DA
COSTA E SILVA: POESIAS COMPLETAS-PARTE 1:
(POR RAFAEL VESPASIANO)
A poesia revolucionária
do Simbolismo escrita no fim do século XIX e que foi incompreendida à época e
durante muitas décadas do século seguinte. Mas que depois alguns estudiosos
perceberam sua originalidade e importância para a renovação estética da
Literatura no século XX.
O Modernismo deve muito à
poética simbolista, o que dizer da poesia Pós-Moderna, dos anos 1960, basta
citar o Concretismo Poético Brasileiro, com Haroldo e Augusto de Campos e Décio
Pignatari, entre outros, que tributários da poesia simbolista e, em especial,
da Lírica de Mallarmé, renovaram as Letras nacionais e influenciaram até a
Literatura de outros países; até chegamos ao Neoconcretismo do dissidente
Ferreira Gullar.
Observando e estudando as
poesias completas do escritor Da Costa e Silva, poeta de fins do século XIX
para o início do século XX, percebe-se que se trata de um poeta indefinido
entre vários estilos, ou melhor, transitando entre várias poéticas que acabam o
definindo como um escritor/poeta de transição, ou seja, pré-modernista da Belle
Époque brasileira.
Mas, mesmo assim, o
simbolismo ou neossimbolismo se destaca mais em seus poemas, em especial a
vertente decadentista do estilo. Porém, também escreve dois livros basicamente
neo-parnasianos; neo-parnasianismo que o acompanha até nos livros mais
“simbolistas”. Além, de certo neo-romantismo que se manifesta em muitos poemas,
em especial, no livro que deixou inacabado, devido ao seu falecimento.
Mas antes de abordamos a
obra de Da Costa e Silva mais especificamente, passemos por uma breve
contextualização do estilo Simbolista, que surgiu na França, em meados do
século XIX e, se espalhou pelo mundo, inclusive se fez perceber no Brasil, pouco
tempo depois, ainda naquele século, mas perdurando e sobrevivendo até início do
século XX, enquanto no seu país de origem, a literatura e a poesia já estavam
em outro estágio estético e estilístico.
Os simbolistas franceses
não foram compreendidos em sua própria pátria e pelos seus compatriotas e até
por outros literatos contemporâneos. Imagine a incompreensão, então que os
simbolistas brasileiros sofriam por aqui, taxados de poetas que viviam da “arte
pela arte”, desvinculada do social, vivendo em “torres de marfim”, foram
preconceituosamente rotulados de poetas Malditos, rebeldes.
Mas isso também ocorreu
na França, berço do Simbolismo, onde os poetas também foram chamados de
malditos e rebeldes, como Rimbaud, Verlaine, o próprio Mallarmé, entre outros e,
até o precursor do Simbolismo Francês, o escritor pós-romântico Charles
Baudelaire, que ao descobrir a poesia, os contos e os escritos críticos
literários do norte-americano Edgar Allan Poe, vislumbrou uma Nova Poesia
surgindo, que desaguaria na apolínea Lírica Simbolista, de meados para fins do
século XIX.
O interessante é que os
críticos contemporâneos a esses escritores não percebessem a revolução que eles
traziam no bojo de sua poesia, foi necessário um distanciamento de quase um
século para a recuperação literária dos “poetas malditos”, do ponto de vista da
Crítica Literária.
O mais interessante é que
no início do século XIX, na França, a Lírica desenvolvida era a Parnasiana, com
poetas como Gautier, que foi celebrado e idolatrado, justamente por uma poesia
meramente descritivo-narrativa, isso sim “arte pela arte”, isso sim viver em
“Torres de Marfim”, uma poesia que ainda remontava a mitologia greco-romana, já
tão desgastada, e da qual eles (parnasianos) faziam uso e recurso sem nenhuma
novidade ou revolução literária para o tema mitológico em si.
