CEMITÉRIO
DE ELEFANTES (DALTON
TREVISAN, 1ª EDIÇÃO: 1964)
(“A
PÓS-MODERNIDADE NOS CONTOS DE TREVISAN: HUMANOS SÃO ELEFANTES”.):
(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO)
“O
escritor Dalton Trevisan é um exímio contista, que capta aspectos da sociedade
pós-moderna, desde o início dos anos 1960, justamente a década que os
sociólogos registram e consideram como o início da Pós-Modernidade, por nós
vivida até hoje, vide os estudos de Bauman, Lyotard e Jamenson. O
pós-modernismo na literatura, mais especificamente na brasileira, é marcado por
um estilo de narração fragmentada, curta, personagens sem nome -, a maioria dos
narradores-personagens das obras de Trevisan não têm nome, no máximo alcunhas
dadas, por suas características psicológicas e/ou características pitorescas ou
caricatas -, pela violência gratuita, pela solidão das personagens, sem sentido
existencial, com tons melancólicos e niilistas, pelo yoyeurismo, pelo sensacionalismo
e pela sociedade do espetáculo, por vícios, como jogatina, cigarro, drogas
ilícitas, mas principalmente o álcool, etc.
O
estilo narrativo de Trevisan e, portanto, também de outros autores contemporâneos/pós-modernos
é evidenciado por tramas de violência, boêmia, vagabundagem, personagens sem
rumo, à deriva no mundo, sem objetivos ou sentido existencial, apenas
sobrevivendo dia-a-dia; solidão, taras, yoyeurismo, reflexões sobre a sociedade
do espetáculo (espetacularização midiática), sensacionalismo, desperdício, além
de personagens, que pouco valorizam suas vidas, e -, em diversos contos as
personagens observam outras personagens, dando importância a elas, mas -, de
maneira momentânea, rápida, desinteressada e imediatista, para inclusive,
depois, largar a personagem observada à beira da morte, se esta já não estiver
morta. Ou seja, pouco valor à vida humana; entre outras características que
encontramos na Literatura Pós-Moderna Brasileira, em especial, no caso desta
resenha, na obra Cemitério de elefantes, de
Dalton Trevisan.
O
conto “Angústia do Viúvo” mostra a rotina desinteressante e sem valor à sua
própria vida e de sua família, de um viúvo solitário, que não demonstra afeto
nem pela mãe e nem pelos filhos: “Já não bebe, repete o desafio. Com a morte da
mulher, entregou os filhos à dona Angelina. Cinco meses morou sozinho, sem
acender o fogo nem arrumar a cama.” (TREVISAN, 1997, p. 22). E o final do conto
é circular e mostra a rotina implacável à vida e angústia do viúvo, pois
termina do mesmo jeito e até com os mesmos vocábulos e frases que o conto
iniciou.
Já
o conto “O espião” é narrado por um yoyeur, que o narrador onisciente dá a
alcunha, justamente, de “o espião [que] espia” (Ibidem., p. 31); este observa
em sua atitude yoyeurística, um internato de freiras, onde meninas novas ficam
internas, estudam e estão também, algumas à espera de adoção. Ele observa a
chegada de um pai que veio deixar sua filha no convento: “Surpreendeu o pai
chegando com a menina pela mão. (...) A menina, quatro anos, miúda (...).”
(Ibidem., p. 31-32). O yoyeur ainda observa a despedida dolorosa para os dois,
à porta do casarão, na presença de uma freira, “Ajoelhou-se o homem, a menina
prendeu-lhe os bracinhos no pescoço, não queria deixa-lo sair. Sujeito duro,
ressentido pela traição, rompeu o abraço, a filha chorando no pátio.” (Ibidem.,
p. 32).
E
além de yoyeur, o “espião” tem uma imaginação fértil que preenche lacunas das
vidas do pai e da menina, da vida das internas e das freiras no convento, etc.,
tudo com o auxílio narrativo da onisciência do narrador.
O
conto seguinte é o estarrecedor “Uma vela para Dario”, que tem como trama os
últimos momentos de vida? de Dario, que “vem apressado, (...), dobra a esquina,
diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega, senta-se
na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o [seu] cachimbo”.
(Ibidem., p. 38). Os passantes dão e ao mesmo tempo não dão valor a esse
sujeito, Dario, indagam se está ou não bem, mas continuam seu caminho e seguem:
com comentários do tipo: a ele deve ter sofrido um ataque; uns tentam fazer
algo, abrindo espaço para ele respirar, ou afrouxando-lhe o colarinho e a
gravata, etc. O desfalecimento de Dario vira “sensação e motivo de “observação”
e “comentários” na rua. “Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o
pode ver. (...)”. (Ibidem., p. 39). De repente, o seu guarda-chuva e cachimbo
não estão mais ao seu lado. Roubaram o homem desfalecido, sem compaixão nem dó,
tal qual nossa sociedade contemporânea, como se afirmou mais acima.
Todos
comentam, mas ninguém chama um médico, uma ambulância, etc., até que Dario
morre. Apenas mais um transeunte que morre à beira da calçada, quase na
sarjeta, só “Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acede ao lado do
cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado
pela chuva.
Fecham-se
uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão.”
(Ibidem., p. 40). O narrador sem piedade (como nossa sociedade) percebe ‘O toco
de vela [que] apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.”
(ibidem., p. 41).
O
conto-título do livro publicado pela primeira vez, em 1964, tem, segundo o
crítico Fausto Cunha (Orelha do livro), o intuito de ressaltar que nós, seres
humanos, também somos paquidermes, que morrem também na solidão, as duas
espécies têm os seus dias de glória, mas, “No mais, são medíocres e pacíficos.”
(CUNHA, 1997, Orelha).
Portanto,
para o escritor Dalton Trevisan, os homens vivem sua “florestazinha particular,
num assombro. O homem e a mulher são animais que precisam de ternura e sonho, e
se alimentam de frustrações (...)”, (Ibidem., Orelha), constantes e sem
vislumbrar hoje ou amanhã melhores para si e para a humanidade.
Tais
quais as personagens do conto “Cemitério de elefantes”, que mostra bêbados,
vivendo à margem do rio, que se contentam com as sobras do mercado, vivendo no
mangue, feridos, com perebas, sem se queixar, dormindo sobre as raízes. No
lodo, eles estão, literalmente e metaforicamente, e dali não sairão jamais. Ali
vivem, morrerão e serão enterrados pelos seus bêbados companheiros, ou não,
podem ficar e, é mais provável, semienterrados no lodo do mangue.
Para
finalizar, ressaltar o importante trabalho de Poty que ilustra o livro, com
gravuras que enfatizam o conteúdo dos contos deste excelente escritor
brasileiro, que transcende o país e torna-se um dos maiores contistas da Língua
Portuguesa, com textos de caráter universal, para este resenhista, Trevisan
será lido daqui a cem anos, por isso mesmo já é um “clássico pós-moderno”, se assim
se pode afirmar.”
·
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
TREVISAN, Dalton. Cemitério
de elefantes. Rio de Janeiro: Record, 1997.
·
BIBLIOGRAFIA
PASSIVA:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
---------------------------. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
---------------------------. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1998.
--------------------------. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1999.
LYOTARD,
Jean-François. A condição pós-moderna.
Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
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