sábado, 13 de maio de 2017

DA COSTA E SILVA: POESIAS COMPLETAS-PARTE 1

DA COSTA E SILVA: POESIAS COMPLETAS-PARTE 1:

(POR RAFAEL VESPASIANO)



A poesia revolucionária do Simbolismo escrita no fim do século XIX e que foi incompreendida à época e durante muitas décadas do século seguinte. Mas que depois alguns estudiosos perceberam sua originalidade e importância para a renovação estética da Literatura no século XX.
O Modernismo deve muito à poética simbolista, o que dizer da poesia Pós-Moderna, dos anos 1960, basta citar o Concretismo Poético Brasileiro, com Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, entre outros, que tributários da poesia simbolista e, em especial, da Lírica de Mallarmé, renovaram as Letras nacionais e influenciaram até a Literatura de outros países; até chegamos ao Neoconcretismo do dissidente Ferreira Gullar.
Observando e estudando as poesias completas do escritor Da Costa e Silva, poeta de fins do século XIX para o início do século XX, percebe-se que se trata de um poeta indefinido entre vários estilos, ou melhor, transitando entre várias poéticas que acabam o definindo como um escritor/poeta de transição, ou seja, pré-modernista da Belle Époque brasileira.
Mas, mesmo assim, o simbolismo ou neossimbolismo se destaca mais em seus poemas, em especial a vertente decadentista do estilo. Porém, também escreve dois livros basicamente neo-parnasianos; neo-parnasianismo que o acompanha até nos livros mais “simbolistas”. Além, de certo neo-romantismo que se manifesta em muitos poemas, em especial, no livro que deixou inacabado, devido ao seu falecimento.
Mas antes de abordamos a obra de Da Costa e Silva mais especificamente, passemos por uma breve contextualização do estilo Simbolista, que surgiu na França, em meados do século XIX e, se espalhou pelo mundo, inclusive se fez perceber no Brasil, pouco tempo depois, ainda naquele século, mas perdurando e sobrevivendo até início do século XX, enquanto no seu país de origem, a literatura e a poesia já estavam em outro estágio estético e estilístico.
Os simbolistas franceses não foram compreendidos em sua própria pátria e pelos seus compatriotas e até por outros literatos contemporâneos. Imagine a incompreensão, então que os simbolistas brasileiros sofriam por aqui, taxados de poetas que viviam da “arte pela arte”, desvinculada do social, vivendo em “torres de marfim”, foram preconceituosamente rotulados de poetas Malditos, rebeldes.
Mas isso também ocorreu na França, berço do Simbolismo, onde os poetas também foram chamados de malditos e rebeldes, como Rimbaud, Verlaine, o próprio Mallarmé, entre outros e, até o precursor do Simbolismo Francês, o escritor pós-romântico Charles Baudelaire, que ao descobrir a poesia, os contos e os escritos críticos literários do norte-americano Edgar Allan Poe, vislumbrou uma Nova Poesia surgindo, que desaguaria na apolínea Lírica Simbolista, de meados para fins do século XIX.
O interessante é que os críticos contemporâneos a esses escritores não percebessem a revolução que eles traziam no bojo de sua poesia, foi necessário um distanciamento de quase um século para a recuperação literária dos “poetas malditos”, do ponto de vista da Crítica Literária.
O mais interessante é que no início do século XIX, na França, a Lírica desenvolvida era a Parnasiana, com poetas como Gautier, que foi celebrado e idolatrado, justamente por uma poesia meramente descritivo-narrativa, isso sim “arte pela arte”, isso sim viver em “Torres de Marfim”, uma poesia que ainda remontava a mitologia greco-romana, já tão desgastada, e da qual eles (parnasianos) faziam uso e recurso sem nenhuma novidade ou revolução literária para o tema mitológico em si.
O Parnasianismo foi transplantado para o Brasil e obteve grande sucesso entre os literatos, o público leitor e os críticos de literatura, vide a idolatria a Olavo Bilac, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira (Tríade Parnasiana), e em menor escala, a uma poetisa até talentosa dentro de suas propostas, Francisca Júlia. Mas “arte pela arte” tal qual o Parnasianismo francês. Evasivo e descritivo, sem envolver o leitor com o que estava sendo lido, sem que esse texto lírico parnasiano fosse capaz de dizer alguma coisa do ponto de vista estético-literário a alguém, seja no Brasil, seja na França.

