(POR)
DENTRO DA CASA
(Crítica do filme Dentro da casa, de François Ozon, por Rafael
Vespasiano)
“Dentro
da casa” é um filme do cineasta francês François Ozon,
película esta que tive o prazer de ver recentemente. Trata-se de uma obra
excelente e que reflete e discute muitos aspectos da pós-modernidade. Como o voyeurismo,
por exemplo.
Nesse caso, um
estudante secundário e de classe baixa (Claude) consegue entrar na casa que ele
observava de fora e não tinha acesso a ela, pois não era amigo do colega de
escola, que mora nessa residência com o pai e a mãe. Claude planeja uma forma
de entrar na casa; isso se dá ao começar a travar relações com o colega, no
intuito de dar dicas e ajudar na disciplina de Matemática, a qual o colega
demonstra muitas dificuldades para tirar uma nota boa. Dessa forma, Claude
consegue entrar na casa.
E consegue “observar” o
interior da mesma; aos poucos o voyeurismo vai num crescente, que pode trazer
consequências terríveis. O que move o filme, na verdade, são as redações que
Claude escreve e entrega ao professor de Literatura do colégio. No começo este
professor está entediado e sem perspectiva profissional e sentimental. Porém, Claude
vem preencher essa lacuna, pois o professor começa a achar, lendo os escritos
de Claude, que com os seus conselhos, o pupilo poderia se tornar um bom
escritor. Aqui temos outra reflexão sobre ficção e realidade e suas
inter-relações.
Pois o que Claude
escreve são observações voyeurísticas da realidade que ele observa na casa de
classe média; o Professor não percebe que nos escritos existe muito pouco de
ficção e muito de realidade, na verdade, apenas relatos do vivido pela família
e o “intruso”. E as complicações nas relações e na história começam a se
desenrolar.
O tanto de ironia que
transparece nos escritos de Claude é que confunde o Professor, este pensa tratar-se
de estilo de escrita de Claude, mas aqui temos mais um caso de tentativa de
desestabilizar um ambiente familiar em harmonia e questões de classe social e
desigualdade – Claude é de classe baixa, a família que ele tem “acesso” é de
classe média –, há certo rancor por parte de Claude pelo fato dele vim de uma classe
inferior (baixa) e ter sua família desestruturada.
Tudo isso são reflexões
fílmicas de uma realidade nossa. O momento que vivemos que segundo o sociólogo
polonês Zygmunt Bauman, é marcado por uma “modernidade líquida”, fragmentada e
consumista. E, portanto, o filme discute temas que estão nesse rol de reflexões
pós-modernas: voyeurismo; inveja e ciúme; valor da arte; relevância das artes
(Literatura e Artes Plásticas); desigualdade social; reflexão sobre o fazer
literário; famílias desestruturadas; falta de sentido na vida, etc.
O filme em nenhum
momento julga as personagens, isso cabe ao espectador, se é que nossa função
nesse caso seja julgar as personagens do filme. O roteiro faz referência ao
livro Madame Bovary de Gustave
Flaubert, talvez aí a explicação (e a sugestão do diretor) de não julgarmos
aquelas. E a referência ao filme de Pasolini (Teorema) também não é gratuita, pois o filme de Ozon mostra um
“intruso” a tentar desestabilizar um lar, mesmo que não conscientemente a
princípio.
Um filme bem escrito e
dirigido, com boas atuações, merece ser visto.
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