(O Leito da Virgem, França, 1970,
Philippe Garrel):
“O Leito da Virgem não é uma história
bíblica do Novo Testamento, nem uma obra sobre Maria, Jesus ou Deus, mas um
filme de Philippe Garrel sobre as origens, o tudo e o nada do ser humano, o
começo e o fim da Humanidade, ou seja, o meio que é vida antes da morte que é
passagem para o Nada onde Tudo se inicia...
Esta
circularidade é perceptível quando o filme de Garrel começa com a cena em que
Jesus nasce no leito de Maria numa ponte sobre o mar, ele já nasce assustado e
horrorizado perante o caos da Humanidade envolta em guerras, destruição, ruínas
e crimes, buscando ouvir a voz de seu pai, Deus, a qual ele não consegue ouvir.
Maria tenta acalmá-lo e o manda em sua missão: redimir a humanidade. Porém,
será que ela o ouvirá? Ou ele não está pronto para ser ouvido? Pois, o que se
percebe é um movimento duplo: a Humanidade está perdida e Jesus o está tão
perdido quanto, em sua insegurança, imaturidade, em seu abandono, em sua
solidão, em sua depressão.
Maria
(Zouzou) e Maria Madalena (também interpretada por Zouzou) são faces da mesma
mulher, a mãe-virgem e a amante-prostituta -, (talvez uma proximidade com o
cineasta Jean Eustache, amigo de Garrel e uma das influências para seus filmes,
guardando as devidas peculiaridades de cada diretor e de cada obra, cita-se A Mãe e A Puta, dirigida por Eustache,
em 1973, que tanto em aspectos temáticos quanto em aspectos técnicos, tem similaridades
e particularidades com este filme garreliano e outros de sua lavra) -, faces da
mesma moeda, portanto duplos do “Bem-e-do-Mal” e do Divino-e-do-Profano”.
Filmado
em um preto-e-branco-scope terrivelmente e assombrosamente solitário e
angustiante O Leito da Virgem sugere
o caos humano, as ruínas das relações interpessoais, a alteridade em frangalhos
diante e meio a crimes e guerras de todos os tipos, espalhadas junto a todos os
tipos de males, quando da cena em que a Caixa de Pandora é aberta por Maria
Madalena, ou será que foi aberta por Maria?
Outra
cena emblemática dá-se quando Maria Madelena, ou talvez Maria, está grávida e
Jesus se abandona nas profundezas do mar revolto, abandonado desta forma, sua
amante ou mãe, ou as duas, e seu filho, da mesma forma que fora abandonado por
seu pai, Deus. Dessa maneira o filme é circular pois começa e termia, para iniciar
de novo com: nascimento, morte, abandono...
Mítico
também é o espaço e o tempo em que ocorrem as ações um tanto quanto episódicas
da obra garrelina, espaço e tempo indeterminados, dando um caráter parabólico,
porém pessimista e solitário da Humanidade, um teor atemporal, universal destes
seres humanos tão horríveis em sua beleza criadora e destrutiva ao mesmo tempo.
O leito do nascimento é também o leito da morte...
A
cruz de Jesus e também dos cineastas, dos artistas em geral, é saber da
incompreensão de seus atos e das suas obras, o abandono e a solidão, não são
somente de Jesus, porém de Garrel e de todos os artistas por consequência, e,
enfim, de todos nós-humanos. ”
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