quinta-feira, 13 de abril de 2017

A infância na poesia de Bandeira: (Recursos e aspectos poéticos)


A infância na poesia de Bandeira:

(Recursos e aspectos poéticos)



(Por Rafael Vespasiano Ferreira de Lima)

Manuel Bandeira é um escritor de indiscutível qualidade estética e de fundamental importância para a poesia brasileira. Bandeira é um dos maiores poetas modernistas brasileiros, com participação indireta na Semana de Arte Moderna de 1922, já que teve seu poema Os Sapos lido em sessão, pelo poeta Ronald de Carvalho, mas o escritor pernambucano não se fez presente às sessões. Assim, Bandeira tem importância para a explosão modernista no Brasil.




Algumas considerações preliminares fazem-se necessárias para melhor entender o objeto de estudo. O presente ensaio pretende abordar a poesia bandeiriana, de tom emocional e confessional, mais especificamente poemas que têm como tema a infância.
Bandeira é um poeta modernista, mas ainda devedor das estéticas anteriores, em especial, do Romantismo, pois sua poesia é marcada pelo tom confessional e emocional típico dos românticos, porém sua poética traz muitas inovações modernistas. Sendo assim, não se pode falar em simples neoromantismo, contudo, percebe-se um poeta ainda marcado por características das escolas literárias anteriores.
O crítico Luiz Costa Lima afiança que

Em Manuel Bandeira, a emocionalidade é pouco ou quase nada reprimida. Palavras e sentimentos confluem. Aquelas são policiadas, a ironia insinua-se entre as confissões, mas, do ponto de vista da forma, são as emoções individuais que ditam o comportamento da composição.[1]

Nessa afirmação é importante perceber que a emocionalidade flue nos poemas bandeirianos, mas é policiada pelo recurso estilístico da ironia. E, a ironia é uma das caracterísitcas que dão modernidade à obra de Bandeira, pois seus poemas, na grande maioria, são de tom emotivos e confessionais, mas para não resvalar no sentimentalismo derramado dos românticos, o poeta faz uso da ironia para represar os excessos sentimentais.
Após verificar-se a relevância do poeta, depois de apresentar-se a proposta do ensaio e a modernidade de Bandeira, preliminares que o ensaísta achou necessárias para justificar o objeto de estudo, passa-se, então, a análise.
O tema da infância, na poesia de Manuel Bandeira, é uma luta subjetiva em recuperar o tempo e o espaço passados. A infância é, ao mesmo tempo, destacada como perdida e reconquistada, constituindo uma dinâmica lírica de perdas e reencontros. A infância de Bandeira é (re)-construída, junto ao leitor, ao mesmo tempo que o eu-lírico a procura e a desvela.
Um poema emblemático do afirmado acima é Versos de Natal que segue:

“Espelho, amigo verdadeiro,
Tu refletes as minhas rugas,
Os meus cabelos brancos,
Os meus olhos míopes e cansados,
Espelho, amigo verdadeiro,
Mestre do realismo exato e minucioso,
Obrigado, obrigado!

Mas se fosses mágico,
Penetrarias até ao fundo desse homem triste,
Descobririas o menino que sustenta esse homem,
O menino que não quer morrer,
Que não morrerá senão comigo,
O menino que todos os anos na véspera do Natal
Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta.”[2]

Poema que faz parte do livro Lira dos Cinquent´anos, publicado em 1940. O poema é datado de 1939. Trata-se de um poema curto, tem duas estrofes, de sete versos cada. O poema funciona como um espelho, pois reflete dois opostos do eu. O primeiro eu é apresentado na primeira estrofe, é um eu que vivencia a velhice, percebida pelos vocábulos rugas, cabelos brancos, olhos míopes e cansados. No final da estrofe, o eu agradece o espelho, amigo verdadeiro, que o faz perceber sua realidade caduca.
 Já a segunda estrofe começa com uma palavra adversativa, pois nessa estrofe será revelado o outro eu, em uma imagem especularmente invertida, que revela o menino que ainda existe nesse homem velho e triste, O menino que não quer morrer. Nos dois últimos versos dessa estrofe, o menino prevalece sobre o velho, já que a construção lírica valoriza aquele que Pensa ainda em pôr os seus chinelinhos atrás da porta. O menino ganha importância sobre o eu da primeira estrofe. O diminutivo chinelinhos ainda confere maior importância ao eu da infância, pelo seu caráter afetivo e carinhoso, portanto, o eu valoriza sua infância.
A estudiosa da obra bandeiriana Yudith Rosenbaum[3] afirma que a infância é, para o poeta, o espaço da inocência, da ingenuidade, da simplicidade e da plenitude. Sendo assim, a infância, em Bandeira, possui uma aura de magia e de teor sagrado. “Ela é mais do que nunca um verdadeiro paraíso perdido que teima em desaparecer.”[4]. Percebe-se a relevância de tais afirmações, se aplicá-las ao que foi analisado, anteriormente, a respeito do poema Versos de Natal.
Um recurso muito usado por Bandeira, em seus poemas, para abordar a infância, é a memória. Esta serve como evocação do que há de mais recôndito no espírito do poeta e revive cantos biográficos escuros, porém nunca esquecidos. Estes têm um aspecto mítico, como atesta um fragmento do Itinerário de Pasárgada, escrito em 1954, “(...) Quando comparo esses quatro anos de minha meninice a quaisquer outros quatro anos de minha vida de adulto, fico espantado do vazio destes últimos em cotejo com a densidade daquela quadra distante.”[5]
A vida adulta de Bandeira, torna-se, assim, um aceno recorrente ao passado, à infância, a esse passado que hoje está desaparecido na realidade, porém vívido no imaginário do poeta e “reatualizado enquanto ausência que se materializa na poesia.”[6]
Um poema que pode ser considerado um resumo dessa vertente poética de Manuel Bandeira, chama-se, sintomaticamente, Infância, incluído no livro Belo, Belo, de 1948. É um poema longo, de 65 versos, mas um poema-síntese dessa temática bandeiriana, qual seja: rememorar a infância. Não analisar-se-á o poema em maiores detalhes, dado o limite proposto do ensaio, porém, pode-se afirmar que a infância serve nesse poema, e em outros de igual temática, como um instrumento para o poeta reconhecer-se na criança que foi e reequilibrar-se no ato reconciliador da reminiscência. Episódios e personagens serão relembrados no intuito de serem trazidos novamente ao convívio do poeta.
Pode-se abordar, agora, outro poema que serve para exemplificar o exposto, mas que também trata de outro tema caro à obra bandeiriana, qual seja: a finitude da vida. Trata-se do poema Profundamente (Libertinagem, 1930) que segue:

“Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.”[7]

 É um poema que não possui esquema métrico definido e nem esquema rímico determinado. Para Davi Arrigucci Jr., Bandeira adotou “(...) uma construção muito livre e irregular, desde logo ostensiva, o poema, quando lido detidamente, vai mostrando uma série de similaridades e equivalências na sua organização geral e em seus componentes (...)”[8].
Existem dois blocos distintos de versos, separados pelo asterisco, e que se contrapoem como “cenas semelhantes em tempos diferentes, aproximadas espacialmente em confronto direto.”[9], constituindo assim um paralelismo contrastivo.
Na primeira estrofe, o eu adormece enquanto ocorriam festejos de São João nas ruas, Quando ontem adormeci/Na noite de São João/Havia alegria e rumor. O poema inicia-se com uma fórmula liminar típica da narrativa, o advérbio de tempo quando, que acaba por exigir uma complementação, a qual dá-se por meio de uma enumeração caótica das sensações e impressões da cena festiva: “Estrondos de bombas luzes de Bengala/Vozes cantigas e risos/Ao pé das fogueiras acesas.”
Na segunda estrofe, o eu desperta e não há mais “mais vozes nem risos”, “Apenas balões/ Passavam errantes/Silenciosamente”. Esse silêncio provoca no eu um momento de reflexão que só é interrompido, às vezes, pelo  “ruído de um bonde”, que “cortava o silêncio”. Nessa reflexão, o eu pergunta-se “Onde estavam os que há pouco/Dançavam/Cantavam/E riam/Ao pé das fogueiras acesas?”. Conclue, então, que ao fim dos festejos, todos foram dormir e, agora, “Estavam todos deitados/Dormindo/Profundamente.” O dormir, nesse caso, tem sentido de sono, de repouso noturno. Faz-se necessário o registro, pois essa construção será retomada no poema mais à frente, mas com outra conotação, reforçando a ideia de “paralelismo constrativo” citada acima.
No segundo bloco de versos, o eu remota ao seu passado mais distante, “Quando eu tinha seis anos”. A partir desse verso, inicia-se a lembrança do São João que o eu-lírico vivenciou aos seis anos, não propriamente a rememoração dos fatos ocorridos, mas a reminiscência de que “Não pude ver o fim da festa de São João/Porque adormeci.” E, o eu de agora, ao perceber que “Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo.”, dá-se conta que as pessoas enumeradas a seguir no poema estão todas mortas e, ele é o vivente restante da família. Aqui foi usado o recurso clássico da literatura, o Ubi sunt?, expressão latina que significa algo em torno de “Onde estão os que aqui estavam antes?”. “Estão todos deitados/Dormindo/Profundamente.” O dormir aqui tem significado de morte e o advérbio profundamente reforça esse sentido, denotando silêncio sepulcral. Aqui, verifica-se a a ideia do “paralelismo contrastivo” já referida.
Fez-se essa análise que resvalou para o tema da finitude da vida, temática também relevante na obra de Manuel Bandeira, mas que se fez necessária, pois, pelo exposto verifica-se a importância do passado na vida adulta do eu, agora confundindo-se com o eu do poeta. No poema analisado, fica evidente a relevância da infância na formação do poeta. O eu de agora valoriza positivamente sua infância, chegando a enumerar pessoas desconhecidas, comuns, mas que são relevantes em sua história biográfica/pessoal, parentes e pessoas importantes de sua infância e em sua formação como indivíduo.
E, agora, abordar-se-á mais um recurso que surge como forma de expressão e abordagem da infância, a memória involuntária típica do romance proustiano. Para Rosenbaum:

O que esta memória resgata não é a chamada experiência vivida – que pode ser captada pela consicência e acaba sendo ‘estéril para a poesia’. O material involuntário, e por isso poético, parece descansar nas malhas do inconsciente e as reminiscências do passado trariam as marcas dessa inserção.[10]

Walter Benjamin, citado por Sergio Paulo Rouanet[11], afirma que, a memória involuntária é a forma pela qual o escritor reage à atrofia da experiência moderna, anomalia esta que seria a falta de tempo do homem moderno de se lembrar. Benjamin elege Proust como o romancista para reagir à essa anomalia moderna.
Em Proust,a imaginação operava sobre os tempos “passado” ou “futuro”, quase nunca sobre o “presente”. Álvaro Lins, ao estudar a técnica do romance de Proust, também fornece subsídios que servem para a elucidação da obra bandeiriana, pelo viés que está sendo abordado neste ensaio. Álvaro Lins asservera que “tanto os seres como as coisas só principiam também a existir de fato quando adquirem uma ‘existência individual’ na imaginação”[12]
Álvaro Lins prossegue afirmando “(...) a realidade somente existe depois de recriada pela memória, e porque o calendário dos fatos nem sempre coincide com o calendário dos sentimentos.”[13] Segundo o mesmo crítico, em Proust, as recordações são processadas e levantadas mediante dois processos: um, o da memória involuntária, quando sonhava e elaborava; o outro, o da memória voluntária, quando escrevia e compunha. “É como se ele houvesse de lembrar-se de uma lembrança, estabelecendo no ato de escrever uma recordação de outra recordação.”[14] Ou seja, uma memória que cria e elabora, uma inteligência, que coordena e compõe.  
A poesia de Bandeira vê como o auge (a aurora) da vida do poeta, a sua infância, um tempo mítico perdido. Manuel Bandeira recria sua infância como um mundo morto, reproduzindo-a como um passado que se reconquista pela memória e pela imaginação. Rosenbaum afirma:

Esta vida anterior não aparece na obra apenas como instância biográfica e sim pela recriação da memória. Não importa para o poeta a exatidão histórica, mas o tecido mesmo da recordação. (...) A reconstituição desses destroços rememorados são sinais da perda de uma felicidade possível, ou mesmo vivida em certos momentos[15]

