sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams: (Tensão sexual e familiar)

Um bonde chamado desejo, de Tennessee Williams:
(Tensão sexual e familiar)
(Resenha por Rafael Vespasiano).


"Tennessee Williams faz parte dos grandes nomes do teatro estadunidense do século XX, junto a Edward Albee, Arthur Miller e Eugene O´Neill. A tradutora Beatriz Viégas-Faria cita o teórico e escritor (e amigo de Williams) Gore Vidal, que afirma que em Um bonde chamado desejo, o dramaturgo o confidenciou que “ele [Williams] era incapaz de escrever uma história que não tivesse pelo menos uma personagem pela qual ele sentisse desejo físico.” (VIÉGAS-FARIA, 2010, p. 10).

E, justamente, em Um bonde chamado desejo, o cunhado da personagem Blanche DuBois, Stanley Kowalski, é visto por aquela como um homem bruto, um trabalhador braçal, um verdadeiro ‘animal’ truculento. Mas são essas características animalescas e/ou brutas e antissociáveis que desperta o desejo sexual de Blanche pelo marido de sua irmã.

Viégas-Faria mais uma vez cita Vidal para afirmar que este “ressalta a importância de Kowalski tendo como personificado um objeto de desejo sexual que inaugurou na história dos Estados Unidos o reconhecimento de um fato: a luxúria feminina.” (Ibidem, p. 10).

Williams botou em discussão na América, dos anos 40/50 -, a peça foi publicada em 1947-, o debate sobre um tabu da sociedade norte-americana: sim, as mulheres desejam sexualmente os homens!

Em termos sociológicos mais amplos, Um bonde chamado desejo, é um espelho da sociedade estadunidense decadente, que é personificada pela protagonista DuBois, uma mulher muito bonita, que retorna à casa de sua irmã, Stella, pois suas economias e terras no sul dos EUA foram vendidas, hipotecadas, enfim, perdidas, em sua ânsia de ter tudo do bom e do melhor, em termos de roupa, perfumes, etc., mas os gastos não condiziam com os rendimentos da herança e da fazenda herdadas dos pais, e com a falência da economia sulista americana. Dubois desesperada e à beira da loucura, vai ao encontro de sua irmã, casada com Stanley, na cidade de New Orleans (diga-se de passagem várias notações teatrais fazem registro durante a peça, de shows musicais de jazz que estão ocorrendo simultaneamente à ação da trama, mostrando assim o nascimento daquele estilo musical tipicamente estadunidense; o jazz e seus primeiros acordes são mostrados sutilmente e vagamente, pelo dramaturgo. Dando mais um tom de melancolia à uma obra já merencória e decadente, tendo para a tragicidade.

A tensão que se cria entre o refinamento de DuBois e a grosseria do cunhado, reflete-se no campo sexual, primeiro ele exerce fascínio sexual sobre ela, depois é ela que cria um jogo de sedução para cima de Stanley; ao final os dois estão tensos e presos na mesma armadilha sexual, numa tensão sexual mútua, os dois se desejam sexualmente de forma recíproca.

Com isso, vem a ruína da família quando a irmã de Blanche, Stella, percebe que aquela está colocando o seu lar em perigo e humilhando o seu marido, mas este, agora, é presa fácil para DuBois, e, Stella percebe isso, que ele está sexualmente enredado pela sua irmã. Não há lugar para amor, carinho e sensibilidade em nenhum momento do enredo da peça de Williams, nem, no início entre Stanley e Stella (a relação dos dois já era conflituosa e arruinada), nem entre Dubois e Stanley, pois aqui a tensão se desenvolve em agressões mútuas, verbais e, até, físicas, mesmo sendo um homem agredindo uma mulher. Polêmica para a época não foi isso, mas o fato de DuBois destruir moralmente, fisicamente e agredir verbalmente e fisicamente um homem forte e brutal.    

 Dessa forma, o machismo, o patriarcalismo dos anos 40/50 da sociedade americana do início século XX, é posto em xeque e contestando discursivamente, verbalmente e fisicamente. A peça de Tennessee Williams é uma bomba de polêmicas e de desconstrução do discurso machista em que só o homem pode sentir desejo sexual e dominar a parceira. DuBois prova o contrário.

Contudo, o final acomoda o casal Stanley e Stella, em seu lar, e Stella enganada pelo marido, se ver forçada a expulsar a irmã DuBois de sua casa, de maneira forte, perturbadora e trágica. De certa forma, o machismo prevalece, mas leva um bom chute nos colhões."


"P.s.1: a peça estreou na Broadway, em 1947, com direção de Elia Kazan. Este diretor levou a peça para o cinema, no ano de 1951, com roteiro do próprio Williams e, utilizando o mesmo ator da peça de 47, a saber: Marlon Brando, este iniciava a construir uma carreira em Hollywood sólida e tornar-se-ia um mito do cinema em todos os tempos. Antes só fizera um filme, Espíritos Indômitos, já mostrando a que veio. Mas foi com o diretor Kazan que se consolidou no mercado cinematográfico norte-americano.

P.s.2: Kazan detonou, tempos depois, alguns colegas, ao entregar estes artistas para o Macarthismo, perseguição de uma autoridade política americana contra os artistas dos EUA comunistas (ou não!) que tinham contatos com quem o era, ou simplesmente concordavam com algumas coisas do comunismo. Cadê a liberdade de expressão, USA?

P.s.3: Marlon Brando foi dirigido por Kazan também no filme Sindicato de Ladrões, pelo qual Brando ganhou o Oscar de Melhor ator.

P.s.4: Elia Kazan tem bons filmes, mas pisou na bola, contudo sua obra fílmica ainda tem obras maravilhosas, como: Boneca de Carne, A luz é para todos, etc.

P.s.5: Quem viveu Blanche Dubois, no filme, de 1951, foi a excelente atriz Vivien Leigh. Que trava um verdadeiro duelo de interpretações, tal qual é proposto na peça original de Tennessee Williams. Quem sai ganhando? o espectador, pois dentro da peça/filme/trama, a decadência e o desfecho é de tragicidade para todas as personagens, alguns mais, outros menos. O filme foi lançado no Brasil com o título de Uma rua chamada pecado. Mas o título do livro, da peça original de Tennessee Williams é: UM BONDE CHAMADO DESEJO."

 REFERÊNCIA BILBIOGRÁFICA:


WILLIAMS, Tennessee. Um bonde chamado desejo. Tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2010.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário