Gauguin: Post 3 de 4: A Bretanha e as relações artísticas entre Gauguin e Van Gogh:
(Por Rafael Vespasiano).
No
próximo e terceiro post, abordaremos mais da fase bretã; a relação Gauguin e
Van Gogh. Para o último post, abordaremos o
tríptico do Cristo Amarelo; os retratos e autorretratos; as obras primas da
fase da Polinésia Francesa; o painel De
onde viemos? Quem somos Nós? Para Onde Estamos Indo?.; a fase final de Gauguin, sua decadência e
últimos autorretratos; as influências que Gauguin sofreu e a quem ele
influenciou nas Artes; este último tópico mais a passant, porém com referências
teóricas sempre, para embasar todos os quatro posts do projeto sobre Gauguin.
Gauguin
ao sair de Paris fugindo da burguesia que o oprimia de maneira muito
particular, como já abordamos anteriormente, em especial, no primeiro post,
procura um lugar para testar suas ideias na questão das artes ‘ancestrais’, no
caso de suas próprias origens e de maneira mais abrangente as origens
misteriosas do Cosmos. O artista viveu duas temporadas na Bretanha, neste
intervalo, conheceu a Martinica, no Caribe, que ocorreu entre a primeira
temporada na Bretanha em 1886 e a segunda que se deu em 1888. Pesquisando e
estudando desenvolveu uma extensa cultura artística e teórica sobre o
simbolismo dos ancestrais ritos bretões e a simples mas sublime esculturas
oceânicas. A busca verdadeira é a natureza humana não afetada por uma suposta
‘civilização’ pois esta comunidade ‘originária’ estar justamente na acidentada
costa da Bretanha, em suas vilas supostamente ‘exóticas’.
Mas
como representar a realidade que se apresenta para Gauguin diferente dos
impressionistas, que o artista repudia, ou seja não desejava o artista moderno
não copiar fielmente a natureza de acordo com suas ‘impressões’ do real, ele
decidiu-se preocupar mais com a criação do que com o resultado primoroso em
termos técnicos formais.
Entre
fevereiro e outubro de 1888, na segunda temporada na Bretanha, Gauguin colhe
enfim os resultados aprendidos com as tradições técnicas de Pissarro,
(pinceladas fortes), a simplicidade formal de Cézanne, a disposição pictórica
incomum de Degas, e, de novo a originalidade decorativa do Japão, mais o
contato com as cerâmicas e as lembranças do Peru e as viagens itinerantes pelos
mares do Caribe.
Quem
contribuiu ainda para a formação de sua técnica ‘bretã’ foi o artista e
intelectual Emile Bernard, este pensava a pintura como uma questão de ideias e
conceitos, que superasse o naturalismo realista do Impressionismo. Destas
reflexões conjuntas surgiu uma obra ímpar de Gauguin:
VISÃO APÓS O SERMÃO (JACÓ
EM LUTA COM O ANJO). 1888. Óleo sobre tela.
National Gallery off Scotland,
Edimburgo, Escócia.
A
pintura representa simbolicamente e sugestivamente uma realidade dual entre
veracidade e devaneio, fé e ceticismo. Este cenário de complexidade visual e
ideológica de uma cena sagrada, na qual o próprio Gauguin afirma que é um grupo
de bretões rezando vestidos de negro, o que reforça a intensidade dramática da
obra. As toucas brancas, à direita, se assemelham a dois capacetes
disformes; o galho da macieira púrpura
atravessa o quadro, com sua folhagem desenhada como nuvens verde-esmeralda; o
solo é vermelho de uma intensidade ímpar e pura.
Toda
esta composição visual e cromática reforça a intensidade dramática do conflito
entre o sagrado e o profano, que não tem fim, continua em devir na tela e na
observação do espectador, e, de uma maneira geral no Cosmos indefinadamente.
Gauguin consegue realizar uma obra pictórica universal que aborda a dualidade
dinâmica entre o divino e o diabólico.
Jacó
luta contra o Anjo, aquele está vestido de verde-garrafa, e o Anjo de azul. A
pintura fragmentada, faz o espectador seguir a visão dos bretões em direção à
cena dramática da luta entre o Anjo e Jacó. A curva da macieira delimita o real
da cena, da luta sagrada, mas ao mesmo tempo profana entre o Anjo e Jacó, na
sugestão pictórica de Gauguin, este duelo torna-se ao mesmo tempo também
real-devaneante. Uma visão do homem campesino com os olhos fechados em oração,
depois de ouvir o sermão sobre a passagem do Gênesis.
As
referências do pintor francês foram os lutadores de Hokusai e vitraiss
medievos, a Luta de Jacó com um Anjo, de
Delacroix, e a Martinica na escolha das cores saturadas e brilhantes.
LUTA DE JACÓ COM UM ANJO.
1850-1861.
Delacroix. Óleo e cera sobre parede.
Igreja
de Saint-Sulpice, Paris.
A
paisagem agreste da costa da Bretanha e do interior foi pesquisada e esmiuçada
por Gauguin durante os meses que passou em Pont-Aven. O contato direto com a
natureza não o leva ao retrato fidedigno das paisagens ao ar livre, o
antinaturalismo é que se sobressai. Assim o desequilíbrio da natureza e a
asperza da Bretanha faz Gauguin carregar nas cores de tons estridentes e
acentando o assimétrico e os conflitos duais da dinâmica do Cosmos e da
natureza. É isso que se percebe em:
PAISAGEM EM PONT-AVEN. 1888.
Óleo sobre tela.
Coleção
Privada.
Detalhe para as figuras das duas bretãs
camponesas que parecem afundar em um poço porque estão muito próximas do
espectador.
Gauguin
é um artista errante e que pesqusia seu ofício como poucos pintores, em suas viagens
e estudos, foi de Pont-Aven a Arles, de Arles de novo a Pont-Aven e Le Pouldu,
neste interim passsaram-se dois anos, de observações e pesquisas. A síntese foi
aos poucos progressiva a respeito de uma natureza que resulta em formas
geométricas, ambientes redzidos a cromatismo simplificado. A composição ganha
ritmo sugestivo de aabstrações de linhas e cores unidas e bastante saturadas. É
o que percebemos no óleo sobre tela As
Lavadeiras de Arles, de 1888. Estas lavadeiras arlesianas se assemelham na
cosmogonia de Gaugui às camponesas bretãs.
AS LAVADEIRAS DE
ARLES. 1888.
Óleo sobre tela.
Museu
de Arte Moderna, Nova York.
O
artista observa a cena e o espectador também sob vários pontos de vista: do
alto, do centro, do nível da grama. Quatro figuras reclinadas a lavar roupa no
riacho, o que leva o o observador a perceber no canto direito do quadro as
forrmas redondas das mulheres reclinadas e de diferentes cores em perfeita
sintonia e harmonia.
A
figura em pé teum um tom em escultural, de tão rígida e impostada, mais os
rostos de duas outras mulheres cortados na borda inferior da pintura. Outro
ponto de vista é o lado direito, a outra ponta do rio, habitado apenas por
campos, árvores e uma cabana, o que sugere um sentido de desorientação aos
observadores da pintura, uma pintura áspera
e com a cor verde variando em diversas tonalidades: de malva para
verdde-musgo, de ocre para esmeralda; mais escura e definida é a margem do rio
que lança uma sombra densa na água. Uma sombra que se torna de uma solidez
sugestiva e estilizada e antecipou as simplificações que a escola de Pont-Aven
transformaria em suas características entre pintores, artistas e obras do
movimento, do qual Gauguin, lógico, é o mestre.
Gauguin
passou, como dito nos posts anteriores, dois meses em Arles, em companhia de
Van Gogh em trabalhos artísticos, pesquisas sobre Artes e afins, pintura de
telas, debates sobre vários assuntos e uma amizade atribulada entre dois gênios
super-ativos e combativos e bastante geniosos e de ego inflamados o que leva-os
às vezes baterem de frente.