A poesia torna-se uma síntese do que ficou inacabado, salvando-o do esquecimento e da distância. “(...) É como ruína de um possível vivido que as lembranças ascendem ao espaço poético e se incorporam à vida do adulto.”[16] Dessa forma, o poeta desloca para as imagens, objetos ou seres – desprentensiosos (o enumerar das pessoas da infância do poeta em Profundamente), inocentes (a ave do poema Cotovia, Opus 10, 1952) ou inusitados – toda a carga afetiva de um mundo anterior e fugidio.
Em Elegia de Verão (Opus 10, 1952), são as cigarras que trazem o som do tempo perdido, como o sabor de um bolo madeleine do romance de Marcel Proust. O poema de Bandeira é, acima de tudo, um apelo bem humorado para a volta da infância:

“O sol é grande. Ó coisas
Todas vãs, todas mudaves!
(Como esse “mudaves”,
Que hoje é “mudáveis”
E já não rima com “aves”.)

O sol é grande. Zinem as cigarras
Em Laranjeiras.
Zinem as cigarras: zino, zino, zino...
Como se fossem as mesmas
Que eu ouvi menino.

Ó verões de antigamente!
Quando o Largo do Boticário
Ainda poderia ser tombado.
Carambolas ácidas, quentes de mormaço;
Água morna das caixas-d´água vermelhas de ferrugem;
Saibro cintiliante...

O sol é grande. Mas, ó cigarras que zinis,
Não sois as mesmas que eu ouvi menino.
Sois outras, não me interessais...

Dêem-me as cigarras que eu ouvi menino.”[17]

As duas primeiras estrofes marcam o presente da enunciação. As cigarras zinem em Laranjeiras. As coisas estão ocorrendo no presente do eu. Porém, o ruído das cigarras de agora faz o eu-lírico remontar ao passado, à sua infância: “Zinem as cigarras: zino, zino, zino.../Como se fossem as mesmas/Que eu ouvi menino.”
Na estrofe seguinte, o eu rememora os verões de antigamente, numa verdadeira elegia, em um clima de nostalgia e de saudosismo, que exaltam o verão e a infância remota: “Ó verões de antigamente!/Quando o Largo do Boticário/Ainda poderia ser tombado./Carambolas ácidas, quentes de mormaço;/Água morna das caixas-d´água vermelhas de ferrugem;/ Saibro cintiliante...”.
Porém, na penúltima estrofe, o eu apercebe-se do presente em que vive e que as cigarras de agora não são as mesmas de outrora: “Não sois as mesmas que eu ouvi menino.”, e, por isso, não interessa a ele: “Sois outras, não me interessais...”, e, finaliza o poema, com um verso isolado, imperativo e reinvidicatório: “Dêem-me as cigarras que eu ouvi menino.”
A perda das ilusões marca o abismo entre um eu que envelhece em um mundo de contínuas transformações e o eu da infância ingênuo e puro. O poema apresenta, na visão de Rosenbaum, um sujeito ‘inconformado’ com seu próprio crescimento. “Entre as cigarras e o poeta é mais lógico afirmar que o sujeito mudou e não as cigarras. (...) O adulto não é mais capaz de recuperar o zinir que a criança ouvia. A grande transformação é do próprio sujeito.”[18]  
Por isso mesmo, mais uma vez a infância prevalece sobre a vida adulta do poeta, aquela tem um valor mais positivo que a vida adulta, pois é marcada pela ingenuidade, inocência e pureza, enquanto a fase adulta é caracterizada pela velhice caduca.
 Rosenbaum conclue que a poesia bandeiriana é, marcadamente, melancólica e, tem, na experiência da ausência, uma enorme energia criativa poética. Pois, por ela, o escritor representa e recria um mundo e tempo perdidos, atualizando-os, via recordações e evocações – fatos, cenas, personagens e sensações já findas. Por esse meio, Manuel Bandeira encontra formas sadias de confrontar-se com suas perdas e para uma elaboração mais do que libertadora do luto.
A linguagem poética de Bandeira é a presentificação do ausente, no caso abordado neste ensaio, a presentificação da infância passada e perdida, que é reconstruída, poeticamente, com a recomposição e o preencher das lacunas e das incompletudes surgidas com a passagem do tempo. Esta reconstrução poética da infância é marcada por lembranças e esquecimentos típicos do processo mnemônico, que é desenvolvido na construção lírica.
O presente ensaio abordou a temática da infância na poesia de Manuel Bandeira. E para isso teve que adentrar (ainda que de maneira introdutória) em alguns recursos usados pelo poeta para desenvolver esse aspecto de sua poética. No caso, do primeiro poema analisado, Versos de Natal, o recurso estudado foi o da memória da infância, apresentada de forma mais explícita.
No segundo poema, Profundamente, apresentamos a técnica do Ubi sunt?, ainda que a grosso modo, introduziu-se também outro tema da poesia bandeiriana, a finitude da vida, além, lógico, de mostrar-se a relevância da infância para o poeta.
No terceiro e último poema analisado, Elegia de Verão, foi apresentada a técnica proustiana da memória involuntária. Além dos três poemas analisados, fez-se referência a dois outros poemas que também têm como temática a infância, trata-se de Cotovia e Infância, dois poemas que poderiam ser estudados e analisados mais detidamente, mas por exigências acadêmicas e de espaço não foi possível, ficando para estudos e ensaios futuros.
A poesia de Bandeira não se esgota na temática da memória da infância, existem outros temas e aspectos, que podem ser estudados, porém, o presente ensaio abordou esse viés da obra bandeiriana, por saber que é um dos mais consistentes, criativos e originais de sua poética. Certo de não esgotar o estudo e o tema, novas propostas e novas realizações acadêmicas poderão ocorrer para aprofundar o tema ou ir em outras direções da poesia bandeiriana, uma poesia moderna, original e universal.