O Parnasianismo foi
transplantado para o Brasil e obteve grande sucesso entre os literatos, o
público leitor e os críticos de literatura, vide a idolatria a Olavo Bilac,
Raimundo Correia, Alberto de Oliveira (Tríade Parnasiana), e em menor escala, a
uma poetisa até talentosa dentro de suas propostas, Francisca Júlia. Mas “arte
pela arte” tal qual o Parnasianismo francês. Evasivo e descritivo, sem envolver
o leitor com o que estava sendo lido, sem que esse texto lírico parnasiano
fosse capaz de dizer alguma coisa do ponto de vista estético-literário a
alguém, seja no Brasil, seja na França.
-
O SIMBOLISMO:
O crítico Edmund Wilson
(2004) ao analisar poetas e escritores também mal compreendidos pelo público e
pela crítica, no fim do século XIX, início do século XX, como Valéry, Yeats,
Proust, Joyce, etc., em seu importante livro O castelo de Axel, procura mostrar que aqueles beberam da tradição
literária simbolista.
O que ressalta mais ainda
a importância do Movimento Simbolista, que até que enfim foi reconhecido por
algum crítico, Wilson publicou a primeira edição desse seu livro de ensaios, no
ano de 1931. Edmund Wilson propõe certas afinidades entre o Romantismo do fim
do século XVIII e início do século seguinte, com o Simbolismo de meados do
século XIX, pois, segundo o crítico, ambos os movimentos fizeram oposição à
ciência e às “ideias mecanicistas”.
Wilson afirma:
Nos meados do
século XIX, a ciência fez novos progressos e as ideias mecanicistas voltaram a
estar na moda. Dessa vez, porém, vinham de outra parte – não da física ou da
matemática, mas da biologia. A teoria da evolução teve o efeito de reduzir o
homem, da estatura heroica a que os românticos haviam procurado exaltá-lo, ao
aspecto de um animal indefeso, (...). A humanidade era o produto acidental da
hereditariedade e do meio ambiente, em cujos termos se tornava explicável. Essa
doutrina chamou-se, em literatura, naturalismo, e foi posta em prática por
romancistas como Zola, que acreditava serem (sic) idênticas a composição de um
romance e a realização de um experimento de laboratório (...).” (WILSON, 2004,
p. 31-32).
O Naturalismo vigou
durante quase todo o século XIX, no Brasil também se fez presente em autores
como Aluísio Azevedo e seu O cortiço,
herança literária do francês naturalista Émile Zola. O realismo científico,
segundo a nomenclatura do formalista russo Roman Jacobson, era marcado filosoficamente
pelo Positivismo, de Auguste Comte; pelo Determinismo de Taine; o evolucionismo
de Darwin, oriundo da sua obra-mestra A
origem das espécies; o cientificismo biológico e médico do Dr. Claude
Bernard. Que influenciaram Zola, o grande mestre e divulgador das ideias do
movimento Naturalista na França e no mundo, a formular o conceito de “romance
de tese”, que é explicado por ele mesmo em seu ensaio “O romance experimental”.
E o Naturalismo tornou-se também a “menina dos olhos de ouro”, dos críticos
literários do século XIX, que se baseando no Positivismo e no Cientificismo,
analisavam todos os escritores e estilos sob essa ótica, sendo que este viés só
servia para o Naturalismo, por isso aqueles críticos desprezaram tantos autores
e obras, que só foram recuperadas criticamente e em termos de público já no
século XX.
Assim, reinava o
Naturalismo como o estilo literário consagrado pela crítica impressionista,
reverenciando Zola e sua obra-prima Germinal,
que é um clássico, sem dúvidas, dentro de sua proposta de romance de tese e
de engajamento social do escritor francês, mas que sob outras óticas possui
também seus defeitos.
Por isso, nem todos
concordavam com esse tipo de literatura ou a apreciavam, dessa forma, no final
do século retrasado surgiu uma reação ao realismo científico, “conhecida em
França por simbolismo.” (Ibidem, p. 35). Não pensemos, porém, que esse suceder
de estilos se deu de maneira estanque, mas sim como processo evolutivo, no qual
“um grupo de métodos e ideias não é de todo suplantado por outro; bem ao
contrário, prospera-lhe à sombra (...).” (Ibidem, p. 35-36).
