LITERATURA BRASILEIRA
Textos literários em meio eletrônico
“O Elixir do pajé”,
de Bernardo Guimarães:
(Análise por
Rafael Vespasiano Ferreira de Lima).
“Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?
Nessa
postura merencória e triste
para trás
tanto vergas o focinho,
que eu
cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido
vizinho!
Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?
Qual
hidra furiosa, o colo alçando,
co'a sanguinosa crista
açoita os mares,
e sustos
derramando
por terras
e por mares,
aqui e
além atira mortais botes,
dando co'a cauda
horríveis piparotes,
assim tu,
ó caralho,
erguendo o
teu vermelho cabeçalho,
faminto e
arquejante,
dando em
vão rabanadas pelo espaço,
pedias um
cabaço!
Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.
Quem extinguiu-te assim
o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse
vil marasmo?
Acaso
pra teu tormento,
indefluxou-te algum
esquentamento?
Ou
em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido
a inútil traste?
Porventura
do tempo a dextra irada
quebrou-te
as forças, envergou-te o colo,
e assim
deixou-te pálido e pendente,
olhando para
o solo,
bem como
inútil lâmpada apagada
entre duas
colunas pendurada?
Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.
Porém
não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que
teu mal ainda pode
alívio ter.
Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co'engenho e arte.
Eis
um santo elixir miraculoso
que vem
de longes terras,
transpondo montes,
serras,
e a
mim chegou por modo misterioso.
Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
co'os manitós falando em uma cova,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por sua próprias mãos às escondidas.
Esse velho pajé de pica mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!
E
ao som das inúbias,
ao som
do boré,
na taba
ou na brenha,
deitado ou
de pé,
no macho
ou na fêmea
de noite
ou de dia,
fodendo se
via
o velho
pajé!
Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré
dizendo: "Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra vos chama
feroz aimoré",
— assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co'o pé:
— Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com mais gentileza?"
E
ao som das inúbias,
ao som
do boré,
na taba
ou na brenha,
deitado ou
de pé,
no macho
ou na fêmea,
fodia o
pajé.
Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitando ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!
Vassoura terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou...
Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Vinde, ó putas e
donzelas,
vinde abrir
as vossas pernas
ao meu
tremendo marzapo,
que a todas,
feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em
trapo...
Graças ao santo
elixir
que herdei do
pajé bandalho,
vai hoje
ficar em pé
o meu
cansado caralho!
Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor...
Este elixir milagroso,
o maior mimo na terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão...
Do macróbio centenário
ao esquecido mazarpo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode em cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço...
Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!
Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
vencedor de cem mil conos...
E seja em todas as rodas,
d'hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito rei dos caralhos!”
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Texto-fonte:
Bernardo Guimarães, Poesia Erótica
e Satírica, Imago: Rio de Janeiro, 1992.
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INTRODUÇÃO:
Dr.
Pornô me apresentou à poesia de Bernardo Guimarães. Eu estava acostumado com
seus romances melodramáticos típicos do Romantismo Brasileiro, de cunho
regionalista (O garimpeiro), de cunho clerical-amoroso-trágico (O
seminarista) e de saco cheio do açucarado e excessivamente idealista A escrava Isaura.
Porém, o Tarado-Mor das Letras
Nordestinas, alertou-me para a poesia erótico-pantagruélica, bestialógica,
irônica, cômica e paródica, de Guimarães, o seu grande trunfo e vertente da
qual saíram os melhores poemas daquele escritor. Pois, até sua pretensa poesia
lírica é “entre média e medíocre”, segundo Duda Machado (2010, p. 12).
Bernardo Guimarães contribuiu para
a História da Literatura Brasileira, justamente, por criar e nos deixar poemas
como “O elixir do pajé”, que desconstrói o indianismo idealista de um Gonçalves
Dias (na lírica) e de um José de Alencar (na prosa), já que a proposta corrente
e geral do nosso Romantismo era a idealização da Pátria, a formação da Nação,
as quais eram divulgadas, literariamente, pelo mito heroico e engrandecido dos
indígenas, os primeiros habitantes do Brasil, antes da chegada dos portugueses
por aqui, em 1500.
