terça-feira, 21 de outubro de 2014

(POR) DENTRO DA CASA
(Crítica do filme Dentro da casa, de François Ozon, por Rafael Vespasiano)

“Dentro da casa” é um filme do cineasta francês François Ozon, película esta que tive o prazer de ver recentemente. Trata-se de uma obra excelente e que reflete e discute muitos aspectos da pós-modernidade. Como o voyeurismo, por exemplo.
Nesse caso, um estudante secundário e de classe baixa (Claude) consegue entrar na casa que ele observava de fora e não tinha acesso a ela, pois não era amigo do colega de escola, que mora nessa residência com o pai e a mãe. Claude planeja uma forma de entrar na casa; isso se dá ao começar a travar relações com o colega, no intuito de dar dicas e ajudar na disciplina de Matemática, a qual o colega demonstra muitas dificuldades para tirar uma nota boa. Dessa forma, Claude consegue entrar na casa.
E consegue “observar” o interior da mesma; aos poucos o voyeurismo vai num crescente, que pode trazer consequências terríveis. O que move o filme, na verdade, são as redações que Claude escreve e entrega ao professor de Literatura do colégio. No começo este professor está entediado e sem perspectiva profissional e sentimental. Porém, Claude vem preencher essa lacuna, pois o professor começa a achar, lendo os escritos de Claude, que com os seus conselhos, o pupilo poderia se tornar um bom escritor. Aqui temos outra reflexão sobre ficção e realidade e suas inter-relações.
Pois o que Claude escreve são observações voyeurísticas da realidade que ele observa na casa de classe média; o Professor não percebe que nos escritos existe muito pouco de ficção e muito de realidade, na verdade, apenas relatos do vivido pela família e o “intruso”. E as complicações nas relações e na história começam a se desenrolar.
O tanto de ironia que transparece nos escritos de Claude é que confunde o Professor, este pensa tratar-se de estilo de escrita de Claude, mas aqui temos mais um caso de tentativa de desestabilizar um ambiente familiar em harmonia e questões de classe social e desigualdade – Claude é de classe baixa, a família que ele tem “acesso” é de classe média –, há certo rancor por parte de Claude pelo fato dele vim de uma classe inferior (baixa) e ter sua família desestruturada.
Tudo isso são reflexões fílmicas de uma realidade nossa. O momento que vivemos que segundo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, é marcado por uma “modernidade líquida”, fragmentada e consumista. E, portanto, o filme discute temas que estão nesse rol de reflexões pós-modernas: voyeurismo; inveja e ciúme; valor da arte; relevância das artes (Literatura e Artes Plásticas); desigualdade social; reflexão sobre o fazer literário; famílias desestruturadas; falta de sentido na vida, etc.
O filme em nenhum momento julga as personagens, isso cabe ao espectador, se é que nossa função nesse caso seja julgar as personagens do filme. O roteiro faz referência ao livro Madame Bovary de Gustave Flaubert, talvez aí a explicação (e a sugestão do diretor) de não julgarmos aquelas. E a referência ao filme de Pasolini (Teorema) também não é gratuita, pois o filme de Ozon mostra um “intruso” a tentar desestabilizar um lar, mesmo que não conscientemente a princípio.

Um filme bem escrito e dirigido, com boas atuações, merece ser visto. 

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