Basta percebemos as
origens de o Simbolismo Francês remontar ao romântico norte-americano, Edgar
Allan Poe, “profeta mais importante do simbolismo” (Ibidem, p. 36). Prossegue
Edmund Wilson:
De modo geral, era
verdade que, em meados do século, os escritores românticos nos Estados Unidos –
Poe, Hawthorne, Melville, Whitman e mesmo Emerson – estavam, por razões que
seria interessante determinar, progredindo na direção do simbolismo; e um dos
acontecimentos de primordial importância no início da história do movimento
simbolista foi a descoberta de Poe por Baudelaire. Quando Baudelaire (...),
encontrou entre eles contos e poemas que ele próprio já havia ‘pensado vaga e
confusamente’ em escrever, e seu interesse converteu-se em verdadeira paixão.
(Ibidem, p. 36-37).
Baudelaire ao ler Poe,
que escreve em um de seus vários ensaios críticos literário-poéticos,
intitulado “O Princípio Poético”, que:
(...) E assim
quando pela Poesia, ou pela música, o mais arrebatador dos meios poéticos, nos
achamos a chorar, choramos, então, (...), por excesso de prazer, mas por certo
impaciente e acre pesar, diante de nossa
incapacidade de apreender agora, inteiramente, aqui na terra, imediatamente e
para sempre aquelas divinas e arrebatadoras alegrias, das quais, por meio do
poema, ou por meio da música, percebemos apenas breves e indeterminados
vislumbres. (POE, 2009, p. 90).
O teórico Edmund Wilson conclui
com suas próprias palavras: “aproximar-se da indefinição da música haveria de
ser um dos principais objetivos do simbolismo.” (WILSON, 2004, p. 37).
Mas, voltemos a citar o
próprio Edgar Allan Poe em mais dois trechos do seu ensaio “O Princípio
Poético”: “O Sentimento Poético, sem dúvida, pode desenvolver-se de vários
modos – na Pintura, na Escultura, na Arquitetura, na Dança – muito
especialmente na Música (...).” (POE, 2009, p. 90).
O escritor
norte-americano prossegue em sua explanação:
Contendo-me com a
certeza de que a Música, em seus vários modos de metro, ritmo e rima, é de tão
grande importância na Poesia que nunca poderá ser sabiamente rejeitada, e tão
vitalmente auxiliar dela que se torna simplesmente tolo quem declina de sua
assistência (...). É na música, talvez que mais de perto a alma atinge o grande
fim pelo qual luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético – a criação da
suprema Beleza. (...). E assim pouca dúvida pode existir de que, na união da
Poesia com a Música, em seu sentido popular, encontraremos o mais vasto campo
para o desenvolvimento poético. (Ibidem, p. 90-91).
Enfim, é, justamente, a
musicalidade uma das marcas primordiais para a tessitura dos poemas
simbolistas; o diálogo entre Poesia e Música no Simbolismo e sua concretização
poética é uma das marcas indeléveis do movimento simbolista.
Poe
antecipou essa característica que iria marcar a poesia do fim do século XIX;
que, primeiro foi descoberta e lida, na França, por Baudelaire, que repassou
para os literatos franceses, ao traduzir os ensaios e poemas de Poe do Inglês
para a língua francesa e, assim estava aberto um novo rumo poético e
estilístico na Literatura da França e do mundo. Destaque também para outro
ensaio de Poe, “A Filosofia da Composição”, no qual o escritor explica como
concebeu a obra-prima, “O Corvo”, poema que é extremamente harmônico musicalmente,
que foi lido, ambos por Charles Baudelaire e por todos os simbolistas que
vieram a seguir.
Voltemos ao poeta
brasileiro, Antônio Francisco da Costa e Silva nasceu em Amarante, Piauí, em
1885. Admirava a poesia de Verlaine, Baudelaire, Francis James, Mallarmé, Poe,
Antero de Quental, Antônio Nobre, Cesário Verde e do seu compatriota Cruz e
Sousa. Recebeu influência também do pensamento evolucionista de Laurindo Leão e
Augusto dos Anjos.
