(Face
a Face, Ingmar
Bergman, 1976):
(Um
tour de force pela alma humana):
“Como
em quase toda sua filmografia, o cineasta Ingmar Bergman analisa e disseca
psicologicamente suas personagens, estas servem como simulacros da vida humana
e das relações interpessoais. A direção de Bergman quase sempre impecável
aliada aos seus roteiros coesos, universais e atemporais promovem um verdadeiro
tour de force pelas profundezas da psique
humana.
Face a Face,
de 1976, é mais um exemplo magistral do exposto até aqui. Jenny (Liv Ullmann,
estupenda em mais uma obra dirigida pelo realizador sueco) é uma pessoa que
como qualquer outra vive suas contradições, a eterna dualidade dinâmica dos
seres humanos: ora com traços de sensatez, ora não; em alguns momentos lúcida,
em outros tantos momentos, desvairada; algumas vezes cordial, outras nem tanto;
ora sã, outras tantas ensandecida. Tudo isso está cada vez mais à prova quando
ela acaba por iniciar sua busca de autoconhecimento. Jenny forçosamente a
inicia para tentar se encontrar consigo mesma e, posteriormente, com os outros,
pois é imperioso esse re-conhecer-se, já que algumas questões em sua vida
pessoal, profissional e familiar foram questionadas e colocadas à prova por
outros e em especial por si mesma. Reforçando que a jornada da protagonista
quase nunca a confronta com outras personagens e-ou situações, são poucas as vezes
que isso acontece.
Jenny
é uma psiquiatra, casada e que vai passar uns tempos na casa dos avós, quando o
esposo viaja para um congresso e a filha vai para um acampamento de férias. A
partir daí inicia-se sua ressignificação como pessoa, não antes de ir à beira
da loucura, mas que se faz tão necessária para entender-se. Jenny sente-se
solitária e abandonada por todos, devastada psicologicamente, em depressão, ela
passa também a questionar a importância da família e a presença e a iminência
da morte.
Todos
esses questionamentos humanos e reflexões existenciais, a busca da personagem
Jenny em reencontrar-se, ou seja, a sondagem psicológica será realizada através
de um roteiro estupendo de Bergman e por sua direção magistral no uso das cores
e da montagem. O filme tem duas partes bem distintas ou bem destacadas de 1h
cada, a primeira os fatos do enredo em si e a segunda a viagem onírica em busca
de si mesma. Essa questão da divisão fílmica não é marcada por capítulos ou
marcas do gênero, porém pelo uso das cores, na primeira são usadas cores
sóbrias (bege e marrom), na segunda cores vivas (vermelho, predominantemente);
quanto à montagem, fotografia em planos mais abertos com poucos closes na
primeira parte, já na segunda tem-se o
uso do close preferencialmente nas cenas, nas quais Jenny é filmada em
zoom in, com a câmera bem próxima de sua face, ressaltando as expressões do
rosto da personagem e todos sentimentos e sensações que está vivendo e pelas
quais está passando, em seu tour de
force.
O
fotógrafo é mais uma vez Sven Nykvist, colaborador habitual de Bergman, ele
preenche a tela com sombras, isso se reflete no cenário e na captação da face
de Jenny, especialmente nos momentos de maior angústia e dor, os olhos de Ullmann
estão totalmente cobertos pela escuridão. Bergman, alternando sonho e lucidez,
sanidade e loucura, realidade e delírio, conduz o espectador nesta sondagem da
alma humana sempre em vertigem. De tudo isso, percebe-se a universalidade, a
atemporalidade dos filmes de Bergman.
Face a Face,
o filme, em sua última cena, acaba mais uma vez ressaltando as nossas incertezas;
nós, espectadores somos deixados à deriva em nossa maior angústia, qual seja, o
nosso eterno e amargurado confrontar-se. Enfim, a “face a face” começa. ”
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