(“BEPPO: UMA HISTÓRIA VENEZIANA, LORD
BYRON, 1818”):
(“BEPPO: UMA ANTECIPÇÃO DE DON JUAN; A OITAVA-RIMA SATÍRICA; A FASE
MADURA DE BYRON”):
(CRÍTICA
POR RAFAEL VESPASIANO)
Preâmbulos:
À
luz desesperante a fronte dos humanos
Tinha
um aspecto não terreno, se espamódicos
Neles
batiam os clarões; alguns, por terra,
Escondiam
chorando os olhos; apoiavam
Outros
o queixo às mãos fechadas, e sorriam;
Muitos
corriam para lá e para cá,
Alimentando
a pira, e a vista levantavam
Com
doida inquietação para o trevoso céu,
A
mortalha de um mundo extinto; (...)
(“Trevas”,
Byron).
“Beppo: uma história veneziana ”, obra
escrita em 1817, por Lord Byron. O escritor que foi idolatrado e reconhecido em
vida, tanto na Inglaterra, Europa, quanto no Brasil, por exemplo, em especial
entre os poetas românticos do mal-do-século. Porém, após as primeiras décadas
do século XX, os movimentos do Modernismo Literário e Artístico, segundo Pulo
Henriques Britto (2014), viram Byron como um anacronismo. “Sua postura retórica,
seus excessos sentimentais, sua linguagem bombástica, seu convencionalismo
formal pareciam falsos e vazios” (BYRON, 2014, p. 12).
Contudo,
nada foi mais prejudicial para o status literário de Byron, que a visão
modernista teórica de Lírica, que via esta como forma da qual o poeta soubesse “explorar
os recursos do idioma com virtuosismo” (Idem).
O lírico-poético é tão indissolúvel no idioma, da mesma maneira que o
significado e a semântica do poema está ligada à individualidade da experiência
subjetiva do poeta, trabalhada em um pensar poético e num poetizar pensante.
“Forma
justamente esses os valores que a crítica anglo-saxônica moderna encontrou em
Blake, Wordsworth, Coleridge, Shelley e Keats – e não achou na obra de Byron,
contemporâneo deles.” (Ibidem., p.
13). Basta mencionar os estudos pioneiros do início do século XX, de M. H.
Abrams, em sua obra-prima teórica literária O
espelho e a lâmpada, que também vai ao encontro dos estudos daqueles e do
tradutor e estudioso de Lord Byron, no Brasil, Paulo Henriques Britto.
Contudo,
em contraste ao poeta ilegível, do ultrarromantismo, há segundo, Britto (2014),
um outro Byron, “O Byron da maturidade, autor de três poemas satíricos – Beppo, The Vison of Judgment e Don Juan – que, embora em seu tempo não
tenham alcançado a popularidade das narrativas românticas, (...), hoje têm seu
mérito reconhecido pela crítica.” (Idem).
Em
especial, Don Juan, considerado por
muitos uma obra-prima. É quase impossível dissociar vida pessoal do autor da
sua obra literária, por isso por parte da crítica literária considerar suas
cartas e diários, “o que há de melhor em Byron, ao lado dos três grandes poemas
satíricos da maturidade.” (Idem). Para
Britto: “Byron é um excelente escritor, talvez até um grande escritor, mas não
um grande poeta. Suas virtudes são essencialmente as de um bom prosador.” (Ibidem., p. 14).
O
escritor do século XIX, portanto, utiliza a poesia como suporte para a
narrativa, a exposição detalhada e os argumentos irônicos e sarcásticos. Os
poemas dramáticos de Byron, por exemplo, foram escritos para serem lidos e não
encenados, como ele mesmo adverte. Para a crítica literária atual, que se
propõe a analisar a obra per si, em
que o psicologismo do autor é desconsiderado; a biografia do autor não é
considerada para análise da sua obra literária.
Mas,
então Byron, que se não conhecêssemos sua vida e o que ele representou (e
representa) para a vida artística ocidental durante um século, seus escritos
teriam uma significância e importância menores. Porém, sabemos que Lord Byron
foi e representou (a) com sua obra, ao menos um valor histórico-literário
inegável. Por isso devemos ver sua obra de uma forma que:
Se
sua vida e sua obra estão indissoluvelmente ligadas, parece razoável encará-las
como um todo orgânico. Nada poderia ser mais alheio aos preceitos da crítica
atual, mas talvez um autor tão fora de moda, tão distante das concepções
contemporâneas de poesia, só possa ser mesmo ser apreendido desse modo. (BYRON,
2014, p. 15).
BEPPO: UMA ANTECIPÇÃO DE
DON JUAN:
Ah!
Tivesse uma pena leve e profusa
Pra
subir até o cume do Parnasso,
Lá,
onde ficam a escrevinhar as Musas
Esses
versinhos de sucesso fácil,
Eu
haveria de compor às dúzias,
Relatos
sírios, assírios ou trácios,
Poemas
do mais fino orientalismo,
Com
ocidentalíssimo pieguismo.
(“LI”,
Beppo: uma história veneziana.
Byron)..
Beppo: uma história
veneziana texto poético-narrativo escrito, em 1817, porém,
Byron, já abandonara a companheira Clare e sua segunda filha, Allegra; o
escritor continuava com suas viagens e estudos e, no final do ano de 1816,
chegou a Veneza. Imediatamente se relaciona com Marianna Segati, esposa de um
comerciante. Relaciona-se também com Margarita Cogni, por dois anos.