Seu primeiro livro
publicado é Sangue (1908), o qual
“revelou, (...), preocupações que remetem a uma concepção intelectualizada da
obra. (...)” (RICIERI, 2008, p. 17). Essa preocupação de da Costa e Silva em
realizar um livro orgânico, deve-se às suas leituras de Edgar Allan Poe, que,
antes “havia introduzido a noção de cálculo e raciocínio em sua reflexão sobre
poesia.” Basta lembrar o ensaio de Poe sobre o processo de composição de seu
célebre poema “O Corvo”, “A Filosofia da Composição”. A qual foi reforçada por
Charles Baudelaire, posteriormente, em 1845, quando “esboça um molde para a
primeira edição de seu livro e tudo que lhe acrescenta posteriormente guarda
relação com a concepção inicial.” (Ibidem., p. 17).
A estética simbolista tem
uma concepção de obra poética, que é, justamente, a evidência de uma concepção
orgânica, de uma organicidade que deve ser alicerce do livro, da obra poética.
No caso de Sangue, Da Costa e Silva o
concebe em “formato de retângulo, trazia na capa o título e o nome do autor
escrito em vermelho e distribuídos cuidadosamente no espaço gráfico.” (Ibidem.,
p. 17).
A estruturação orgânica
do livro tem a concepção cujo o estudo nos leva a perceber o desenvolvimento de
temas que se correspondem rumo a uma finalização ao cabo da obra. “No sentido
indicado, seria possível assinalar o grau de inventividade do conjunto da obra Sangue (...), cuja primeira tiragem, em
1908, gerou frisson e disputa pelos
escassos volumes.” (Ibidem., p. 23).
O poema “Cântico do
Sangue” que é o poema inicial do livro revela uma sugestiva relação “com o
pensamento evolucionista e fenomenista de Laurindo Leão (também computável para
a definição dos contornos peculiares da poesia de Augusto dos Anjos).”
(Ibidem., p. 23).
Em Zodíaco, seu segundo livro, publicado em 1917, Da Costa e Silva,
nos “Poemas da Fauna”,
também explora aspectos
incomuns na poesia brasileira de então, ao introduzir, em tom no mínimo
irreverente ou desconcertante, seus sonetos sobre aranhas, sapos, cobras,
morcegos, besouros... que, aliás, abusam das paronomásias (emprego, em posições
próximas no poema, de palavras semelhantes no som, mas diversas na significação
(...)), aliterações e assonâncias. Além de ter explorado, (...), os poemas
figurativos. (Ibidem., p. 23).
Quanto aos poemas
figurativos, já em seu primeiro livro, Da Costa e Silva nos apresenta o poema
“Madrigal de um Louco”, de composição romboide, “vale lembrar que tais recursos
formais fariam fortuna crítica como conquistas sistemáticas da poesia
concretista, no século XX...”. (Ibidem., p. 23-24).
Já em relação, aos
“Poemas da Fauna”, de Zodíaco, quando
Da Costa e Silva realiza poemas tendo como assuntos animais grotescos,
disformes, asquerosos ou nojentos, essa característica que é típica do
decadentismo simbolista, mostrar a dualidade dinâmica entre o belo e o feio, o
divino e o inferno, o grotesco e o sublime, o belo e o disforme, ressalta as
características do mundo humano e da natureza, que vivem e convivem nesse
eterno devir marcado por uma dualidade dinâmica de contrários que são
necessários uns aos outros e não existem sem o outro.
Esta teoria já fora
esboçada no Romantismo Francês, por Victor Hugo, e, no Romantismo Alemão por F.
Schlegel, no que podemos chamar de “harmonia dos contrários”.
O prefácio da peça teatral Cromwell de Victor Hugo tornou-se mais
importante que o próprio drama, pois lançou muitas das bases do movimento
romântico francês e ocidental, principalmente em se tratando do conceito da
“harmonia dos contrários”.
Esse conceito foi
denominado pelo próprio autor “Do grotesco e do sublime” e consiste em elevar
um fato do enredo do drama ou do romance ou do poema ao status de belo,
sublime, a partir de características “disformes” e “grotescas”. As personagens
também podem ser apresentadas grotescamente e por aspectos disformes, mas com o
intuito de serem elevadas ao conceito de sublime, de belo.
