O
TARTUFO OU O IMPOSTOR
MOLIÈRE
(resenha por
Rafael Vespasiano)
"O dramaturgo francês
Molière constrói uma comédia que ironiza e escancara a hipocrisia dos “falsos
beatos” em O Tartufo ou o impostor,
peça encenada pela primeira vez em 1664 e censurada, só liberada em definitivo
em 1669. Escrita no contexto sociocultural da Contra-Reforma religiosa e da
preocupação moral em não pecar ou praticar atos viciosos contrários à moral
cristã, pelo contrário pregava-se que o homem deveria manter-se virtuoso e não
cair em tentação.
No caso da comédia O Tartufo ou o impostor, a personagem
Tartufo é um “falso beato” que prega a moral cristã, a humildade, caridade,
simplicidade, a negação e renúncia a riquezas materiais, porém isso é apenas
uma máscara, uma impostura, uma falsa aparência que lhe é conveniente para
arrancar dinheiro e posses das pessoas. Na trama, o golpe de Tartufo é para
cima da personagem Orgon, um homem rico e que simpatiza com aquele por sua
“beatitude” e o leva para morar em sua casa. Orgon é uma personagem que procura
viver de maneira virtuosa e respeitoso à moral cristã, por isso sua afinidade
com Tartufo, ou melhor, o seu engano, dada a falsidade do Impostor. Orgon é
ingênuo, mas, de certa forma, sua moral cristã, suas virtudes e moralidade são
características dele, sim, porém, Orgon não faz e pratica para si, pura e
simplesmente por acreditar e ter fé em suas crenças morais, contudo faz também
para se exibir na sociedade e possuir um status
na sociedade de um cristão exemplar. Tudo máscara, o que também leva à
hipocrisia.
Essa hipocrisia
moralista cristã, não como Religião em si, mas como forma de manter as
aparências e as máscaras sociais - e dar golpes pecuniários em outrem por
impostura de uma falsa virtuosidade cristã e moral - é que é o motivo de riso
criado na peça e nas situações esdrúxulas e extremas criadas por Molière em sua
comédia.
A comédia tem um quê
barroco no que se refere à data de encenação, pleno século XVII, período áureo
do Barroco Literário Europeu. Mas, principalmente, por tecer preocupações com a
moral e com a religiosidade cristã. Em apresentar personagens cindidas entre o
vício e a virtude, o pecado e a beatitude, etc. Porém, vai além, pois é uma
crítica ácida à falsidade de figuras que se passavam por beatos e humilíssimos
servos do Senhor e da moral cristã, contudo são meros golpistas preocupados em
extrair todas as riquezas materiais dos outros, sendo que prega justamente a
renúncia à posse de bens materiais.
Tartufo é um impostor,
quer dar o golpe em Orgon, ainda tenta seduzir a esposa deste e pretende casar
com a filha de Orgon para conseguir o dote dela. Enfim, um hipócrita."
TRECHOS:
“DORINE (CRIADA): NA
SUA IMAGINAÇÃO PASSA POR SANTO, MAS, ACREDITE-ME, TODA A SUA MANEIRA DE SER NÃO
PASSA DE HIPOCRISIA.” (referindo-se à Tartufo) (p. 58).;
“DORINE (CRIADA):
ENFIM, ESTÁ DOIDO POR ELE (TARTUFO); É O SEU TUDO, SEU HEROI; ADMIRA-O EM TUDO,
CITA-O EM TODAS AS OCASIÕES; PARECEM-LHE MILAGRES SEUS ATOS MAIS
INSIGNIFICANTES, E TODAS AS PALAVRAS QUE DIZ SÃO O MESMO QUE ORÁCULOS. O TAL,
QUE CONHECE BEM A SUA VÍTIMA E QUER EXPLORÁ-LA, POSSUI A ARTE DE ENGANÁ-LA COM
FALSAS APARÊNCIAS; COM AS SUAS BEATICES ARRANCA-LHE DINHEIRO (ORGON) A TODO
INSTANTE, E SE DÁ O DIREITO DE CRITICAR-NOS A TODOS. ATÉ MESMO O BOBÃO QUE LHE
SERVE DE CRIADO METE-SE A DAR-NOS LIÇÕES; COM OLHARES TERRÍVEIS VEM NOS FAZER
SERMÕES E JOGA FORA AS NOSSAS FITAS, NOSSO RUGE E NOSSAS MOSCAS. NO OUTRO DIA,
O TRAIDOR RASGOU COM AS PRÓPRIAS MÃOS UM LENÇO QUE ACHOU EM UM VOLUME DO FLEUR DES SAINTS DIZENDO QUE
MISTURÁVAMOS – OH, CRIME HEDIONDO! – ADORNOS DO DIABO COM A SANTIDADE”. (p.