 ------



Estudos dos livros A cinza das horas, Carnaval, O ritmo dissoluto,
Manuel Bandeira






Na obra A cinza das horas, Bandeira ainda está muito preso às tradições clássicas de métrica (preferência pelos versos de sete sílabas e pelos alexandrinos). Ainda não ocorre o processo de despersonalização em sua lírica, característica típica da poética moderna.
Preferência por imagens crepusculares que espelham os estados d´alma do eu-lírico: melancolia e solidão. Várias referências à Lua, como reflexo da melancolia e solidão do “eu”.
A cinza das horas, de Manuel Bandeira é um livro à parte de sua poética, esta analisada como um todo.

No livro, Carnaval, o poeta já aborda mais os temas do cotidiano, em específico das festas carnavalescas. Figuras típicas do carnaval aparecem nos poemas: Arlequim, Colombina e Pierrot.



O processo de despersonalização (típico da lírica moderna) aparece nos poemas numa recorrência maior, porém, em alguns poemas, prevalece os estado d´alma de um “eu”-lírico.
Poemas de conotação/tom sensual e erótica são constantes, até pelo título da obra.
Os poemas, contudo, ainda, se prendem muito às tradições métricas clássicas, em termos formais, o poeta é ainda conservador. Mas, o tema, Carnaval, é abordado por um viés moderno, mais sensual e erótico, cotidiano.

Em O ritmo dissoluto, ocorre um rompimento brusco do poeta para com as tradições formais de métrica e rima. Os poemas são, em sua maioria, marcados por versos livres e brancos. A despersonalização é evidente e marcante.



Os temas são assuntos do cotidiano (até de conotação de crítica social, vide “Meninos carvoeiros”). O tema da infância aparece em “Balõezinhos” e em “O menino doente”, sempre tratado, poeticamente, de forma corriqueira e que ressalta o cotidiano dessa temática.
Têm-se também poemas de tom religioso, porém este tema (religião/religiosidade) é desconstruído pelo poeta (característica do modernismo), vide “Balada de Santa Maria Egipcíaca”. Neste poema, o caráter virginal, típico de uma santa é confrontado (desconstruído) pelo aspecto sensual da própria santa.
O título da obra, O ritmo dissoluto, é sintomático, da evolução da poética bandeiriana rumo à uma lírica moderna. Ambas marcadas pela despersonalização e pelos versos brancos e livres.