Porém não se trata do
Belo ou do Sublime clássicos, mas do Belo e do Sublime Românticos. Para Victor
Hugo e seus contemporâneos de movimento romântico trata-se de um conceito de
Belo e Sublime moderno, que parte do feio, disforme e grotesco e eleva a
personagem, nesse jogo de elementos antitéticos: feio e belo; disforme e
grotesco; alegria e tristeza; sublime e demoníaco; aprazível e incômodo, entre
outros pares antitéticos, que constituem uma “harmonia dos contrários”
literariamente.
Do
grotesco e do sublime propõe, nas entrelinhas, que a
“melancolia” é o resultado dessa “harmonia dos contrários” e se torna uma das
principais características do espírito romântico. Se fossemos citar os
trabalhos de Walter Benjamin, a “melancolia” é a “ruína alegórica” romântica.
Benjamin demonstrou no seu livro A Origem do drama trágico alemão e em
outros escritos, a modernidade de três movimentos literários e artísticos e um
deles é o Romantismo Ocidental, os outros são o Barroco e o Simbolismo. Essa
tríade é a formação da modernidade literária e artística do século XX.
O que seria a “ruína
alegórica romântica?” A resposta é a “melancolia” apresentada literariamente de
maneira fragmentada e no caso do Romantismo Francês - e mais especificamente de
Hugo -, elaborada a partir do conceito “do grotesco e do sublime” e sua “harmonia
dos contrários” entre os pares antitéticos que se revelam nas obras, que no
jogo dos contrários eleva e rebaixa e vice-versa as personagens e os fatos da
trama para atingir o Belo e o Sublime Moderno, a partir do grotesco, do
disforme. Basta citar o romance de Hugo, O
corcunda de Notre Dame e, outro livro também dele, O homem que ri.
Essa teoria de Victor
Hugo vai ao encontro das formulações teóricas e poéticas do Romantismo Alemão
de “ironia”, que se apresenta no conceito de “parábase” formulado F. Schlegel.
Pois para este não há em
nenhum momento uma síntese entre os “contrários”, ou melhor, aquele
filósofo-poeta alemão discorda da dialética hegeliana de tese + antítese
gerando síntese definitiva. Para Schlegel o que ocorre é um fenômeno de tese +
antítese gerando uma análise irônica dos fatos literários e poéticos, nunca
existindo, dessa forma síntese, mas sim uma análise irônica dos elementos
textuais, o que constitui a “parábase” de Schlegel.
O que ocorre para o
escritor alemão é um devir ininterrupto entre os pares antitéticos, que
desenvolvem um aspecto lúdico e harmônico entre os contrários, tendo a figura
de linguagem da “ironia” funcionando como o fio condutor desse jogo entre os
contrários. O que evidencia, assim, a
“harmonia dos contrários”, num eterno devir “parabático” e irônico, desenvolvendo
não uma síntese, mas uma “análise” dos elementos literários em caráter de
mundividência poética.
Como movimentos
literários o Romantismo Alemão e o Romantismo Francês são tão díspares; mas
apesar disso as duas teorias apresentadas acabam por constituir uma afinidade
entre si. E se complementam em termos poéticos e teóricos para o entendimento
do movimento romântico ocidental em plano mais amplo.
Pois a teoria “do
grotesco e do sublime” de Victor Hugo e a “parábase” proposta por F. Schlegel
acabam por abordar um tema em comum: a “harmonia dos contrários”, tão
importante ao movimento romântico ocidental. Apesar de caminharem por caminhos
distintos, as duas servem como excelentes elementos teóricos e poéticos para
compreender melhor o romantismo da França e o romantismo da Alemanha e, enfim,
o Romantismo Ocidental.
E, essas duas teorias,
que formam o que chamamos de “harmonia dos contrários”, segundo Walter
Benjamin, também reaparece no Simbolismo, e, neste movimento específico, em
forma de símbolos e alegorias, que misturam, e, elevam e rebaixar, ao mesmo
tempo, vários pares antitéticos, ora belos, mas que se transformam em grotescos
e vice-versa.