Em
1817, chega às mãos de Lord Byron – um exemplar de “Whistlecraft”, poema satírico-heroico
em oitava rima recém-publicado, de autoria de John Hookham Frere. Byron
reconheceu nesta obra humorística composta em oitava rima, uma forma pouco utilizada
na Inglaterra, o que levou à reflexão de que não ficara totalmente satisfeito com
a estrofe spenseriana, que usara em Childe
Harold. Porém, Byron percebeu as possibilidades poéticas da oitava riam, já
utilizadas na épica portuguesa por Camões, n´Os Lusíadas.
Segundo
Leslie Alexis Marchand, o poema de Frere “passeava com total abandono coloquial
por diversos assuntos, incidentes e personagens” (MARCHAND,1957, p. 709). As
características semântico-formais da composição descritas pelo biógrafo
byroniano -, e que citaremos a seguir (LACERDA, http://www.revistazunai.com/ensaios/daniel_lacerda_lordbyron.htm
, último acesso, 21 de setembro de 2016, às 15h14) -, na realidade antecipam
com precisão e atestam o decisivo influxo que o “Whistlecrat” teria sobre o
último e mais profícuo Byron. Senão, vejamos:
sua
falta de unidade, suas digressões, seu engenho epigramático, sua irônica
deflação de sentimentos, enfatizada pelos versos cortantes dos dísticos finais
das estrofes de oito linhas, seu tom conversacional, os retratos anti-heroicos
dos personagens e o desarmante realismo de sua interpretação de vida fez dele
um meio ideal para o intento de Byron. (Idem).
O
‘tom conversacional’ e, também, de sua irônica reflexão sobre a língua inglesa.
Defendendo a adoção de um
vocabulário mais coloquial, menos pomposo. Ambas as características certamente
devem ter sido as molas propulsoras do entusiasmo de Byron acerca da obra de
Frere.
Em Beppo, Byron utiliza a estrofe com
padrão de rimas ababcc; ou seja, seis versos com rimas alternadas, que são seguidas
por um dístico rimado. Este recurso rímico, abriu espaço para sua faceta humorística:
a terceira rima, mais difícil de encontrar, é, portanto, na maioria das vezes ‘forçada’,
segundo Britto (2014). Porém, os dois últimos versos, rimando entre si, é uma
explosão em forma de desfecho de uma piada sarcástica e jocosa.
Lord
Byron assim escreveu sua primeira obra-prima em oitava-rima, ainda em 1817, Beppo: uma história veneziana, publicada
em 1818. Era diferente de tudo que escrevera, “diferente das narrativas
anteriores, era satírica e não romanesca; diferente das sátiras anteriores, era
narrativa e não dissertativa. ” (BYRON, 2014, p. 27).
O
enredo é uma anedota sarcástica e com suas inúmeras digressões, a voz do
narrador elabora um humorístico e irônico panorama da sociedade veneziana de
então; entremeado por ironias dirigidas à Inglaterra e às instituições
inglesas, aos poetas ingleses de seu tempo. Não sobrou para ninguém e para
nada, a ironia corrosiva fez muitas pessoas vestirem a carapuça, inclusive suas
duas amantes venezianas, Segati e Cogni.
Sua
segunda obra-prima madura em oitava-rima é The
visiono of judgment, um sarcasmo ao puxa-saquismo de Southey ao rei Jorge
III, à época, recentemente falecido. Southey era o poeta laureado do reino, que
Byron detestava.
Porém,
sua obra-prima máxima em oitava-rima é Don
Juan, escrito em 1819 e que ficou inacabado com a morte súbita do poeta.
Contudo, Byron já antecipa a qualidade estética de Don Juan, em Beppo:
com suas
rimas jocosas, a narrativa como pretexto para a sátira de costumes, o tom
coloquial e íntimo, e principalmente a voz do narrador, o verdadeiro
protagonista de Beppo tanto quanto de
Don Juan, uma voz ferina,
irreverente, a perder-se em digressões infindáveis, a fazer comparações entre
Inglaterra e Europa continental, entre figuras históricas ou mitológicas e
personagens totalmente desprovidos de grandeza. (BYRON, 2014, p. 27).
Em
sua primeira obra-prima da maturidade em oitava-rima, Lord Byron rompe
conscientemente com seu estilo anterior, chegando a ridicularizar suas narrativas
orientais anteriores, de sucesso, inclusive, à época. Contudo, este rompimento
é parcial, pois até em Don Juan, se
encontram passagens de um sentimentalismo exagerado. Porém, não tem como negar
que ocorreu uma evolução estilística, a persona
lírica anterior é puramente ‘narcisística’ e já o Byron satírico, maduro, é
um home voltado para a realidade a seu redor, e mesmo atuante sobre a mesma.”
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
OBRAS
DE GEORGE GORDON, LORD BYRON:
BYRON,
Lord. Beppo – Uma História Veneziana. Trad.
Paulo Henriques Britto. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2014.
------------------.
Poemas. Organização e Tradução de
Péricles Eugênio da Silva Ramos. São
Paulo: Hedra, 2008.
OBRAS
GERAIS:
“O romântico
neoclássico.” Paulo Henriques Britto. In:
Beppo – Uma História Veneziana. Trad. Paulo Henriques Britto. Rio de
Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2014.
LINKS:
http://www.revistazunai.com/ensaios/daniel_lacerda_lordbyron.htm.
Daniel Lacerda. Último acesso, 21 de setembro de 2016, às 15h14).
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