Pode-se, portanto, colocar à parte a primeira obra de Bandeira. Já que, A cinza das horas, é um livro ainda muito preso às tradições clássicas de lirismo (no âmbito formal). Contudo, já aparece o tema da rememoração da infância em poemas como “Cartas de meu avô”. E, sem contar, as lembranças do eu-lírico em relação à sua irmã e à sua mãe.
As outras duas obras, Carnaval e O ritmo dissoluto, podem ser agrupadas, provisoriamente, num grupo da poesia bandeiriana, em que já há predomínio dos temas do cotidiano; de poemas de certo tom erótico e sensual; e de poemas marcados pela despersonalização, característica da lírica moderna. Aquela já se faz presente e bastante recorrente nos livros acima referidos de Manuel Bandeira.

LIBERTINAGEM – MANUEL BANDEIRA



Os poemas desse livro têm certo tom de sensualismo e lascívia. Eles são marcados pela despersonalização, mas ainda há poemas enunciados por um eu-lírico. Poemas, em sua maioria, de versos livres e brancos. Os poemas apresentam aspectos de uma brasilidade, ou seja, de características típicas do Brasil. Linguagem coloquial e temas do cotidiano. Uso de diminutivos.
Poemas: “Não sei dançar”; “Pensão familiar”; “Camelôs”; “Poética”; “Mangue”; “Belém do Pará”; “Evocação do Recife”; “Profundamente”.

ESTRELA DA MANHÃ – MANUEL BANDEIRA:





Nesse livro, aparecem nos poemas, também aspectos de lascívia e sensualidade. Certo tom humorístico. Temas do cotidiano. Aspectos de brasilidade. Linguagem coloquial. Versos livres e brancos. Despersonalização.
Poemas: “Cantiga”; “Boca de forno”; “Estrela da manhã”; “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”; “Trem de ferro”.


Lira dos cinquent´anos – Manuel Bandeira:




Poemas intimistas, marcados pelo “eu”. Poemas de tom solitário e de recordações. Lembranças e rememorações. Outra temática que também aparece bastante nesse livro é a lírico-amorosa e a de poemas em homenagem a outros poetas e artistas.
Lembranças da vida. Certo balanço da vida do “eu”. Venturas e desventuras ao longo da vida. Vida marcadamente: melancólica, solitária.
Poemas: “O martelo”; “Versos de Natal”; “A estrela”; “Belo Belo”; “Testamento”; “Pardalzinho”; “Peregrinação”; “Velha chácara”.
No poema, “Pardalzinho”, o tema da infância se sobressai.
Já no poema, “Velha Chácara”, o “eu” rememora a sua vida (50 anos?).

Podem-se agrupar em um mesmo grupo, os dois livros, Libertinagem e Estrela da manhã, pelo fato de apresentarem poemas marcados pela sensualidade e pela lascívia; além de certa brasilidade que é ressaltada nos poemas de ambos os livros. Sensualismo, lascívia, aspectos que, contudo, já apareceram no segundo livro de Bandeira, Carnaval. Já Lira dos cinquent´anos, fica à parte, tendo como temática primordial a memória, as lembranças e rememorações, uma poesia mais intimista do “eu-lírico”.
Porém esses três livros, já apresentam o predomínio dos versos brancos e livres. E apresenta em muitos poemas, o processo da despersonalização.

A cinza das horas, à parte (preso, ainda, às tradições clássicas formais de lírica); Carnaval, O ritmo dissoluto e Libertinagem, num grupo (despersonalização, versos livres e brancos; lascívia e sensualismo). E Estrela da manhã e Lira dos cinquent´anos, em outro grupo, dado o tom intimista de ambos os livros e da já recorrência de poemas que fazem uso do recurso mnemônico.

ESTRELA DA MANHÃ, OPUS 10 – MANUEL BANDEIRA



Estrela da manhã é uma obra que apresenta, de maneira geral, poemas de tom melancólico.
“Estrela da manhã”: poema que dá título à obra é uma poesia que simboliza o desejo do eu-poético em “viver a vida” em sua plenitude. Possível interpretação. Poema é finalizado com certo tom esperançoso, porém sóbrio.
“A filha do rei”: apresenta uma “des-romantização”, anti-lirismo do tema da “mulher amada”, por meio do uso do prosaico poético, cotidiano.
“Contrição”: o poema faz referência a uma voz, a voz da infância do eu, que “poderia” mostrar ao mesmo “a vida boa”, a qual não veio com o passar do tempo. Possível interpretação.