Isso se verifica nos
“Poemas da Fauna”, de Da Costa e Silva, contudo ele poetiza besouros, morcegos,
cobras, sapos, aranhas, etc. Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry seguem a mesma
linha de Da Costa e Silva, nesse estágio pré-modernista da Literatura
Brasileira. O primeiro com um poema intitulado “O Morcego”, que aparece em seu
livro Eu; já, em Kilkerry temos o
poema “Cetáceo”.
Vejamos, a partir de
agora por meio de poemas de Da Costa e Silva, tais características e teorias
até agora apresentadas sobre o simbolismo, no decorrer dos estudos dos poemas,
vamos introduzindo outros conceitos relativos ao estilo da época e do autor,
valendo-se de diversos teóricos da literatura, e, também desenvolvendo análises
e introduzindo ao leitor os outros livros publicados por Da Costa e Silva.
Comecemos com o poema
“Sangue!”, do livro de estreia homônimo, de 1908:
SANGUE!:
“ essência vital do sentimento,
Que, rubra, móvel,
plástica, incedida
Sobe do coração ao
pensamento,
Circulando nos
vórtices da Vida.
Vida das vidas,
alma da matéria,
Que da emoção as
ondas encandeia,
Fluindo dos
ventrículos à artéria,
Refluindo da
artéria para a veia.
Essência
misteriosa e procriadora,
Vida difusa a erra
em frágeis veios,
Que as ideias
inflama e os olhos doura:
- Orvalho níveo
dos maternos seios.
Mar Vermelho sutil
de ondas estuosas,
Ao meu cajado de
Moisés tristonho,
Florindo em
cravos, amarantos, rosas
- Lodões, corais
dos litorais do Sonho.
Rubro Stige
espumoso de Luxúria,
Golfão dos meus
desejos rebelados,
Onde a minha alma
de Hércules, em fúria,
Pasce a hidra de
Lerna dos Pecados.
Força despertadora
dos sentidos,
Que acorda,
inflando, em frêmitos velozes,
Pela teia vibrátil
dos tecidos,
Ânsias, desejos,
sensações, nevroses...
Térmica poeira,
liquefeita, insana,
Do turbilhão dos
glóbulos vermelhos:
- Os grãos de
areia da vaidade humana
Refletida em
recíprocos espelhos...
Tépido arroio vivo
e purpurino,
Que aos vasos
corporais a sede estanca,
Em arabesco
turgido e turquinho
De transparência
azul, na pele branca.
Fonte de
inspiração, Castália ardente
Dos ideais
simbólicos em bando,
Em dilúvios de cor
fosforescente,
Numa preamar
lunática flutuando...
Sangue! Fluido
genésico e fecundo
Do sentimento que
anda em mim disperso,
- Rocio com que
alento e com que imundo
As sementeiras
rubras de meu Verso.” (Da Costa e Silva, 1950, p. 11-12).
Em primeiro lugar, o
poema tem vasta relação com a teoria evolucionista e fenomenista de Laurindo
Leão, basta ver as explicações um tanto científicas do processo sanguíneo no
corpo humano que se apresentam na segunda estrofe, muitos termos antilíricos
lembram a poesia de Augusto dos Anjos. Antilirismo que é marca da poesia
moderna do século XX, segundo Hugo Friedrich, em Estrutura da lírica moderna.
Em segundo lugar, temos
várias sugestões imagéticas de cor, o sangue vermelho, durante todo o
transcorrer do poema, porém na estrofe quatro, além do “vermelho”, aparece:
“cravos, amarantos, rosas”, variações cromáticas do sangue sugeridas por
espécies da flora, o que acaba resultando numa sinestesia metafórica entre
cores e perfumes, típica do simbolismo, que consiste em misturar as percepções
dos cincos sentidos, para que o leitor experimente uma sensação
sugestivo-sinestésica, dos sentidos embaralhados para dessa forma perceber as
nuances sensoriais, e, para os simbolistas é assim que o leitor irá compreender
o que o poema está sugerindo ou refletindo, geralmente uma alegoria do estado
de espírito do eu-lírico/poeta.
Em terceiro lugar,
percebemos que Da Costa e Silva não se livra plenamente da mitologia grega dos
parnasianos e neoparnasianos (ele também era um neoparnasiano), veja-se a
estrofe quinta.