- O SIMBOLISMO:

O crítico Edmund Wilson (2004) ao analisar poetas e escritores também mal compreendidos pelo público e pela crítica, no fim do século XIX, início do século XX, como Valéry, Yeats, Proust, Joyce, etc., em seu importante livro O castelo de Axel, procura mostrar que aqueles beberam da tradição literária simbolista.
O que ressalta mais ainda a importância do Movimento Simbolista, que até que enfim foi reconhecido por algum crítico, Wilson publicou a primeira edição desse seu livro de ensaios, no ano de 1931. Edmund Wilson propõe certas afinidades entre o Romantismo do fim do século XVIII e início do século seguinte, com o Simbolismo de meados do século XIX, pois, segundo o crítico, ambos os movimentos fizeram oposição à ciência e às “ideias mecanicistas”.
Wilson afirma:

Nos meados do século XIX, a ciência fez novos progressos e as ideias mecanicistas voltaram a estar na moda. Dessa vez, porém, vinham de outra parte – não da física ou da matemática, mas da biologia. A teoria da evolução teve o efeito de reduzir o homem, da estatura heroica a que os românticos haviam procurado exaltá-lo, ao aspecto de um animal indefeso, (...). A humanidade era o produto acidental da hereditariedade e do meio ambiente, em cujos termos se tornava explicável. Essa doutrina chamou-se, em literatura, naturalismo, e foi posta em prática por romancistas como Zola, que acreditava serem (sic) idênticas a composição de um romance e a realização de um experimento de laboratório (...).” (WILSON, 2004, p. 31-32).


O Naturalismo vigou durante quase todo o século XIX, no Brasil também se fez presente em autores como Aluísio Azevedo e seu O cortiço, herança literária do francês naturalista Émile Zola. O realismo científico, segundo a nomenclatura do formalista russo Roman Jacobson, era marcado filosoficamente pelo Positivismo, de Auguste Comte; pelo Determinismo de Taine; o evolucionismo de Darwin, oriundo da sua obra-mestra A origem das espécies; o cientificismo biológico e médico do Dr. Claude Bernard. Que influenciaram Zola, o grande mestre e divulgador das ideias do movimento Naturalista na França e no mundo, a formular o conceito de “romance de tese”, que é explicado por ele mesmo em seu ensaio “O romance experimental”. E o Naturalismo tornou-se também a “menina dos olhos de ouro”, dos críticos literários do século XIX, que se baseando no Positivismo e no Cientificismo, analisavam todos os escritores e estilos sob essa ótica, sendo que este viés só servia para o Naturalismo, por isso aqueles críticos desprezaram tantos autores e obras, que só foram recuperadas criticamente e em termos de público já no século XX.
Assim, reinava o Naturalismo como o estilo literário consagrado pela crítica impressionista, reverenciando Zola e sua obra-prima Germinal, que é um clássico, sem dúvidas, dentro de sua proposta de romance de tese e de engajamento social do escritor francês, mas que sob outras óticas possui também seus defeitos.
Por isso, nem todos concordavam com esse tipo de literatura ou a apreciavam, dessa forma, no final do século retrasado surgiu uma reação ao realismo científico, “conhecida em França por simbolismo.” (Ibidem, p. 35). Não pensemos, porém, que esse suceder de estilos se deu de maneira estanque, mas sim como processo evolutivo, no qual “um grupo de métodos e ideias não é de todo suplantado por outro; bem ao contrário, prospera-lhe à sombra (...).” (Ibidem, p. 35-36).
Basta percebemos as origens de o Simbolismo Francês remontar ao romântico norte-americano, Edgar Allan Poe, “profeta mais importante do simbolismo” (Ibidem, p. 36). Prossegue Edmund Wilson:

De modo geral, era verdade que, em meados do século, os escritores românticos nos Estados Unidos – Poe, Hawthorne, Melville, Whitman e mesmo Emerson – estavam, por razões que seria interessante determinar, progredindo na direção do simbolismo; e um dos acontecimentos de primordial importância no início da história do movimento simbolista foi a descoberta de Poe por Baudelaire. Quando Baudelaire (...), encontrou entre eles contos e poemas que ele próprio já havia ‘pensado vaga e confusamente’ em escrever, e seu interesse converteu-se em verdadeira paixão. (Ibidem, p. 36-37).


Baudelaire ao ler Poe, que escreve em um de seus vários ensaios críticos literário-poéticos, intitulado “O Princípio Poético”, que:

(...) E assim quando pela Poesia, ou pela música, o mais arrebatador dos meios poéticos, nos achamos a chorar, choramos, então, (...), por excesso de prazer, mas por certo impaciente  e acre pesar, diante de nossa incapacidade de apreender agora, inteiramente, aqui na terra, imediatamente e para sempre aquelas divinas e arrebatadoras alegrias, das quais, por meio do poema, ou por meio da música, percebemos apenas breves e indeterminados vislumbres. (POE, 2009, p. 90).


O teórico Edmund Wilson conclui com suas próprias palavras: “aproximar-se da indefinição da música haveria de ser um dos principais objetivos do simbolismo.” (WILSON, 2004, p. 37).
Mas, voltemos a citar o próprio Edgar Allan Poe em mais dois trechos do seu ensaio “O Princípio Poético”: “O Sentimento Poético, sem dúvida, pode desenvolver-se de vários modos – na Pintura, na Escultura, na Arquitetura, na Dança – muito especialmente na Música (...).” (POE, 2009, p. 90).
O escritor norte-americano prossegue em sua explanação:

Contendo-me com a certeza de que a Música, em seus vários modos de metro, ritmo e rima, é de tão grande importância na Poesia que nunca poderá ser sabiamente rejeitada, e tão vitalmente auxiliar dela que se torna simplesmente tolo quem declina de sua assistência (...). É na música, talvez que mais de perto a alma atinge o grande fim pelo qual luta, quando inspirada pelo Sentimento Poético – a criação da suprema Beleza. (...). E assim pouca dúvida pode existir de que, na união da Poesia com a Música, em seu sentido popular, encontraremos o mais vasto campo para o desenvolvimento poético. (Ibidem, p. 90-91).


Enfim, é, justamente, a musicalidade uma das marcas primordiais para a tessitura dos poemas simbolistas; o diálogo entre Poesia e Música no Simbolismo e sua concretização poética é uma das marcas indeléveis do movimento simbolista.
Poe antecipou essa característica que iria marcar a poesia do fim do século XIX; que, primeiro foi descoberta e lida, na França, por Baudelaire, que repassou para os literatos franceses, ao traduzir os ensaios e poemas de Poe do Inglês para a língua francesa e, assim estava aberto um novo rumo poético e estilístico na Literatura da França e do mundo. Destaque também para outro ensaio de Poe, “A Filosofia da Composição”, no qual o escritor explica como concebeu a obra-prima, “O Corvo”, poema que é extremamente harmônico musicalmente, que foi lido, ambos por Charles Baudelaire e por todos os simbolistas que vieram a seguir.

Voltemos ao poeta brasileiro, Antônio Francisco da Costa e Silva nasceu em Amarante, Piauí, em 1885. Admirava a poesia de Verlaine, Baudelaire, Francis James, Mallarmé, Poe, Antero de Quental, Antônio Nobre, Cesário Verde e do seu compatriota Cruz e Sousa. Recebeu influência também do pensamento evolucionista de Laurindo Leão e Augusto dos Anjos.
Seu primeiro livro publicado é Sangue (1908), o qual “revelou, (...), preocupações que remetem a uma concepção intelectualizada da obra. (...)” (RICIERI, 2008, p. 17). Essa preocupação de da Costa e Silva em realizar um livro orgânico, deve-se às suas leituras de Edgar Allan Poe, que, antes “havia introduzido a noção de cálculo e raciocínio em sua reflexão sobre poesia.” Basta lembrar o ensaio de Poe sobre o processo de composição de seu célebre poema “O Corvo”, “A Filosofia da Composição”. A qual foi reforçada por Charles Baudelaire, posteriormente, em 1845, quando “esboça um molde para a primeira edição de seu livro e tudo que lhe acrescenta posteriormente guarda relação com a concepção inicial.” (Ibidem., p. 17).
A estética simbolista tem uma concepção de obra poética, que é, justamente, a evidência de uma concepção orgânica, de uma organicidade que deve ser alicerce do livro, da obra poética. No caso de Sangue, Da Costa e Silva o concebe em “formato de retângulo, trazia na capa o título e o nome do autor escrito em vermelho e distribuídos cuidadosamente no espaço gráfico.” (Ibidem., p. 17).
A estruturação orgânica do livro tem a concepção cujo o estudo nos leva a perceber o desenvolvimento de temas que se correspondem rumo a uma finalização ao cabo da obra. “No sentido indicado, seria possível assinalar o grau de inventividade do conjunto da obra Sangue (...), cuja primeira tiragem, em 1908, gerou frisson e disputa pelos escassos volumes.” (Ibidem., p. 23).
O poema “Cântico do Sangue” que é o poema inicial do livro revela uma sugestiva relação “com o pensamento evolucionista e fenomenista de Laurindo Leão (também computável para a definição dos contornos peculiares da poesia de Augusto dos Anjos).” (Ibidem., p. 23).
Em Zodíaco, seu segundo livro, publicado em 1917, Da Costa e Silva, nos “Poemas da Fauna”,
também explora aspectos incomuns na poesia brasileira de então, ao introduzir, em tom no mínimo irreverente ou desconcertante, seus sonetos sobre aranhas, sapos, cobras, morcegos, besouros... que, aliás, abusam das paronomásias (emprego, em posições próximas no poema, de palavras semelhantes no som, mas diversas na significação (...)), aliterações e assonâncias. Além de ter explorado, (...), os poemas figurativos. (Ibidem., p. 23).