Nossa “Pátria” em “formação”, para
empregar emprestado parte do título de uma das principais obras do crítico
literário Antonio Candido (Formação da Literatura Brasileira), não
tinha “passado”, como os românticos europeus que se apegaram à Idade Média e às
novelas de cavalaria (o cavaleiro medieval), vide o romancista Walter Scoot e
seus romances épicos, no Romantismo Inglês.
Nosso “herói” escolhido, foi,
então, (para enobrecer a recém-independente Nação Brasileira, tornada
independente, oficialmente, de Portugal, em 1822), o aborígene. Mas
Bernardo Guimarães era leitor de livros de Byron e amigo de Álvares de Azevedo,
o primeiro, um poeta inglês satírico e até satânico, idolatrado no Brasil de
então, em especial pelos estudantes de Direito da Faculdade de São Paulo; no
caso os estudantes, amigos e poetas Guimarães e Azevedo, partilhavam desse
culto à tradição do lirismo Lord Byron, que ficou conhecido como byronismo. O
próprio Álvares de Azevedo foge da poesia idealista que se fazia no Brasil romântico
de tradição francesa, tradição esta que prevaleceu por aqui, e escreve, por
outro lado, uma poesia lírico-amorosa, contudo, satírica, sensual e irônica.
A poesia azevediana, primeiramente,
se faz importante analisar, pois no prefácio à sua obra lírica, Lira dos vinte anos, que
aparece na segunda parte da mesma, o poeta abre os olhos do leitor para que a
primeira parte da Lira foi marcada por poemas
lírico-amorosos castos, idealistas e pueris, porém, Álvares de Azevedo ao
escrever o Prefácio da segunda parte de sua obra, nos alerta que a partir de
agora os poemas serão sensuais, irônicos e mais “realistas”.
Dessa forma, assim como é a própria
existência humana, que para Álvares de Azevedo é uma eterna dualidade dinâmica:
pureza/erotismo, céu/inferno, castidade/sensualidade, certeza/incerteza, etc.
Assim, o poeta paulista denomina a primeira e a segunda partes da Lira dos vinte anos, respectivamente, Ariel e
Caliban (figuras mitológicas retiradas da leitura de A tempestade, de
Shakespeare), o primeiro representa o idealismo, a pureza e a certeza dos
poemas da primeira parte, já Caliban representa o sensual, o incerto e
ambivalente característico do amor, com marcas estilísticas de ironia, sátira,
etc., as quais ele tanto primava e reconhecia como característica essencial da
poesia de Byron, a qual Azevedo preferia ao idealismo de nosso Romantismo
imberbe.
Vale destacar, ainda em relação à Lira dos vinte anos, que esta
tem uma terceira parte apenas mediana se comparada ao restante da obra, esta
última parte é marcada por poemas mais idealistas, uma espécie de retrocesso um
tanto incompreensível na lírica azevediana, mas que se pode entender pela
brevidade da vida do escritor Álvares Azevedo, o qual morreu precocemente,
sendo assim talvez não tenha tido tempo para organizar, compilar e selecionar
melhor o material escrito que seria levado a público.
Essa amizade biográfica, acadêmica,
de leituras e literária de Bernardo Guimarães com Álvares de Azevedo, com
certeza foi determinante para que o primeiro se enveredasse também por uma
poesia mais irônica, que foi marcada pela paródia, pelo erótico, bestialógico e
até pelo pantagruelismo, indo em alguns poemas à raia do satânico, a la Lord Byron. O próprio Azevedo
em seus contos e na sua peça dramática, caracteriza sua prosa pelo diabólico,
pelo satanismo, pelo maldito e pelas personagens anti-heroicas.
(Vale lembrar neste momento um
outro prefácio, este do escritor romântico francês Victor Hugo, que aparece na
abertura da peça Cromwell, que além de ser um grito em
defesa do ideário do Romantismo, em especial, o da França, mas que pelo título
do prefácio percebemos como explica de certa forma o que, principalmente
Álvares de Azevedo entendia como poesia, “Do grotesco e do sublime”. A teoria
hugoana se reflete no prefácio da Lira e nos poemas das duas primeiras
partes da mesma. Ou seja, a literatura romântica só pode entender a sociedade e
a humanidade como um “universo” ambivalente, dual e dinâmico que transita
incessantemente entre o sagrado e o profano, entre céu e inferno, puro/casto e
sensual/erótico, certo e incerto, sublime e grotesco, etc. Essa(s) dualidade(s)
caminha(m) junta(s) indefinidamente entre nós. Hugo demonstra sua teoria
esboçada no referido prefácio, em seus romances, como Os miseráveis, O corcunda de Notre
Dame e, em suas peças teatrais, como O homem que ri. Mas, o Romantismo Alemão é
ainda mais fértil nesse mundo humano de eterno devir ambivalente, basta citar o
drama de Goethe, Fausto. Ah, lembrando Álvares de
Azevedo escreveu também um drama com temática faústica, Macário.).
Isso tudo para provar que sim,
nosso Romantismo é mais reconhecido e canonizado pelo idealismo amoroso e o
heroísmo indígena, mas temos dois escritores que possuíam tradições diferentes
dos escritores brasileiros que se enveredaram por aquelas temáticas ( que eram
mais oriundas do Romantismo Francês e Português, exceção a algumas obras de
Victor Hugo, como já exposto mais acima); dessa forma é que se têm Bernardo
Guimarães e Álvares de Azevedo “mandando bem mesmo” ao buscar nas tradições do
Romantismo Inglês e Alemão, construindo uma obra mais coesa e que é muito mais
universal e esteticamente e estilisticamente mais profunda.
Os dois escritores brasileiros
produziram obra medíocres, em especial Bernardo com sua prosa melodramática e
sua lírica medíocre, como também já exposto. O próprio Álvares de Azevedo
escreveu poemas abaixo da média e alguns textos fragmentados que parece mais
que não foram concluídos e organizados para publicação ante sua morte repentina
e precoce, mas que foram organizados e trazidos aos leitores de hoje, na
publicação póstuma de sua Obra Completa.
BERNARDO GUIMARÃES: “O ELIXIR DO PAJÉ” (POEMA):
CARACTERÍSITICAS:
Enfim, fiquemos com o mais
desconhecido do escritor mineiro Bernardo Guimarães e que é, justamente, sua
obra-prima, que merece (re)visão e (re)leitura de todos que primam pela poesia
de qualidade. O poema “O elixir do pajé” é uma paródia ao idealismo indianista
dos poemas de Gonçalves Dias (“O canto do guerreiro”, e, em especial, a heroicidade
de “I-Juca-Pirama”).
Aqui o erótico tem supremacia e a
heroicidade dos índios é a sua virilidade. O “caralho” do eu-lírico, mesmo que
por ora “murcho”, mas que logo voltará a ser bravo e guerreiro para foder cem
“conas”. Deixando de lado o idealismo indianista de nossos primeiros poetas
românticos, que expressavam um índio inocente, casto, puro, contudo, bravo,
viril e pronto para guerrear, lutar pelas suas tribos, mulheres e filhos, e se
digladiar em condições bélicas inferiores até mesmo contra o colonizador
europeu que invadia suas terras e roubava suas riquezas: olha que contradição?
Em “O elixir do pajé”, essa
baboseira é deixada de lado, para se dar lugar um índio bravo, viril, comedor e
que foge ao padrão de exportação para europeu “ver” (lembro aqui do livro O Brasil não é longe daqui, de Flora Süssekind, que aborda
o tema de um Brasil que era retratado em nossos livros românticos pelos
escritores brasileiros, de uma maneira bastante inverossímil, para agradar
primeiro aos próprios leitores do nosso país, diga-se de passagem poucos e com
qual grau de discernimento?; e para exportar para a Europa para apresentar o
Novo Mundo, tal qual um circo de atrações).
Outra obra crítica interessante que
aborda alguns aspectos incongruentes do nosso romantismo excessivamente
idealizado e que também faz uma análise comparativa e interpretativa entre o
que se escrevia no idealista,- em sua maioria-, Romantismo Brasileiro e, o que
se publicava na Alemanha, dentro da mesma estética literária, mas com outras
características temáticas e estilísticas, bem diferentes das nossas, apesar de
algumas similitudes, aliás se trata do mesmo estilo literário, vale lembrar Frestas e arestas, de Karin Volobuef.
INTERPRETAÇÃO DO POEMA:
No poema de Guimarães, tem-se o erótico,
o pornográfico mesmo, mas um pornô lírico, o vocábulo “caralho” tantas vezes
repetida é um leitmotiv irônico e
jocoso, marcado pelo sarcasmo, que simboliza a virilidade e o heroísmo do
pajé e, não aquele mela-cueca, do poeta indianista já citado. O heroísmo de
nossos primitivos habitantes não é uma porra de “tacape”, ou “clava”, mas está
simbolizada pelo “caralho”, pelo “mazarpo” que apesar de na primeira estrofe
está sendo apresentado desta forma: “Que tens, caralho, que pesar te
oprime/que assim te vejo murcho e cabisbaixo/sumido entre essa
basta pentelheira,/mole, caindo pela perna abaixo?” Mas, nada que um
elixir afrodisíaco, de um pajé camarada, amigo nosso (centenas de anos antes do
“azulzinho”), que descobriu a receita desse caldo, não faça que tu, ó glorioso
“caralho” não se erga. O elixir que o pajé me falou é um que ele mesmo se
aplicou e: “Esse velho pajé de pica mole,/com uma gota desse
feitiço,/sentiu de novo renascer os brios/de seu velho chouriço!”
Passou-me a dica e agora vou
aplicar o santo elixir em ti, para que te ergas novamente “caralho meu”, para
voltar fazer o que fazias, lembras?: “Que é feito desses tempos
gloriosos/em que erguias as guelras inflamadas,/na barriga me dando
de contínuo/tremendas cabeçadas?”. Mas, calma, tudo voltará a ser como era
antes, tu ereto e duro pronto para foder. “Assim tu,
ó caralho,/erguendo o teu vermelho cabeçalho,/faminto e
arquejante,/dando em vão rabanadas pelo espaço,/pedias um cabaço!”
Sei, que estás cabisbaixo e que isso é deprimente e broxante, “Caralho sem
tensão é fruta chocha,/sem gosto nem cherume,/lingüiça com
bolor, banana podre,/é lampião sem lume/teta que não dá
leite,/balão sem gás, candeia sem azeite.” Mas o que faremos?
Pronto, “Eis um santo elixir
miraculoso/que vem de longes terras,/transpondo montes,
serras,/e a mim chegou por modo misterioso.” Solucionado está:
“Mazarpo meu”, sintas regozijado:
“Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!
Vinde, ó putas e
donzelas,
vinde abrir
as vossas pernas
ao meu
tremendo marzapo,
que a todas,
feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em
trapo...
Graças ao santo
elixir
que herdei do
pajé bandalho,
vai hoje
ficar em pé
o meu
cansado caralho!
Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor...”
Pronto, caralhão, tu estás de novo pronto para
guerra e para fodas heroicas, graças ao elixir do pajé:
“Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
vencedor de cem mil conos...
E seja em todas as rodas,
d'hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heroicos trabalhos,
eleito rei dos caralhos!”
CONCLUSÃO:
Em resumo, o poema em tela é uma
paródia de “I-Juca-Pirama”, de Gonçalves Dias; utiliza-se do erótico/obsceno
sem receios, é extremamente irônico, cômico, mas que mostra uma outra faceta da
nossa poesia indianista, porém sem idealizações, contudo com humor sarcástico e
paródico. Uma visão diferente da canonizada pelos livros escolares e bancas
acadêmicas, mas que é válida e, dentro do lirismo proposto se configura um belo
poema, que atinge seus objetivos e agrada o leitor sem preconceitos e pudores,
já que é cômico, irônico e sarcástico.