A questão do “Sonho”,
verso 16, e, das “Ânsias, desejos, sensações, nevroses...”, verso 24, revelam
toda a passionalidade da Vida, simbolizada alegoricamente pelo “Sangue”, força
vital do “Pensamento” e da própria “Vida” do ser humano. O sonho mais
especificamente era uma questão para os simbolistas de extrema importância,
pois como eles eram repelidos pela sociedade, ou pelo menos se sentiam assim,
solitários, acabavam reclusos, escrevendo seus poemas à noite, na solidão e
silêncio noturnos, sendo taxados pela sociedade por isso de rebeldes ou
malditos, o que gerou o termo depreciativo para esse tipo de poesia,
decadentismo, que virou sinônimo de simbolismo. Porém, isso é um equívoco, pois
temos o simbolismo de teor transcendental, epifânico ou de elevação espiritual,
num primeiro momento, no Brasil tivemos para exemplificar essa vertente
simbolista, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.
Num segundo momento, é
que o simbolismo começou a ter uma segunda vertente, a decadente, de caráter
melancólico, soturno, que preferia a noite ao dia, gostava dos lugares lúgubres
como os cemitérios, de temas sombrios, macabros, grotescos, e, isso caracterizou
tal poesia.
Essas duas vertentes
ocorreram tanto no Brasil, quanto na França, origem do movimento simbolista no
mundo e, inclusive, em todos os países em que o simbolismo se fez presente como
estética literária.
E, por fim, o sonho era o refúgio deles,
preferiam os devaneios a viverem a realidade, a fuga era a poesia, o que se
tornou o legado destes poetas.
A última estrofe, enfim,
demonstra isso o “Sangue!” (com ponto de exclamação e maiúscula alegorizante),
“fluido genésico e fecundo”, portanto gerador da Vida e dos Pensamentos e “Do
sentimento que anda em mim disperso,/- Rocio com que alento e com que inundo/As
sementeiras rubras do meu Verso.” Ou seja, o Sangue, alegoricamente é a força
vital que semeou a poesia no eu-lírico e o fez poeta.
O livro Sangue como veremos ao estudar outros
poemas dele, é o mais “simbolista” do poeta Da Costa e Silva. Quando lançou no
mesmo ano de 1917, Zodíaco e Verhaeren afloraram suas características
neoparnasianas, em especial no segundo, uma simples homenagem a um poeta belga,
Verhaeren, que o escritor brasileiro apreciava, entre outros poetas
simbolistas, inclusive os franceses, mas que hoje é apenas mais um nome efêmero
na enorme lista de escritores simbolistas do século XIX e XX, alguns geniais e
brilhantes, outros apenas efêmeros ou reles epígonos. É o caso do poeta belga
referido e apreciado por tantos à época, inclusive Da Costa e Silva, mas hoje
esquecido e datado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
DA COSTA E SILVA. Poesias
completas. Alberto da Costa e Silva (org.). Rio de Janeiro: O Cruzeiro,
1950.
BALAKIAN, Anna. O
simbolismo. Tradução de José Bonifácio. São Paulo: Perspectiva, 2007.
Coleção Stylus, vol. 5, dirigida por J. Guinsburg.
BENJAMIN, Walter. Origem
do drama trágico alemão. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte:
Autêntica, 2011.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura
da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. Tradução
do texto por Marise M. Curioni; tradução das poesias por Dora F. da Silva. São
Paulo: Duas Cidades, 1978.
HUGO, Victor. Do
grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Tradução e notas
de Célia Berrittini. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
MURICY, Andrade. Panorama
do movimento simbolista brasileiro. vols. 1 e 2. São Paulo: Perspectiva, 1987.
POE, Edgar Allan. Poemas
e ensaios. Tradução de Oscar Mendes e Milton Amado. São Paulo: Globo, 2009.
RICIERI, Francine (Org.). Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. São Paulo:
Companhia Editora Nacional: Lazuli Editora, 2007.
WILSON, Edmund. O
castelo de Axel: estudo sobre a literatura imaginativa de 1870 a 1930. Tradução
de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
São poemas dos mais importantes literatos da literatura brasileira.
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