 Opus 10 trata-se de um livro, no qual aparecem muitos poemas que têm como característica o rememorar, o lembrar de tempos mais alegres do eu-lírico, os quais foram vividos, na maioria das vezes, no período da infância.
“Boi morto”: melancolia apresentada pelo eu do presente; a imagem do “boi morto” simboliza a melancolia atual. Lendo as memórias do poeta, o leitor toma conhecimento que essa imagem do “boi morto” foi vivenciada na infância real do escritor. A imagem tornou-se tão forte, que marcou o poeta até em sua produção lírica, no futuro. Uma imagem que deixou o “menino Bandeira” atônito e o eu-lírico, no poema em tela, também “atônito”; e, metaforicamente, é uma imagem que expressa a melancolia do eu “profundamente”,  para usar termos bandeirianos.
“Cotovia”: a imagem da cotovia, no presente da enunciação, é o estopim deflagrador para o eu-lírico rememorar “a aurora da minha vida” (infância), ligada aos tempos vividos em “Recife”.
“Elegia de Verão”: as cigarras “promovem” o processo mnemônico do eu. As cigarras que zinem no presente da enunciação, levam o eu-poético a rememorar a infância e a lembrar das cigarras que ouvia quando menino (“Largo do Boticário”). E, o eu declara preferência pelas cigarras do passado, pois estas são correlacionadas pelo eu-lírico, intuitivamente, com as “alegrias” vivenciadas nos verões do tempo remoto, quando era menino, (na “aurora da vida”, para usar expressão do mesmo poeta, a qual aparece no poema “Cotovia”, para simbolizar a infância).
“Natal sem sinos”: o eu do passado viveu “um Natal com sinos”, com sons, que metaforicamente representa a felicidade do eu, na infância. Como contraponto, o eu do presente faz referência à vivência de “um Natal sem sinos”, vivido em silêncio, conotando simbolicamente melancolia do “eu-adulto”.

Estrela da manhã e Opus 10 formam de certa forma um grupo homogêneo de livros que apresentam, de maneira geral, poemas que expressam sentimentos melancólicos e saudosistas, com preferência pelo rememorar da infância, como o tempo da “aurora da vida”, expressão bandeiriana. Tudo isso pelo viés de uma poética que faz uso do cotidiano como forma de demonstrar, poeticamente, aqueles sentimentos; um prosaísmo poético que acaba por transparecer, por conseguinte nos poemas dessas obras. Aqueles dois livros podem ser reunidos, dessa forma, em um grande grupo junto com Libertinagem, Lira dos cinquent´anos e Belo Belo.










[1] LIMA, Luiz Costa. Lira e antilira: (Mário, Drummond e Cabral). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.  p.9.
[2] BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
[3] ROSENBAUM,  Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: Imago, 1993.
[4] Idem,  p.42.
[5] Itinerário de Pasárgada, em Manuel Bandeira Poesia completa e prosa, vol. único, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985, p.35.  
[6] ROSENBAUM,  Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: Imago, 1993. p. 42.
[7] BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
[8] ARRIGUCCI JR., Davi. Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p.206.
[9] Idem, ibdem.
[10] ROSENBAUM,  Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: Imago, 1993. p.47.
[11] ROUANET, Sergio Paulo. Édipo e o anjo: itinerários freudianos em Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981. Apud ROSENBAUM, Yudith, 1993. p.157.
[12] LINS, Álvaro. A técnica do romance em Marcel Proust. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 119.
[13] Idem, p.123-124.
[14] Idem, p.125.
[15] ROSENBAUM, Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: Imago, 1993. p.158-159.
[16] Idem, p.158.
[17] BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

[18] ROSENBAUM, Yudith. Manuel Bandeira: uma poesia da ausência. São Paulo: Imago, 1993.  p.52.



Nenhum comentário:

Postar um comentário