62-63);
“ORGON: CALE-SE. SE
NADA TEM, SAIBA QUE É POR ISSO QUE SE DEVE RESPEITÁ-LO (TARTUFO). SUA MISÉRIA
É, SEM DÚVIDA, UMA MISÉRIA HONESTA; DEVE ELEVÁ-LA ACIMA DAS GRANDEZAS,
PORQUANTO, AFINAL DE CONTAS, DEIXOU-SE PRIVAR DE TODOS OS BENS PELO DESCASO DAS
COISAS TEMPORAIS E POR SEU GRANDE APEGO ÀS COISAS ETERNAS. MAS MEU AUXÍLIO
PODERÁ FORNECER-LHE OS MEIOS DE SAIR DO EMBARAÇO E RECOBRAR OS SEUS BENS: SÃO
FEUDOS QUE SE CONHECEM NO PAÍS A JUSTO TÍTULO E, TAL COMO O VEMOS, É AINDA
ASSIM UM FIDALGO.
DORINE: SIM, É ELE
(TARTUFO) MESMO QUEM O DIZ; E TAL VAIDADE, SENHOR, NÃO CONDIZ COM A PIEDADE.
QUEM ABRAÇA A INOCÊNCIA DE VIDA SANTA NÃO DEVE GABAR TANTO O NOME E O
NASCIMENTO, E O HUMILDE PROCEDER DA DEVOÇÃO NÃO SUPORTA O ESPLENDOR DESSA
AMBIÇÃO. (...)” (p. 76-77);
“ELMIRE (ESPOSA DE
ORGON): QUE FAZ AÍ SUA MÃO?
TARTUFO: ESTOU
APALPANDO SEU VESTIDO: O TECIDO É TÃO MACIO.
(...)
ELMIRE: A DECLARAÇÃO É
EXTREMAMENTE GALANTE, MAS, PARA DIZER A VERDADE, UM TANTO SURPREENDENTE.
PARECE-ME QUE O SENHOR DEVIA RESGUARDAR MELHOR O SEU CORAÇÃO, E RACIOCINAR UM
POUCO SOBRE TAL INTENTO. DEVOTO COMO O SENHOR É E QUE POR TODA PARTE É TIDO...
TARTUFO: AH! MAS NEM
POR SER DEVOTO EU SOU MENOS HOMEM; E QUANDO SE CHEGA A VER SEUS CELESTES
ENCANTOS, O CORAÇÃO SE DEIXA ENRENDAR E NÃO RACIOCINA MAIS. (...)” (p.
100-101);
“ORGON: Ó CÉU, SERÁ
VEROSSÍMIL O QUE ACABO DE OUVIR?
TARTUFO: SIM, MEU
IRMÃO, SOU MAU, SOU CULPADO, PECADOR INFELIZ, CHEIO DE INIQUIDADE, O MAIOR
CELERADO QUE JÁ VIVEU; CADA INSTANTE DE MINHA VIDA ESTÁ MACULADO; ELA NADA MAIS
É QUE UM AMONTOADO DE CRIMES E DE TORPEZAS; E ESTOU VENDO QUE O CÉU, PARA MEU
CASTIGO, QUER MORTIFICAR-ME NESTA OCASIÃO. SEJA QUAL FOR A PERVERSIDADE DE QUE
ME ACUSAM, NÃO TEREI O ORGULHO DE DEFENDER-ME. ACREDITE NO QUE LHE DIZEM,
ARME-SE DE CÓLERA, E EXPULSE-ME DE SUA CASA COMO UM CRIMINOSO: POR MAIS
VERGONHA QUE EU SINTA AO PARTIR, AINDA É MENOS DO QUE MEREÇO.
ORGON (AO FILHO): AH!
TRAIDOR, OUSAS MACULAR-LHE A PUREZA DA VIRTUDE COM ESSA FALSIDADE?
DAMIS (FILHO DE ORGON):
COMO? A DOÇURA FINGIDA DESSA ALMA HIPÓCRITA FÁ-LO-Á DESMENTIR...
ORGON: CALA-TE, PESTE
MALDITA!” (p. p. 105);
“ORGON: SÃO NOVIDADES
QUE TESTEMUNHEI COM MEUS PRÓPRIOS OLHOS, E A SENHORA ESTÁ VENDO COMO FORAM
PAGOS OS MEUS CUIDADOS. COM ZELO, ACOLHO UM HOMEM NA MISÉRIA, DOU-LHE CASA E
COMIDA, TRATO-O COMO A UM PRÓPRIO IRMÃO; TODO DIA, CUMULO-O DIARIAMENTE DE
BENEFÍCIOS; DOU-LHE A MÃO DE MINHA FILHA E TODOS OS BENS QUE POSSUO; E,
ENQUANTO ISSO, O PÉRFIDO, O INFAME TENTA O NEGRO PROJETO DE SEDUZIR-ME A ESPOSA
E, NÃO CONTENTE COM ESSA TENTATIVA INFAME, OUSA AMEAÇAR-ME COM OS MEUS PRÓPRIOS
BENEFÍCIOS E QUER ARRUINAR-ME USANDO AS VANTAGENS COM QUE ACABA DE ARMÁ-LO
MINHA BONDADE POR DEMAIS INSENSATA, EXPULSAR-ME DE MEUS BENS QUE EU LHE
TRANSFERI E REDUZIR-ME À SITUAÇÃO DE QUE O TIREI.” (p. 129-30).
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REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
MOLIÈRE. O
tartufo ou o impostor. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003.
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