entre parentes. Outras vezes, as vítimas da caça às bruxas eram apenas pessoas que sofriam de distúrbios psicológicos ou que estavam na miséria social, como os mendigos e os sem-teto. Inclusive, muitas das vezes, as vítimas chegavam mesmo a delirar, a ponto de não duvidarem que estavam, de fato, possuídos pelos demônios, devido ao clima de histeria coletiva que dominava a sociedade, em especial o período medievo da História da Civilização Ocidental.



Christensen confronta-nos com a crueldade e o fanatismo religioso da caça às bruxas, em particular, as práticas do Tribunal da Inquisição, colocando-se abertamente do lado dos acusados, sem nunca se afastar de um certo rigor científico ou perder de vista um claro sentido pedagógico e naturalista, mas de um realismo maravilhoso marca toda obra no aspecto visual e na direção de fotografia do longa. Häxan é uma mistura de documentário científico e drama-documental, marcado por uma divisão do longa em sete capítulos -, (o número da perfeição, por exemplo, porque o peregrino do islã deve dar 7 voltas em torno da Caaba Sagrada (um ídolo); e, em certo ritual, lança para trás de si 7 pedras, para afugentar o demônio; ou o número 7 aparece claramente mais de 50 vezes em Gênesis e mais de 50 vezes em Apocalipse. São os dois livros onde esse fenômeno numérico mais ocorre. Deve haver uma razão bem profunda para isso. É fato que tudo aquilo que começa em Gênesis tem a sua conclusão em Apocalipse. No livro do profeta Isaias Deus declara que conhece o fim desde o princípio (Isaias 46.9-10; 48.3). Isto é, Ele conhece o Apocalipse desde o Gênesis. Todas as histórias reais do livro de Gênesis se parecem exatamente com certos acontecimentos que ocorreram na História milhares de anos depois (e voltarão a ocorrer no futuro), relacionados ao Plano de Deus..., superstições?!...) -, nesta divisão de capítulos no filme, 3 são mais ‘documentais’, 3 são mais ‘ficcionalizados’, e um, é o epílogo que mostra a conclusão da tese do cineasta, mostrando o misticismo e as superstições e o ‘demoníaco’, no século XX.  



Combinando um realismo combativo e um imaginário delirante, a meio caminho entre Francisco de Goya (as bruxas voando em vassouras) e Hieronymus Bosch (as imagens de pesadelo do Inferno), Christensen constrói uma obra bizarra e excêntrica, mescla de humor irônico, ora festivo (cf. os estudos do crítico literário e filósofo Mikhail Bakhtin), e, perversidade, animada por uma sensualidade escancarada, uma grande profusão de notações pictóricas e inesperados jogos de aparências, num verdadeiro jogo lúdico analítico e interdiscursivo. Imagens, ideias, situações, detalhes, são encenados com um profundo rigor técnico e uma expressividade barroca. A utilização dramática da luz com contrastes entre luz e sombras, os ambientes que causam claustrofobia no espectador.




Quando estreou, Häxan foi recebido com severas críticas que vieram, principalmente, de setores de diversas religiões, que condenaram as cenas, demasiado explícitas para a época, de nudez, tortura e perversão sexual. Após ter sido, durante décadas, censurado, proibido ou condenado, quer pelas autoridades religiosas quer pelo poder político, Häxan passou de filme proibido e ‘pária’ a ser cultuado internacionalmente e Christensen viu reconhecido todo o seu valor como um dos grandes cineastas da primeira metade do século XX e que influenciou diversos outros diretores de cinema, Benjamin Christensen é um cineasta de valor importantíssimo e realizou um clássico, Häxan. ” 




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