Quanto aos poemas figurativos, já em seu primeiro livro, Da Costa e Silva nos apresenta o poema “Madrigal de um Louco”, de composição romboide, “vale lembrar que tais recursos formais fariam fortuna crítica como conquistas sistemáticas da poesia concretista, no século XX...”. (Ibidem., p. 23-24).
Já em relação, aos “Poemas da Fauna”, de Zodíaco, quando Da Costa e Silva realiza poemas tendo como assuntos animais grotescos, disformes, asquerosos ou nojentos, essa característica que é típica do decadentismo simbolista, mostrar a dualidade dinâmica entre o belo e o feio, o divino e o inferno, o grotesco e o sublime, o belo e o disforme, ressalta as características do mundo humano e da natureza, que vivem e convivem nesse eterno devir marcado por uma dualidade dinâmica de contrários que são necessários uns aos outros e não existem sem o outro.
Esta teoria já fora esboçada no Romantismo Francês, por Victor Hugo, e, no Romantismo Alemão por F. Schlegel, no que podemos chamar de “harmonia dos contrários”.
 O prefácio da peça teatral Cromwell de Victor Hugo tornou-se mais importante que o próprio drama, pois lançou muitas das bases do movimento romântico francês e ocidental, principalmente em se tratando do conceito da “harmonia dos contrários”.
Esse conceito foi denominado pelo próprio autor “Do grotesco e do sublime” e consiste em elevar um fato do enredo do drama ou do romance ou do poema ao status de belo, sublime, a partir de características “disformes” e “grotescas”. As personagens também podem ser apresentadas grotescamente e por aspectos disformes, mas com o intuito de serem elevadas ao conceito de sublime, de belo.
Porém não se trata do Belo ou do Sublime clássicos, mas do Belo e do Sublime Românticos. Para Victor Hugo e seus contemporâneos de movimento romântico trata-se de um conceito de Belo e Sublime moderno, que parte do feio, disforme e grotesco e eleva a personagem, nesse jogo de elementos antitéticos: feio e belo; disforme e grotesco; alegria e tristeza; sublime e demoníaco; aprazível e incômodo, entre outros pares antitéticos, que constituem uma “harmonia dos contrários” literariamente.
Do grotesco e do sublime propõe, nas entrelinhas, que a “melancolia” é o resultado dessa “harmonia dos contrários” e se torna uma das principais características do espírito romântico. Se fossemos citar os trabalhos de Walter Benjamin, a “melancolia” é a “ruína alegórica” romântica. Benjamin demonstrou no seu livro A Origem do drama trágico alemão e em outros escritos, a modernidade de três movimentos literários e artísticos e um deles é o Romantismo Ocidental, os outros são o Barroco e o Simbolismo. Essa tríade é a formação da modernidade literária e artística do século XX.
O que seria a “ruína alegórica romântica?” A resposta é a “melancolia” apresentada literariamente de maneira fragmentada e no caso do Romantismo Francês - e mais especificamente de Hugo -, elaborada a partir do conceito “do grotesco e do sublime” e sua “harmonia dos contrários” entre os pares antitéticos que se revelam nas obras, que no jogo dos contrários eleva e rebaixa e vice-versa as personagens e os fatos da trama para atingir o Belo e o Sublime Moderno, a partir do grotesco, do disforme. Basta citar o romance de Hugo, O corcunda de Notre Dame e, outro livro também dele, O homem que ri.
Essa teoria de Victor Hugo vai ao encontro das formulações teóricas e poéticas do Romantismo Alemão de “ironia”, que se apresenta no conceito de “parábase” formulado F. Schlegel.
Pois para este não há em nenhum momento uma síntese entre os “contrários”, ou melhor, aquele filósofo-poeta alemão discorda da dialética hegeliana de tese + antítese gerando síntese definitiva. Para Schlegel o que ocorre é um fenômeno de tese + antítese gerando uma análise irônica dos fatos literários e poéticos, nunca existindo, dessa forma síntese, mas sim uma análise irônica dos elementos textuais, o que constitui a “parábase” de Schlegel. 
O que ocorre para o escritor alemão é um devir ininterrupto entre os pares antitéticos, que desenvolvem um aspecto lúdico e harmônico entre os contrários, tendo a figura de linguagem da “ironia” funcionando como o fio condutor desse jogo entre os contrários.  O que evidencia, assim, a “harmonia dos contrários”, num eterno devir “parabático” e irônico, desenvolvendo não uma síntese, mas uma “análise” dos elementos literários em caráter de mundividência poética.
Como movimentos literários o Romantismo Alemão e o Romantismo Francês são tão díspares; mas apesar disso as duas teorias apresentadas acabam por constituir uma afinidade entre si. E se complementam em termos poéticos e teóricos para o entendimento do movimento romântico ocidental em plano mais amplo.
Pois a teoria “do grotesco e do sublime” de Victor Hugo e a “parábase” proposta por F. Schlegel acabam por abordar um tema em comum: a “harmonia dos contrários”, tão importante ao movimento romântico ocidental. Apesar de caminharem por caminhos distintos, as duas servem como excelentes elementos teóricos e poéticos para compreender melhor o romantismo da França e o romantismo da Alemanha e, enfim, o Romantismo Ocidental.
E, essas duas teorias, que formam o que chamamos de “harmonia dos contrários”, segundo Walter Benjamin, também reaparece no Simbolismo, e, neste movimento específico, em forma de símbolos e alegorias, que misturam, e, elevam e rebaixar, ao mesmo tempo, vários pares antitéticos, ora belos, mas que se transformam em grotescos e vice-versa.
Isso se verifica nos “Poemas da Fauna”, de Da Costa e Silva, contudo ele poetiza besouros, morcegos, cobras, sapos, aranhas, etc. Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry seguem a mesma linha de Da Costa e Silva, nesse estágio pré-modernista da Literatura Brasileira. O primeiro com um poema intitulado “O Morcego”, que aparece em seu livro Eu; já, em Kilkerry temos o poema “Cetáceo”.
Vejamos, a partir de agora por meio de poemas de Da Costa e Silva, tais características e teorias até agora apresentadas sobre o simbolismo, no decorrer dos estudos dos poemas, vamos introduzindo outros conceitos relativos ao estilo da época e do autor, valendo-se de diversos teóricos da literatura, e, também desenvolvendo análises e introduzindo ao leitor os outros livros publicados por Da Costa e Silva.
Comecemos com o poema “Sangue!”, do livro de estreia homônimo, de 1908:
