E, por fim, fazer o leitor de hoje
rever a literatura romântica brasileira, buscar outros autores do estilo, mas
com outras propostas. Ou obras não consagradas de certos autores canonizados
pela crítica especializada, mas que selecionou certas obras deles,- repito na
maioria escritos idealistas-, em detrimento de outras mais ousadas para a época
e para o nosso país de então (século XIX), das quais maior proveito estético
universal se tiraria. Ou até algumas obras muito avançadas em relação a tudo o
que a Literatura Ocidental do novecentos publicava, à frente daquele século,
escrita no Brasil mesmo, podes crer!, e no Ocidente todo. Porém, incompreendida
pelos José Veríssimo e Sílvio Romero daqueles idos, que eram os porta-vozes da
crítica nacional do século XIX. Mesmo que a crítica literária brasileira já
tenha virado dois séculos de teoria(s) e crítica(s) literárias de diferentes
correntes filosóficas e teóricas, passando por visões e revisões (será?); pois,
estamos no século XXI, mas a crítica brasileira é tão rançosa, rancorosa,
dividida, orgulhosa e birrenta, que se fica no mais do mesmo...
Prova disso está aí: o Brasil
que vemos nos jornais, o povo clamando por soluções e melhorias em várias áreas
da nossa sociedade e governo, em especial na Educação, não é? Base de tudo! Por
isso a revolta e os protestos, que devem ser pacíficos, mas são justos e de
direito, já que o povo brasileiro cansou de ser manobrado e feito de otário e,
quer ter suas próprias opiniões e escolhas, seu livre-arbítrio garantido sem
ferir ao outro. Contudo, o ensino nas escolas e nas universidades deve ser
revisto em vários âmbitos, já que temos direito às nossas próprias escolhas,
inclusive, literárias.
Conhecer de tudo, mas preferências?
É outra coisa! Daí o ensino de Literatura deve ser aberto a toda gama possível de
escritores e tendências estéticas.
"A certeza da Vida (única!) é a Morte; se Nasce é
para ao fim Morrer. Nascimento e Morte, unidos e juntos, indissociáveis. A
Morte à espreita com sua pá de cal, levar-te-á, qualquer dia, no fim das
contas." (Rafael Vespasiano).
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"Ao meu aniversário"
(15 de agosto)
(Bernardo Guimarães)
"Eis-te de novo às portas do Oriente,
Fatal dia de agosto,
Que cada vez mais feio e mais tristonho
Vais me mostrando o rosto.
Já me achas mais velho, e mais disposto
A debicar contigo,
Do que a te saudar com aqueles hinos
De meu bom tempo antigo.
Por que razão tão cedo cá vieste
De novo aparecer-me?
Não sabes que o teu rosto já tão visto
Só pode aborrecer-me?
Que me trazes de mimo? - mais um ano,
Mais uma ruga à fronte,
E a campa, que lá surge mais distinta
Nas brumas do horizonte!
Que tens de me contar de interessante?
Que um ano mais de idade
Conto além de outros muitos que me deste?!
Oh! grande novidade!
Já lá vão lustros seis, e mais dous anos,
Que encontras-me na vida,
Cada vez mais moído e atrapalhado
Nesta enfadonha lida!
Até quando pretendes oprimir-me
Com o tremendo fardo
De anos e anos, com que os ombros vergas
Do teu infeliz bardo?
Anos, - e nada mais - eis o que trazes
A quem viste nascer:
E queres que com brindes te festeje,
Com hinos de prazer?
Ai! que nem tardo a ver-te do Oriente
Nas púrpuras louçãs,
Trazendo-me de envolta as senis rugas,
E um punhado de cãs.
Depois - virás ainda derramando
Dos raios teus o brilho,
E na face da terra entre os viventes
Não mais verás teu filho!
