Últimos sonetos-Cruz e Sousa:
Poemas selecionados por Rafael Vespasiano
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"Cárcere das almas":
"Ah! Toda a alma num cárcere
anda presa,
Soluçando nas trevas, entre as
grades
Do calabouço olhando
imensidades,
Mares, estrelas, tardes,
natureza.
Tudo se veste de uma igual
grandeza
Quando a alma entre grilhões as
liberdades
Sonha e, sonhando, as
imortalidades
Rasga no etéreo o Espaço da
Pureza.
Ó almas presas, mudas e
fechadas
Nas prisões colossais e
abandonadas,
Da Dor no calabouço, atroz,
funéreo!
Nesses silêncios solitários,
graves,
que chaveiro do Céu possui as
chaves
para abrir-vos as portas do
Mistério?!"
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"BENDITAS CADEIAS!":
"Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.
Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos...
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.
Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os
Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.
De ver minh'alma com tais sonhos,
tantos
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos
prantos!"
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"A Harpa":
"Prende, arrebata, enleva,
atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é
barcarola.
Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…
Tu’alma é como esta harpa peregrina
Que tem sabor de música divina
E só pelos eleitos é tangida.
Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais
pura,
como de uma saudade indefinida."
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"Mudez Perversa":
"Que mudez infernal teus labios
cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na attitude da pedra, concentrando
No entanto, n'alma, convulsões de
guerra!
A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo gróssas pás de
terra.
Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrivel que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e
rumo.
Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho
prumo
Da alma fico com a alma
allucinada!"
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"Crê!":
"Vê como a Dor te
transcendentaliza!
Mas no fundo da Dor crê
nobremente.
Transfigura o teu ser na força
crente
Que tudo torna belo e diviniza.
Que seja a Crença uma celeste
brisa
Inflando as velas dos batéis do
Oriente
Do teu Sonho supremo,
onipotente,
Que nos astros do céu se cristaliza.
Tua alma e coração fiquem mais
graves,
Iluminados por carinhos suaves,
Na doçura imortal sorrindo e crendo...
Oh! Crê! Toda a alma humana
necessita
De uma Esfera de cânticos,
bendita,
Para andar crendo e para andar
gemendo!"
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"Alma Fatigada":
"Nem dormir nem morrer na fria
Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um
tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do
pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.
A graça do consolo e da tranquilidade
De um céu de carinhoso e perfumado
encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido
quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.
Um sonho lirial d'estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas,
fatigadas
Possam se recordar e repousar
tranquilas!
Um descanso de Amor, de celestes
miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas
paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de
argilas!"
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"Feliz!":
"Ser de beleza, de melancolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.
Se a tu'alma é d'estrela e
d'harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da
Nostalgia.
Deus a proteja na Felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.
E sê feliz e sê feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer
libertamente!"
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"O Soneto":
"Nas formas voluptuosas o Soneto
Tem fascinante, cálida fragrância
E as leves, langues curvas de
elegância
De extravagante e mórbido esqueleto.
A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerância,
Toda a sutil, secreta extravagância
Que transborda terceto por terceto.
E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto, nas formas caprichosas.
As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
E nas mais rara procissão augusta
Surge o Sonho das almas
dolorosas..."
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"Perante a Morte":
"Perante a Morte empalidece e
treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.
Ah! longe o Inferno que flameja e
freme,
Longe a Paixão que só no horror
floresce...
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.
Silêncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da Morte e os seus aspectos
reverentes...
Silêncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os
dentes!"
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"O Assinalado":
"Tu és o louco da imortal
loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.
Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...
Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de
louco!"
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