quinta-feira, 11 de junho de 2015

COMEÇO DE PRIMAVERA (YASUJIRO OZU, JAPÃO, 1956): (“O ETERNO RE-COMEÇAR DO SER HUMANO”)

COMEÇO DE PRIMAVERA (YASUJIRO OZU, JAPÃO, 1956):


(“O ETERNO RE-COMEÇAR DO SER HUMANO”):


(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).





Os filmes do cineasta nipônico Ozu tratam, essencialmente, sobre o cotidiano das relações familiares, interpessoais e amorosas, sobre a rotina da sociedade japonesa, ou seja, a mola propulsora de todos os filmes de Ozu é narrar e refletir sobre a existência humana em sua essência, seja individual e/ou em socialização, enfim, suas obras são sobre o Tudo e/ou o Nada: a VIDA.
Uma proposta fílmica ousada para qualquer artista (cineasta), mas que Ozu consegue realizar de maneira plena artisticamente, com simplicidade e humildade. Sua câmera sempre ao pé do chão, propõe, justamente, isso a equiparação do espectador aos personagens da trama que está sendo projetada, ou seja, somos todos humanos.
Ozu narra suas histórias sem pressa, calmamente e com sabedoria típica da filosofia oriental; o cotidiano e o enredo da trama passam como se passa o tempo cronológico e psicológico das nossas vidas reais, ou seja, sem que a gente se aperceba do seu passar, inexoravelmente e sempre contínuo devir. E com tantas reflexões que são feitas nos filmes de Ozu, e, portanto, sobre a existência e, assim sobre nossas rotineiras, mas irrepetíveis vidas.
No filme “Começo de primavera”, uma das reflexões é sobre o Japão do Pós-Segunda Guerra Mundial, abrindo-se para uma nova fase em sua existência como nação e o começo de sua industrialização e do trabalho assalariado, principalmente, para os homens, mas também para algumas mulheres. Outra parcela das mulheres continua como donas de casa ou em outras funções subservientes a um Japão ainda preso às tradições patriarcais e machistas.
Um casal vive aparentemente em harmonia, até o marido se envolver com uma colega de trabalho, que gera fuxicos entre seus colegas e amigos, o que já leva à reflexão sobre a amizade verdadeira; as fofocas chegam à esposa. No início do caso amoroso, a amante se diz satisfeita em ser a outra, mas, de repente, passa a odiar a esposa do amado. Exige algo sério, que o jovem assalariado não considera. O conflito está instaurado, mas é questionado e refletido sem estardalhaços, mas com parcimônia pelo diretor Ozu e com um enredo transcorrendo normalmente, sem pressa, como nossos os cotidianos e como o dia-a-dia das personagens da obra, ou seja, de todos nós.
Então, a obra fílmica descortina uma reflexão sobre o começo, o fim e o recomeço das relações amorosas, sobre o perdão, o mais nobre dos sentimentos humanos, a calma e paciência, sabedorias nipônicas, reflexões sobre o começo e o fim da vida, em termos de finitude terrena mesmo, mas sempre levando em conta questões existências, espirituais e metafísicas; outra proposta é pensar o filme sobre o seu caráter social, o começo primaveril da Tóquio, como uma megalópole, sua industrialização crescente, o trabalho assalariado como uma faca de dois gumes: ascensão social, mas nem sempre plenitude e harmonia existencial, amorosa e nem plena realização nas relações interpessoais (e até espirituais); a reconstrução do Japão também de certa forma abordada, depois da Guerra é sugerida e refletida em algumas cenas e diálogos.
Enfim, o “começo” a que o título se refere é o início da vida do ser humano em sua plenitude e paz interior e com os outros ao seu redor, ou até o re-começo de sua existência, basta também pensar na “primavera”: o re-início do ciclo da natureza e, portanto, também o começo e recomeço do ciclo existencial humano. O começo e o fim se complementam, mas a primavera sempre se fará existir e persistir, seja como começo, seja como recomeço dos ciclos da natureza ou da existência humana.

Ah, e as imagens frequentes dos trens indo-e-vindo em várias cenas do filme não são gratuitas, são espelhos reflexivos do início e reinício de todas as vidas, no cotidiano das existências humanas, no alvorecer, no anoitecer e no alvorecer de novo... Portanto, o que seria meramente rotineiro é a essência do ser humano. A deviniência do Cosmos é também nossa, pois estamos inseridos em todo esse imenso Universo de “re-começo(s)”.

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