Mas... que te importará mais essa gota
Que se secou nos mares?
Mais essa folha que caiu da coma
Das selvas seculares?
Passarás, - e teus ledos esplendores
Virão pousar risonhos
No leito em que eu estiver dormindo o eterno
Sono que não tem sonhos.
E nem palpitará aos teus sorrisos
Mirrado o coração,
E nem se aquecerão meus frios ossos
Na gélida mansão.
Estou certo que quando sobre a terra
Achares-me de menos,
Luto não trajarás, e nem teus raios
Serão menos serenos.
Nem pretendo que ao veres meu sepulcro
De horror voltes a cara;
Antes desejo que o inundes sempre
De luz serena e clara.
Podes sorrir, cantar sobre meu túmulo,
Que não darei cavaco;
Nem pode a tua luz turbar-me o sono
Lá no meu antro opaco.
Mas se acaso doer-te a inglória sorte
Do mísero poeta,
Que como sombra vá sem ser sentido
Tocou a fatal meta,
Dirás aos que algum dia procurarem
Saber quem ele fora:
"Eu vi nascer aquele que tranqüilo
"Aqui repousa agora.
"Foi um desses que passam sobre a terra
"Em êxtases profundos,
"Escutando as canções que a seus ouvidos
"Ecoavam de outros mundos.
"Agitava-lhe a alma de contínuo
"Um surdo furacão;
"Tinha no seio o fel das amarguras,
"No cérebro um vulcão.
"Andava só; - espessa cabeleira
"Como nuvem sombria,
"Negra, em desordem flutuando ao vento,
"A fronte lhe cobria.
"E no vago do olhar turvado e triste
"Uma alma ressumbrava,
"Que um pego de amargura e desalento
"No seio concentrava.
"Cansado de vagar por este mundo
"Sonhando um paraíso,
"De atroz sarcasmo às vezes pelos lábios
"Lhe doudejava um riso.
"Longo tempo, em vãos sonhos embalado
"Viveu só de esperanças;
"Mas depois... só nutria o pensamento
"Do fel de agras lembranças.
"Não foi o fado que o tornou tão triste;
"A própria natureza
"Já desde o berço lhe entornara n'alma
"O gérmen da tristeza.
"E nos lábios dos outros muitas vezes
"Risos brotar fazia
"De prazer jovial, que dentro d'alma
"O triste não sentia.
"Morreu, coitado! - este sepulcro humilde
"Lhe serve de jazida;
"Dai-lhe agora na morte, oh! dai-lhe as flores
"Que não colheu na vida."
E esta?! - comecei sobre este assunto
Um canto joco-sério:
Eis senão quando vejo-me envolvido
No pó do cemitério!...
És tu, dia fatal, és tu culpado
Deste funéreo sonho,
Que já por morto, e hóspede me dava
Do túmulo medonho.
É tu que assim me trazes à lembrança
Um triste cenotáfio,
E na campa me pões, lavrando eu mesmo
O meu próprio epitáfio!
Se lembravas-me outrora a luz primeira,
Sorrindo-me ao nascer,
Hoje lembras-me só que se avizinha
O tempo de morrer.
Vai-te, ó dia importuno - vai-te azinha
Ó tu, que em meu costado
Inda mais um janeiro sem remédio
Deixaste-me pregado
Vai-te depressa, - mas em tua volta
Não venhas a correr,
Pois quanto a mim, nenhuma pressa tenho
De cá tornar-te a ver.
E para que não veja-te na vida
Raiando tantas vezes,
De hoje em diante comporei meus anos
De vinte e quatro meses.
Vai-te, ó dia importuno - vai-te azinha,
Ó tu, que em meu costado
Inda mais um janeiro sem remédio
Deixaste-me pregado.
Vai-te depressa, - mas em tua volta
Não venhas a correr,
Pois quanto a mim, nenhuma pressa tenho
De cá tornar-te a ver.
E para que não veja-te na vida
Raiando tantas vezes,
De hoje em diante comporei meus anos
De vinte e quatro meses."
Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1859.
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