sexta-feira, 14 de abril de 2017

Últimos sonetos-Cruz e Sousa: Poemas selecionados

Últimos sonetos-Cruz e Sousa:



Poemas selecionados por Rafael Vespasiano

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"Cárcere das almas":

"Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, 
Soluçando nas trevas, entre as grades 
Do calabouço olhando imensidades, 
Mares, estrelas, tardes, natureza. 

Tudo se veste de uma igual grandeza 
Quando a alma entre grilhões as liberdades 
Sonha e, sonhando, as imortalidades 
Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. 

Ó almas presas, mudas e fechadas 
Nas prisões colossais e abandonadas, 
Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! 

Nesses silêncios solitários, graves, 
que chaveiro do Céu possui as chaves 
para abrir-vos as portas do Mistério?!"


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"BENDITAS CADEIAS!":

"Quando vou pela Luz arrebatado,
Escravo dos mais puros sentimentos
Levo secretos estremecimentos
Como quem entra em mágico Noivado.
Cerca-me o mundo mais transfigurado
Nesses sutis e cândidos momentos...
Meus olhos, minha boca vão sedentos
De luz, todo o meu ser iluminado.

Fico feliz por me sentir escravo
De um Encanto maior entre os Encantos,
Livre, na culpa, do mais leve travo.

De ver minh'alma com tais sonhos, tantos
E que por fim me purifico e lavo
Na água do mais consolador dos prantos!"
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"A Harpa":

"Prende, arrebata, enleva, atrai, consola
A harpa tangida por convulsos dedos,
Vivem nela mistérios e segredos,
É berceuse, é balada, é barcarola.

Harmonia nervosa que desola,
Vento noturno dentre os arvoredos
A erguer fantasmas e secretos medos,
Nas suas cordas um soluço rola…

Tu’alma é como esta harpa peregrina
Que tem sabor de música divina
E só pelos eleitos é tangida.

Harpa dos céus que pelos céus murmura
E que enche os céus da música mais pura,
como de uma saudade indefinida."

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"Mudez Perversa":

"Que mudez infernal teus labios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na attitude da pedra, concentrando
No entanto, n'alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo gróssas pás de terra.

Não te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrivel que não gera nada,
Que não diz nada, não tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma allucinada!"

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"Crê!":

"Vê como a Dor te transcendentaliza! 
Mas no fundo da Dor crê nobremente. 
Transfigura o teu ser na força crente 
Que tudo torna belo e diviniza.

Que seja a Crença uma celeste brisa 
Inflando as velas dos batéis do Oriente 
Do teu Sonho supremo, onipotente, 
Que nos astros do céu se cristaliza.

Tua alma e coração fiquem mais graves, 
Iluminados por carinhos suaves, 
Na doçura imortal sorrindo e crendo...

Oh! Crê! Toda a alma humana necessita 
De uma Esfera de cânticos, bendita, 
Para andar crendo e para andar gemendo!"

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"Alma Fatigada":

"Nem dormir nem morrer na fria Eternidade!
Mas repousar um pouco e repousar um tanto,
Os olhos enxugar das convulsões do pranto,
Enxugar e sentir a ideal serenidade.

A graça do consolo e da tranquilidade
De um céu de carinhoso e perfumado encanto,
Mas sem nenhum carnal e mórbido quebranto,
Sem o tédio senil da vã perpetuidade.

Um sonho lirial d'estrelas desoladas
Onde as almas febris, exaustas, fatigadas
Possam se recordar e repousar tranquilas!

Um descanso de Amor, de celestes miragens,
Onde eu goze outra luz de místicas paisagens
E nunca mais pressinta o remexer de argilas!"
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"Feliz!":

"Ser de beleza, de melancolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.

Se a tu'alma é d'estrela e d'harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na Felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.

E sê feliz e sê feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!"

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"O Soneto":

"Nas formas voluptuosas o Soneto
Tem fascinante, cálida fragrância
E as leves, langues curvas de elegância
De extravagante e mórbido esqueleto.

A graça nobre e grave do quarteto
Recebe a original intolerância,
Toda a sutil, secreta extravagância
Que transborda terceto por terceto.

E como um singular polichinelo
Ondula, ondeia, curioso e belo,
O Soneto, nas formas caprichosas.

As rimas dão-lhe a púrpura vetusta
E nas mais rara procissão augusta
Surge o Sonho das almas dolorosas..."
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"Perante a Morte":

"Perante a Morte empalidece e treme,
Treme perante a Morte, empalidece.
Coroa-te de lágrimas, esquece
O Mal cruel que nos abismos geme.

Ah! longe o Inferno que flameja e freme,
Longe a Paixão que só no horror floresce...
A alma precisa de silêncio e prece,
Pois na prece e silêncio nada teme.

Silêncio e prece no fatal segredo,
Perante o pasmo do sombrio medo
Da Morte e os seus aspectos reverentes...

Silêncio para o desespero insano,
O furor gigantesco e sobre-humano,
A dor sinistra de ranger os dentes!"
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"O Assinalado":

"Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...

Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!"

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