SANGUE!:

“             essência vital do sentimento,
Que, rubra, móvel, plástica, incedida
Sobe do coração ao pensamento,
Circulando nos vórtices da Vida.

Vida das vidas, alma da matéria,
Que da emoção as ondas encandeia,
Fluindo dos ventrículos à artéria,
Refluindo da artéria para a veia.

Essência misteriosa e procriadora,
Vida difusa a erra em frágeis veios,
Que as ideias inflama e os olhos doura:
- Orvalho níveo dos maternos seios.

Mar Vermelho sutil de ondas estuosas,
Ao meu cajado de Moisés tristonho,
Florindo em cravos, amarantos, rosas
- Lodões, corais dos litorais do Sonho.

Rubro Stige espumoso de Luxúria,
Golfão dos meus desejos rebelados,
Onde a minha alma de Hércules, em fúria,
Pasce a hidra de Lerna dos Pecados.

Força despertadora dos sentidos,
Que acorda, inflando, em frêmitos velozes,
Pela teia vibrátil dos tecidos,
Ânsias, desejos, sensações, nevroses...

Térmica poeira, liquefeita, insana,
Do turbilhão dos glóbulos vermelhos:
- Os grãos de areia da vaidade humana
Refletida em recíprocos espelhos...

Tépido arroio vivo e purpurino,
Que aos vasos corporais a sede estanca,
Em arabesco turgido e turquinho
De transparência azul, na pele branca.

Fonte de inspiração, Castália ardente
Dos ideais simbólicos em bando,
Em dilúvios de cor fosforescente,
Numa preamar lunática flutuando...


Sangue! Fluido genésico e fecundo
Do sentimento que anda em mim disperso,
- Rocio com que alento e com que imundo
As sementeiras rubras de meu Verso.” (Da Costa e Silva, 1950, p. 11-12).