Mas
criativamente tamém foi bastante profícua a parceria, como percebe-se na tela
de Gauguin, Café em Arles à Noite (Madame
Ginoux), novembro de 1888. Gauguin logo começou a trabalhar quando chegou
em Arles em temas já pintados por Van Gogh. Cada pintura revela e desvela a
profunda diferença entre a visão e as pinceladas dos artistas, ao interpretarem
a realidade de uma forma radicalmente diversa.
O
café dirigido por madame Ginoux, à noite, na Place Lamartine, em Arles, é
retratado por Van Gogh, em três sessões noturnas, que revelam um ambiente
alucinado e visionário, feitas sob um ponto de vista elevado, em que o marelo
predomina quase a deslumbrar o espectador. Dois meses depois, gauguin elabora
uma composição mais sóbria, aproximada e em tons vermelhos.
Duas
visões da mesma cena e situação, alteerações da realidade, pois nenhuma delas
se propõe a ser fiel em strictu sensu
a realidade observada pelos dois artistas. O café de madame Ginoux tornou-se um
tipo de estudo para os ideais artísticos dos dois pintores, Gauguin e Van Gogh.
Vejamos
as diferenças entre as obras dos supracitados artistas plásticos:
CAFÉ EM ARLES À NOITE
(MADAME GINOUX): novembro de 1888. Óleo sobre tela.
Museu
Pushkin, Moscou.
Uma
obra mais sintética e econômica que a de Van Gogh, os campos de cromatismo
estão perfeitamente separados, as paredes são vermelhas, a mesa de sinuca é
verde, Madame Ginoux está de preto e branco, o sifão, de mármore branco, é
azul. Cada pessoa é simplificada e antes de ser uma personagem, ou objeto, é
uma forma colorida.
CAFÉ À NOITE NA PRALA LAMARTINE EM ARLES. Setembro
de 1888. Óleo sobre tela. Van Gogh.
Yale University Art Gallery,
New Haven, EUA.
Van
Gogh ofere uma visão diferente e oposta: ele utilizou o vermelho como tentativa
de explicar as paixões humanas; o ambiente/espaço é vermelhho-sangue e amarelo;
no meio há o verde da mesa de bilhar e as lâmpadas amarelo-limão, a irradiar e
sugerir uma luz laranja e verde; há uma constante luta cromática na tela entre
verdes e vermelhos diferentes, nas peqquenas personagens sonolentas, na sala
vazia e melancólica, há também o conflito entre o roxo e o azul.
Gauguin
e Van Gogh utilizam ambos uma perspectiva incomum e realizam uma pintura
resumida, não descritiva, mas sugestiva; a distinção entre as telas se dá na
cor e na característica das pinceladas.
Para
se perceber o vai-e-vem nas brigas e harmonias na amizade e relação artística
entre os dois pintores, Van Gogh pinta este óleo sobre tela que retrata a
Madame Ginoux, das pinturas do café em Arles, na praça Lamartine:
A ARLESIANA (POR PAUL
GAUGUIN). Van
Gogh. 1890.
Óleo sobre tela.
Galleria
d´Arte Moderna e Contemporanea, Roma.
Harmonias
e desarmonias na convivência entre dois gênios, tanto no pessoal quanto no artístico,
por fim, para fecharmos esta questão da vida artística/pessoal experenciada em
Arles, entre Van Gogh e Gauguin, vejamos os trabalhos, onde os dois artistas
estão mais dispostos a experimentar o procedimento do outro, num trabablho de
influências e re-invenções artísticas e plásticas, na busca de afirmar o próprio
estilo.
