segunda-feira, 3 de agosto de 2015

CEMITÉRIO DE ELEFANTES (DALTON TREVISAN, 1ª EDIÇÃO: 1964): (“A PÓS-MODERNIDADE NOS CONTOS DE TREVISAN: HUMANOS SÃO ELEFANTES”.)

CEMITÉRIO DE ELEFANTES (DALTON TREVISAN, 1ª EDIÇÃO: 1964)

(“A PÓS-MODERNIDADE NOS CONTOS DE TREVISAN: HUMANOS SÃO ELEFANTES”.):

(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO)



“O escritor Dalton Trevisan é um exímio contista, que capta aspectos da sociedade pós-moderna, desde o início dos anos 1960, justamente a década que os sociólogos registram e consideram como o início da Pós-Modernidade, por nós vivida até hoje, vide os estudos de Bauman, Lyotard e Jamenson. O pós-modernismo na literatura, mais especificamente na brasileira, é marcado por um estilo de narração fragmentada, curta, personagens sem nome -, a maioria dos narradores-personagens das obras de Trevisan não têm nome, no máximo alcunhas dadas, por suas características psicológicas e/ou características pitorescas ou caricatas -, pela violência gratuita, pela solidão das personagens, sem sentido existencial, com tons melancólicos e niilistas, pelo yoyeurismo, pelo sensacionalismo e pela sociedade do espetáculo, por vícios, como jogatina, cigarro, drogas ilícitas, mas principalmente o álcool, etc.

O estilo narrativo de Trevisan e, portanto, também de outros autores contemporâneos/pós-modernos é evidenciado por tramas de violência, boêmia, vagabundagem, personagens sem rumo, à deriva no mundo, sem objetivos ou sentido existencial, apenas sobrevivendo dia-a-dia; solidão, taras, yoyeurismo, reflexões sobre a sociedade do espetáculo (espetacularização midiática), sensacionalismo, desperdício, além de personagens, que pouco valorizam suas vidas, e -, em diversos contos as personagens observam outras personagens, dando importância a elas, mas -, de maneira momentânea, rápida, desinteressada e imediatista, para inclusive, depois, largar a personagem observada à beira da morte, se esta já não estiver morta. Ou seja, pouco valor à vida humana; entre outras características que encontramos na Literatura Pós-Moderna Brasileira, em especial, no caso desta resenha, na obra Cemitério de elefantes, de Dalton Trevisan.

O conto “Angústia do Viúvo” mostra a rotina desinteressante e sem valor à sua própria vida e de sua família, de um viúvo solitário, que não demonstra afeto nem pela mãe e nem pelos filhos: “Já não bebe, repete o desafio. Com a morte da mulher, entregou os filhos à dona Angelina. Cinco meses morou sozinho, sem acender o fogo nem arrumar a cama.” (TREVISAN, 1997, p. 22). E o final do conto é circular e mostra a rotina implacável à vida e angústia do viúvo, pois termina do mesmo jeito e até com os mesmos vocábulos e frases que o conto iniciou.

Já o conto “O espião” é narrado por um yoyeur, que o narrador onisciente dá a alcunha, justamente, de “o espião [que] espia” (Ibidem., p. 31); este observa em sua atitude yoyeurística, um internato de freiras, onde meninas novas ficam internas, estudam e estão também, algumas à espera de adoção. Ele observa a chegada de um pai que veio deixar sua filha no convento: “Surpreendeu o pai chegando com a menina pela mão. (...) A menina, quatro anos, miúda (...).” (Ibidem., p. 31-32). O yoyeur ainda observa a despedida dolorosa para os dois, à porta do casarão, na presença de uma freira, “Ajoelhou-se o homem, a menina prendeu-lhe os bracinhos no pescoço, não queria deixa-lo sair. Sujeito duro, ressentido pela traição, rompeu o abraço, a filha chorando no pátio.” (Ibidem., p. 32).

E além de yoyeur, o “espião” tem uma imaginação fértil que preenche lacunas das vidas do pai e da menina, da vida das internas e das freiras no convento, etc., tudo com o auxílio narrativo da onisciência do narrador.

O conto seguinte é o estarrecedor “Uma vela para Dario”, que tem como trama os últimos momentos de vida? de Dario, que “vem apressado, (...), dobra a esquina, diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega, senta-se na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o [seu] cachimbo”. (Ibidem., p. 38). Os passantes dão e ao mesmo tempo não dão valor a esse sujeito, Dario, indagam se está ou não bem, mas continuam seu caminho e seguem: com comentários do tipo: a ele deve ter sofrido um ataque; uns tentam fazer algo, abrindo espaço para ele respirar, ou afrouxando-lhe o colarinho e a gravata, etc. O desfalecimento de Dario vira “sensação e motivo de “observação” e “comentários” na rua. “Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. (...)”. (Ibidem., p. 39). De repente, o seu guarda-chuva e cachimbo não estão mais ao seu lado. Roubaram o homem desfalecido, sem compaixão nem dó, tal qual nossa sociedade contemporânea, como se afirmou mais acima.

Todos comentam, mas ninguém chama um médico, uma ambulância, etc., até que Dario morre. Apenas mais um transeunte que morre à beira da calçada, quase na sarjeta, só “Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acede ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão.” (Ibidem., p. 40). O narrador sem piedade (como nossa sociedade) percebe ‘O toco de vela [que] apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.” (ibidem., p. 41).

O conto-título do livro publicado pela primeira vez, em 1964, tem, segundo o crítico Fausto Cunha (Orelha do livro), o intuito de ressaltar que nós, seres humanos, também somos paquidermes, que morrem também na solidão, as duas espécies têm os seus dias de glória, mas, “No mais, são medíocres e pacíficos.” (CUNHA, 1997, Orelha).

Portanto, para o escritor Dalton Trevisan, os homens vivem sua “florestazinha particular, num assombro. O homem e a mulher são animais que precisam de ternura e sonho, e se alimentam de frustrações (...)”, (Ibidem., Orelha), constantes e sem vislumbrar hoje ou amanhã melhores para si e para a humanidade.

Tais quais as personagens do conto “Cemitério de elefantes”, que mostra bêbados, vivendo à margem do rio, que se contentam com as sobras do mercado, vivendo no mangue, feridos, com perebas, sem se queixar, dormindo sobre as raízes. No lodo, eles estão, literalmente e metaforicamente, e dali não sairão jamais. Ali vivem, morrerão e serão enterrados pelos seus bêbados companheiros, ou não, podem ficar e, é mais provável, semienterrados no lodo do mangue.

Para finalizar, ressaltar o importante trabalho de Poty que ilustra o livro, com gravuras que enfatizam o conteúdo dos contos deste excelente escritor brasileiro, que transcende o país e torna-se um dos maiores contistas da Língua Portuguesa, com textos de caráter universal, para este resenhista, Trevisan será lido daqui a cem anos, por isso mesmo já é um “clássico pós-moderno”, se assim se pode afirmar.”




·         REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

TREVISAN, Dalton. Cemitério de elefantes. Rio de Janeiro: Record, 1997.

·         BIBLIOGRAFIA PASSIVA:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
---------------------------. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
---------------------------. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
--------------------------. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.

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