Em primeiro lugar, o poema tem vasta relação com a teoria evolucionista e fenomenista de Laurindo Leão, basta ver as explicações um tanto científicas do processo sanguíneo no corpo humano que se apresentam na segunda estrofe, muitos termos antilíricos lembram a poesia de Augusto dos Anjos. Antilirismo que é marca da poesia moderna do século XX, segundo Hugo Friedrich, em Estrutura da lírica moderna.
Em segundo lugar, temos várias sugestões imagéticas de cor, o sangue vermelho, durante todo o transcorrer do poema, porém na estrofe quatro, além do “vermelho”, aparece: “cravos, amarantos, rosas”, variações cromáticas do sangue sugeridas por espécies da flora, o que acaba resultando numa sinestesia metafórica entre cores e perfumes, típica do simbolismo, que consiste em misturar as percepções dos cincos sentidos, para que o leitor experimente uma sensação sugestivo-sinestésica, dos sentidos embaralhados para dessa forma perceber as nuances sensoriais, e, para os simbolistas é assim que o leitor irá compreender o que o poema está sugerindo ou refletindo, geralmente uma alegoria do estado de espírito do eu-lírico/poeta.
Em terceiro lugar, percebemos que Da Costa e Silva não se livra plenamente da mitologia grega dos parnasianos e neoparnasianos (ele também era um neoparnasiano), veja-se a estrofe quinta.
A questão do “Sonho”, verso 16, e, das “Ânsias, desejos, sensações, nevroses...”, verso 24, revelam toda a passionalidade da Vida, simbolizada alegoricamente pelo “Sangue”, força vital do “Pensamento” e da própria “Vida” do ser humano. O sonho mais especificamente era uma questão para os simbolistas de extrema importância, pois como eles eram repelidos pela sociedade, ou pelo menos se sentiam assim, solitários, acabavam reclusos, escrevendo seus poemas à noite, na solidão e silêncio noturnos, sendo taxados pela sociedade por isso de rebeldes ou malditos, o que gerou o termo depreciativo para esse tipo de poesia, decadentismo, que virou sinônimo de simbolismo. Porém, isso é um equívoco, pois temos o simbolismo de teor transcendental, epifânico ou de elevação espiritual, num primeiro momento, no Brasil tivemos para exemplificar essa vertente simbolista, Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.
Num segundo momento, é que o simbolismo começou a ter uma segunda vertente, a decadente, de caráter melancólico, soturno, que preferia a noite ao dia, gostava dos lugares lúgubres como os cemitérios, de temas sombrios, macabros, grotescos, e, isso caracterizou tal poesia. 
Essas duas vertentes ocorreram tanto no Brasil, quanto na França, origem do movimento simbolista no mundo e, inclusive, em todos os países em que o simbolismo se fez presente como estética literária.
 E, por fim, o sonho era o refúgio deles, preferiam os devaneios a viverem a realidade, a fuga era a poesia, o que se tornou o legado destes poetas.
A última estrofe, enfim, demonstra isso o “Sangue!” (com ponto de exclamação e maiúscula alegorizante), “fluido genésico e fecundo”, portanto gerador da Vida e dos Pensamentos e “Do sentimento que anda em mim disperso,/- Rocio com que alento e com que inundo/As sementeiras rubras do meu Verso.” Ou seja, o Sangue, alegoricamente é a força vital que semeou a poesia no eu-lírico e o fez poeta.


O livro Sangue como veremos ao estudar outros poemas dele, é o mais “simbolista” do poeta Da Costa e Silva. Quando lançou no mesmo ano de 1917, Zodíaco e Verhaeren afloraram suas características neoparnasianas, em especial no segundo, uma simples homenagem a um poeta belga, Verhaeren, que o escritor brasileiro apreciava, entre outros poetas simbolistas, inclusive os franceses, mas que hoje é apenas mais um nome efêmero na enorme lista de escritores simbolistas do século XIX e XX, alguns geniais e brilhantes, outros apenas efêmeros ou reles epígonos. É o caso do poeta belga referido e apreciado por tantos à época, inclusive Da Costa e Silva, mas hoje esquecido e datado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DA COSTA E SILVA. Poesias completas. Alberto da Costa e Silva (org.). Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1950.
BALAKIAN, Anna. O simbolismo. Tradução de José Bonifácio. São Paulo: Perspectiva, 2007. Coleção Stylus, vol. 5, dirigida por J. Guinsburg.
BENJAMIN, Walter. Origem do drama trágico alemão. Tradução de João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados do século XX. Tradução do texto por Marise M. Curioni; tradução das poesias por Dora F. da Silva. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cromwell. Tradução e notas de Célia Berrittini. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. vols. 1 e 2. São Paulo: Perspectiva, 1987.
POE, Edgar Allan. Poemas e ensaios. Tradução de Oscar Mendes e Milton Amado. São Paulo: Globo, 2009.
RICIERI, Francine (Org.). Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional: Lazuli Editora, 2007.
WILSON, Edmund. O castelo de Axel: estudo sobre a literatura imaginativa de 1870 a 1930. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.






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