(O Lobo do Mar, Jack London, 1904):
“É melhor reinar no inferno do que servir no céu. ”
(Paraíso Perdido,
Milton).
“O Lobo do Mar,
publicado originalmente no ano de 1904, é mais do que um romance de aventura,
em alguns momentos de extrema habilidade do romancista Jack London, desfilam na
obra páginas de aguçada análise psicológica, em que são estudadas as condições
humanas num microcosmos de embrutecimento das relações humanas.
Ghost
é uma embarcação náutica de caça às focas, que desperta receio e medo àqueles
que ouvem falar nela e em seu tirânico capitão Wolf Larsen; os que já fazem
parte da tripulação vivem em uma ambiência de pavor e constante atrito nas
relações com os companheiros de escuma, porém nunca levantam a voz para as atrocidades
cometidas por Larsen. Até o momento do resgate de um náufrago, Humphrey van
Weyden, um jovem intelectual, com pretensões a escritor. A partir deste
momento, aos poucos, em momentos de crescente tensão psicológica, as coisas começam
a tomar outros rumos.
O
confronto entre as duas personagens principais é o melhor do livro. Os antagonistas
Wolf Larsen e van Weyden iniciam um verdadeiro duelo em tentar convencer o
outro do que falta ao outro, ou do que está escondido no outro, buscando que o
outro revele a outra face de sua personalidade, até então adormecida.
Logo
no primeiro momento em que um marinheiro está sendo maltratado e este estando à
beira da morte, Humphrey percebe que o capitão da escuna se vale dos abusos físicos
contra os seus comandados como forma de manter o controle de todos e de todas
as situações em sua escuna. Larsen em nenhum momento perde o controle da situação,
sua força física é enorme e entre outros atributos de caráter, seu poder de persuasão
sobre os outros é gigantesco, evitando tentativas de confrontação a seu poder e
nem um motim, por ora é vislumbrado.
Larsen
apesar de tudo isso é uma autodidata formando intelectualmente na solidão de
suas leituras de Darwin, Nietzsche, Spencer, Johnson, Poe, Shakespeare, Milton,
entre outros clássicos científicos, filosóficos e literários ingleses e estadunidenses,
leituras, contudo deformadas no embrutecimento e na violência cotidiana que
vivenciou e vive no seu microcosmos, a escuna de caça à focas, Ghost.
Um
verdadeiro lobo de seus homens, física e psicologicamente os maltrata e os domina,
quer ser um demiurgo de seu microuniverso, o Diabo mandando em seu reino, daí a
leitura de Milton ser tão cara para Larsen, para ele a lei do mais forte é o
que vale. Até que a partir do resgate de Humphrey, a tomada de consciência de
Wolf, aos poucos e de maneira trágica que seja, vai acontecendo, pois ele
confrontado com os ideais humanitários e intelectuais do jovem burguês van
Weyden, percebe outro lado de sua personalidade até então não manifestada.
Humphrey
contudo aos poucos transforma-se em outro, o Hump da escuna Ghost, que aos
poucos percebe que nem só de leituras, de estudos e da tentativa em redigir seu
almejado livro, se resume a vida. Hump torna-se também forte fisicamente e
capaz de proezas de coragem e ousadia, transforma-se também em um ser pragmático,
cético, violento, às vezes até com rompantes para cometer o assassínio. Surge,
ainda uma outra personagem, Maud Brewster, uma jovem náufraga, resgatada também
pela escuna Ghost e que confere novas motivações e perspectivas à obra,
torna-se interesse amoroso de Hump, e interesse intelectual deste e também de
Wolf Larsen. A tensão é aumentada cada vez mais e irrompe em fatos que ninguém
pode controlar humanamente, e nem deliberadamente contornar no primeiro momento
em que surgiram.
O romance é filosófico no aspecto do
embate entre dois homens tão diferentes e tão semelhantes em suas idiossincrasias,
os dois antagonistas aos poucos tornam-se complementares um ao outro, os dois
têm bondade e maldade, ódio e simpatia, e todos os outros opostos da natureza
humana, que se complementam dinamicamente. Dessa forma ao fim e ao cabo do romance
tem-se a ideia do sentimento de compaixão, mesmo em meio à tragédia final. Contudo
o trágico é simultaneamente o início esperançoso de duas vidas unidas pelo amor,
na tessitura do próprio romance, O Lobo
do Mar.”
(Jack London).
Trechos
do romance na tradução de Daniel Galera:
"Acredito que a vida é uma
confusão - ele respondeu de imediato. - É como um levedo, um fermento, uma
coisa que se move e pode continuar se movendo por um minuto, uma hora, um ano
ou cem anos, mas que no fim vai parar de se mover. Os grandes devoram os pequenos
para que possam seguir se movendo, os fortes devoram os fracos para manter sua
força. E quem tem sorte devora mais e se move por mais tempo. Isso é tudo.
(...)"
"-
O homem é inconstante como os ventos e as correntes marítimas. Impossível
adivinhar o que ele vai fazer em seguida. Quando você começa a achar que o
conhece, quando começa a vê-lo com bons olhos e põe as velas pra vento a favor,
ele dá uma volta na sua frente, entra rasgando e arrebenta tudo."
"-
Ele nunca filosofou sobre a vida - acrescentei.
-
Não - respondeu Wolf Larsen, com um indescritível ar de tristeza. - E ele é
mais feliz assim, deixando a vida em paz. Está ocupado demais vivendo a vida
para pensar nela. O meu erro foi ter um dia aberto um livro."
"(...)
Apesar de minha esperança e fé na humanidade terem conseguido sobreviver às
críticas demolidoras de Wolf Larsen, ele tinha operado algumas transformações
menores em minha pessoa. Tinha aberto para mim o mundo real, que sempre me
causara receio e sobre o qual eu pouco sabia. Eu estava aprendendo a observar
mais de perto a maneira como a vida era vivida, a reconhecer que existia o que
se pode chamar de fatos do mundo, a emergir do reino da mente e das ideias e a
atribuir certos valores às fases concretas e objetivas da existência."
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
LONDON, Jack. O lobo do mar. Tradução: Daniel Galera. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
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