Enquanto
Van Gogh trata cromaticamente os seus trabalhos com estímulos de inspirações
românticas, extraídas diretamente da obsevação da natureza. Gauguin
reivindicava os seus próprios métodos, a saber: tratamento cromático mais
linear e articulado, à Cézanne, e a construção com maior equilíbrio entre
formas e espaços, numa proposta visual alternativa para Provença como já
verificarmos em alguns trabalhos mais acima e nos posts anteriores neste blog.
Percebe-se
o exposto no parágrafo anterior na pintura Les
Alyscamps (1888), um dos primeiros quadros da fase de Arles, eles têm
fortemente as tradições das pinceladas de Cézanne. São avenidas formdas por
ciprestes e alguns túmulos vazios, por onde caminham, no canal formado, três
figuras. Essa é uma visão bem serena e calma, contrasta com as versões
tormentosas e contemporâneas de Van Gogh. Se no uso das cores Gauguin resistia
em reconhecer a influência do amigo, em pinturas cujo tema era a miséria
humana, ele admitiu a influência involuntária que o guiou em sua fase bretã e
na Polinésia, com alegorias e metáforas que expressaram a paritr de então o
simbolismo sugestivo de Gauguin.
Les
Alyscamps.
Óleo sobre tela. 1888:
Coleção
Particular.
Les
Alyscamps.
Óleo sobre tela. Van Gogh. Novembro de 1888:
Coleção
Particular.
Gauguin
volta à Bretanha no verão de 1889, e inspirado pelas paisagens belíssimas, os
costumes tradicionais e as pessoas que o havaiam atraído em visitas anteriores,
Gauguin sempre afirmou que para fazer o novo deve-se voltar às origens e à infância da Humandidade. Por isso repele a Paris cosmopolita e
impressionista ocidental, para realizar
uma busca artística nas raízes dos cultos bretões, expressoas nas esculturas
românicas e góticas, nos vitrais e nas gravuras populares.
Em
Le Pouldu, neste período nasce o quadro Meninas
em Frente ao Mar:
Meninas
em Frente ao Mar. Óleo
sobre tela. 1889:
Museu
de Arte Ocidental, Tóquio, Japão.
Vê-se
duas crianças muito esculturais, simples e sintéticas nas pinceladas e com as
cabeças um tanto deformadas: as cabeças, as mãos e os pés são muito em relação
aos corpos, que parecem esculpidos em madeira, rígidos e mecânicos. Dando-lhes,
às figuras proporções monumentais em comparação com a colina, que se torna
apenas um fundo da visão simbólica-sugestiva. As meninas longe da tradição de
imagens simplesmente pueris, tornam-se gigantes, verdadeiros engimas fechadas
em seus rostos de aparente hostilidade, mas também de afabilidade, se
pernsarmos que estarmos tratados de questões da infância da Humanidade, numa
dualidade dinâmica entre pureza e impureza do Cosmos.
Flautista
sobra a Falésia. Óleo
sobre tela. 1889:
Indianapolis Museum of Art,
Indianápolis, EUA.
Neste
mundo, em que aparentemente sendo excluídas as duas figuras centrais da tela -,
o flautista e a mulher -, a imaagem seria totalmente abstrata, mas o
brilhantismo de Gauguin realiza uma obra em linhas alternadas e de direções
diferentes, mesmo que a força da cor seja poderosa a ponto de anular o efeito
de separação dos planos. Contudo, o morro, neste mundo pictórico-sugestivo,
pode ter tons de verde, laranja, rosa, prata, roxo. O artista realiza uma obra
ousada, pois leva o espectador a percorrer o ‘mundo’ do alto da tela, acima do
Abismo, até um lugar fora da tela. O flautista é uma referência sugestiva à
figura de Paul Cézanne. Mais um tom de brilhantismo desta obra-prima de
Gauguin.
REFERÊNCIAS
BILIOGRÁFICAS:
MAZZANTI, Anna e PRINCI, Eliana. Grandes Mestres: Pintores, vol. 8. Tradução
de Mônica Esmanhotto e Simone Esmanhotto. São Paulo: Abril, 2011.
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