(A Mãe e a Puta, França,
1973, Jean Eustache):
(A
natureza humana desnuda-se):
“A Mãe e a Puta é
um filme composto essencialmente por diálogos, mas não de maneira excessiva, é
dialogado como é a vida -, ou como esta deveria ser -, Jean Eustache não
apresenta estripulias em termos de efeitos especiais, por exemplo, porém
presenteia os espectadores com roteiro e diálogos extremamente inteligentes,
perspicazes e demasiadamente humanos.
O
filme em uma de suas reflexões contempla as transições amorosas: o
relacionamento de Alexandre (Jean-Pierre Léaud) e Gilberte (Isabelle
Weingarten) já deteriorado; a relação de Alexandre e Marie (Bernadette Lafont),
sua companheira, este casal que supostamente tem um relacionamento aberto; e, o
início da relação amorosa entre Alexandre e Veronika (Françoise Lebrun). Ele é
um chauvinista, ciumento, de tamanha intransigência em seus pensamentos e com
falas às vezes grandiloquentes, em que demonstra cinismo, crueldade, melancolia
e desesperança ante a Paris, França, do Pós-68, em um certo confronto entre o
Idealismo do final da década de 1960 e a constatação do início da década seguinte
de que as coisas não mudaram tanto assim para a sociedade em geral, talvez aqui
valha a citação irônica que a personagem de Alexandre faz em referência ao
filme de Elio Petri, A Classe Operária
Vai ao Paraíso.
Em
uma cena interessantíssima, a personagem de Léaud está ouvindo um disco de Edith
Piaf e folheando um volume de Em Busca do
Tempo Perdido, de Marcel Proust, neste romance temos uma reflexão sobre a
passagem do Tempo e questões relativas a memória. Nesta cena do filme de
Eustache há um paralelo entre a obra literária e a canção cantada por Piaf no
que se refere a questão da “memória involuntária” e dos amores já vividos por
Alexandre, deixando Gilberte para o passado e passando a se relacionar com
Veronika.
Alexandre
vive de maneira ociosa pelos cafés parisienses sempre a flertar com diversas
mulheres até que conhece Veronika, uma enfermeira aberta em suas relações
amorosas. A partir de então o cineasta-roteirista Eustache desenvolve com
ternura, lucidez e até momentos de loucura as relações de Alexandre-Marie-Veronika.
Os locais em que as cenas se passam são os próprios cafés de Paris, os apartamentos
e os edifícios antigos, os restaurantes e as ruas da cidade. Em uma cena em que
Alexandre fala das “transições” dos filmes do cineasta Murnau, estamos em uma própria
“transição, entre os trens para o campo e do outro lado a cidade de Paris, e o
casal Alexandre e Veronika ao centro em um restaurante, a cena inclusive marca
a transição do fim da relação entre Gilberte e Alexandre e o início da dele com
Veronika. Temos, assim, uma espécie de parábase, metaficção, metafilme, em que
uma personagem, no caso, indiretamente, reflete sobre a própria arte, assim
Alexandre parece dar voz ao realizador Jean Eustache.
Em
outra cena memorável a personagem interpretada por Léaud se “desnuda” sem
óculos escuros olhando para a personagem de Veronika, olhando diretamente para
a câmera, enfim a “desnudar-se” para todos, depois coloca os óculos escuros em
atitude de recolhimento.
Nas
relações amorosas de Alexandre temos três personagens femininas: Gilberte, a
pudica; Marie, a companheira, uma espécie de esposa, para amar o seu
companheiro apesar de tudo; e, Veronika, a mulher que vive sua vida sem se
preocupar com que os outros pensam quanto à sua sexualidade, a que a sociedade
machista chama de “puta”.
No
filme diferente do que se poderia imaginar não há improvisação nas falas por
parte dos atores, mas é tão natural como elas se desenvolvem, como os diálogos se
desenrolam tão críveis, quanto à própria vida. Enfim, a obra é tão humana, em
sua contemplação sobre as relações amorosas, em sua reflexão sobre a condição e
a natureza do ser humano, tais quais as canções de Edith Piaf que tocam no filme.
”
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