sábado, 8 de fevereiro de 2020

(Face a Face, Ingmar Bergman, 1976): (Um tour de force pela alma humana)


(Face a Face, Ingmar Bergman, 1976):
(Um tour de force pela alma humana):

“Como em quase toda sua filmografia, o cineasta Ingmar Bergman analisa e disseca psicologicamente suas personagens, estas servem como simulacros da vida humana e das relações interpessoais. A direção de Bergman quase sempre impecável aliada aos seus roteiros coesos, universais e atemporais promovem um verdadeiro tour de force pelas profundezas da psique humana.
Face a Face, de 1976, é mais um exemplo magistral do exposto até aqui. Jenny (Liv Ullmann, estupenda em mais uma obra dirigida pelo realizador sueco) é uma pessoa que como qualquer outra vive suas contradições, a eterna dualidade dinâmica dos seres humanos: ora com traços de sensatez, ora não; em alguns momentos lúcida, em outros tantos momentos, desvairada; algumas vezes cordial, outras nem tanto; ora sã, outras tantas ensandecida. Tudo isso está cada vez mais à prova quando ela acaba por iniciar sua busca de autoconhecimento. Jenny forçosamente a inicia para tentar se encontrar consigo mesma e, posteriormente, com os outros, pois é imperioso esse re-conhecer-se, já que algumas questões em sua vida pessoal, profissional e familiar foram questionadas e colocadas à prova por outros e em especial por si mesma. Reforçando que a jornada da protagonista quase nunca a confronta com outras personagens e-ou situações, são poucas as vezes que isso acontece.
Jenny é uma psiquiatra, casada e que vai passar uns tempos na casa dos avós, quando o esposo viaja para um congresso e a filha vai para um acampamento de férias. A partir daí inicia-se sua ressignificação como pessoa, não antes de ir à beira da loucura, mas que se faz tão necessária para entender-se. Jenny sente-se solitária e abandonada por todos, devastada psicologicamente, em depressão, ela passa também a questionar a importância da família e a presença e a iminência da morte.
Todos esses questionamentos humanos e reflexões existenciais, a busca da personagem Jenny em reencontrar-se, ou seja, a sondagem psicológica será realizada através de um roteiro estupendo de Bergman e por sua direção magistral no uso das cores e da montagem. O filme tem duas partes bem distintas ou bem destacadas de 1h cada, a primeira os fatos do enredo em si e a segunda a viagem onírica em busca de si mesma. Essa questão da divisão fílmica não é marcada por capítulos ou marcas do gênero, porém pelo uso das cores, na primeira são usadas cores sóbrias (bege e marrom), na segunda cores vivas (vermelho, predominantemente); quanto à montagem, fotografia em planos mais abertos com poucos closes na primeira parte, já na segunda tem-se o  uso do close preferencialmente nas cenas, nas quais Jenny é filmada em zoom in, com a câmera bem próxima de sua face, ressaltando as expressões do rosto da personagem e todos sentimentos e sensações que está vivendo e pelas quais está passando, em seu tour de force.
O fotógrafo é mais uma vez Sven Nykvist, colaborador habitual de Bergman, ele preenche a tela com sombras, isso se reflete no cenário e na captação da face de Jenny, especialmente nos momentos de maior angústia e dor, os olhos de Ullmann estão totalmente cobertos pela escuridão. Bergman, alternando sonho e lucidez, sanidade e loucura, realidade e delírio, conduz o espectador nesta sondagem da alma humana sempre em vertigem. De tudo isso, percebe-se a universalidade, a atemporalidade dos filmes de Bergman.
Face a Face, o filme, em sua última cena, acaba mais uma vez ressaltando as nossas incertezas; nós, espectadores somos deixados à deriva em nossa maior angústia, qual seja, o nosso eterno e amargurado confrontar-se. Enfim, a “face a face” começa. ”

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