domingo, 23 de fevereiro de 2020

(A Mãe e a Puta, França, 1973, Jean Eustache): (A natureza humana desnuda-se)


(A Mãe e a Puta, França, 1973, Jean Eustache):
(A natureza humana desnuda-se):


“A Mãe e a Puta é um filme composto essencialmente por diálogos, mas não de maneira excessiva, é dialogado como é a vida -, ou como esta deveria ser -, Jean Eustache não apresenta estripulias em termos de efeitos especiais, por exemplo, porém presenteia os espectadores com roteiro e diálogos extremamente inteligentes, perspicazes e demasiadamente humanos.
O filme em uma de suas reflexões contempla as transições amorosas: o relacionamento de Alexandre (Jean-Pierre Léaud) e Gilberte (Isabelle Weingarten) já deteriorado; a relação de Alexandre e Marie (Bernadette Lafont), sua companheira, este casal que supostamente tem um relacionamento aberto; e, o início da relação amorosa entre Alexandre e Veronika (Françoise Lebrun). Ele é um chauvinista, ciumento, de tamanha intransigência em seus pensamentos e com falas às vezes grandiloquentes, em que demonstra cinismo, crueldade, melancolia e desesperança ante a Paris, França, do Pós-68, em um certo confronto entre o Idealismo do final da década de 1960 e a constatação do início da década seguinte de que as coisas não mudaram tanto assim para a sociedade em geral, talvez aqui valha a citação irônica que a personagem de Alexandre faz em referência ao filme de Elio Petri, A Classe Operária Vai ao Paraíso. 
Em uma cena interessantíssima, a personagem de Léaud está ouvindo um disco de Edith Piaf e folheando um volume de Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, neste romance temos uma reflexão sobre a passagem do Tempo e questões relativas a memória. Nesta cena do filme de Eustache há um paralelo entre a obra literária e a canção cantada por Piaf no que se refere a questão da “memória involuntária” e dos amores já vividos por Alexandre, deixando Gilberte para o passado e passando a se relacionar com Veronika.
Alexandre vive de maneira ociosa pelos cafés parisienses sempre a flertar com diversas mulheres até que conhece Veronika, uma enfermeira aberta em suas relações amorosas. A partir de então o cineasta-roteirista Eustache desenvolve com ternura, lucidez e até momentos de loucura as relações de Alexandre-Marie-Veronika. Os locais em que as cenas se passam são os próprios cafés de Paris, os apartamentos e os edifícios antigos, os restaurantes e as ruas da cidade. Em uma cena em que Alexandre fala das “transições” dos filmes do cineasta Murnau, estamos em uma própria “transição, entre os trens para o campo e do outro lado a cidade de Paris, e o casal Alexandre e Veronika ao centro em um restaurante, a cena inclusive marca a transição do fim da relação entre Gilberte e Alexandre e o início da dele com Veronika. Temos, assim, uma espécie de parábase, metaficção, metafilme, em que uma personagem, no caso, indiretamente, reflete sobre a própria arte, assim Alexandre parece dar voz ao realizador Jean Eustache. 
Em outra cena memorável a personagem interpretada por Léaud se “desnuda” sem óculos escuros olhando para a personagem de Veronika, olhando diretamente para a câmera, enfim a “desnudar-se” para todos, depois coloca os óculos escuros em atitude de recolhimento.
Nas relações amorosas de Alexandre temos três personagens femininas: Gilberte, a pudica; Marie, a companheira, uma espécie de esposa, para amar o seu companheiro apesar de tudo; e, Veronika, a mulher que vive sua vida sem se preocupar com que os outros pensam quanto à sua sexualidade, a que a sociedade machista chama de “puta”.
No filme diferente do que se poderia imaginar não há improvisação nas falas por parte dos atores, mas é tão natural como elas se desenvolvem, como os diálogos se desenrolam tão críveis, quanto à própria vida. Enfim, a obra é tão humana, em sua contemplação sobre as relações amorosas, em sua reflexão sobre a condição e a natureza do ser humano, tais quais as canções de Edith Piaf que tocam no filme. ”

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