Um
bonde chamado desejo, de Tennessee Williams:
(Tensão
sexual e familiar)
(Resenha
por Rafael Vespasiano).
"Tennessee
Williams faz parte dos grandes nomes do teatro estadunidense do século XX,
junto a Edward Albee, Arthur Miller e Eugene O´Neill. A tradutora Beatriz
Viégas-Faria cita o teórico e escritor (e amigo de Williams) Gore Vidal, que
afirma que em Um bonde chamado desejo, o
dramaturgo o confidenciou que “ele [Williams] era incapaz de escrever uma
história que não tivesse pelo menos uma personagem pela qual ele sentisse
desejo físico.” (VIÉGAS-FARIA, 2010, p. 10).
E,
justamente, em Um bonde chamado desejo, o
cunhado da personagem Blanche DuBois, Stanley Kowalski, é visto por aquela como
um homem bruto, um trabalhador braçal, um verdadeiro ‘animal’ truculento. Mas
são essas características animalescas e/ou brutas e antissociáveis que desperta
o desejo sexual de Blanche pelo marido de sua irmã.
Viégas-Faria
mais uma vez cita Vidal para afirmar que este “ressalta a importância de
Kowalski tendo como personificado um objeto de desejo sexual que inaugurou na
história dos Estados Unidos o reconhecimento de um fato: a luxúria feminina.”
(Ibidem, p. 10).
Williams
botou em discussão na América, dos anos 40/50 -, a peça foi publicada em 1947-,
o debate sobre um tabu da sociedade norte-americana: sim, as mulheres desejam
sexualmente os homens!
Em
termos sociológicos mais amplos, Um bonde
chamado desejo, é um espelho da sociedade estadunidense decadente, que é personificada
pela protagonista DuBois, uma mulher muito bonita, que retorna à casa de sua
irmã, Stella, pois suas economias e terras no sul dos EUA foram vendidas,
hipotecadas, enfim, perdidas, em sua ânsia de ter tudo do bom e do melhor, em
termos de roupa, perfumes, etc., mas os gastos não condiziam com os rendimentos
da herança e da fazenda herdadas dos pais, e com a falência da economia sulista
americana. Dubois desesperada e à beira da loucura, vai ao encontro de sua
irmã, casada com Stanley, na cidade de New Orleans (diga-se de passagem várias
notações teatrais fazem registro durante a peça, de shows musicais de jazz que
estão ocorrendo simultaneamente à ação da trama, mostrando assim o nascimento
daquele estilo musical tipicamente estadunidense; o jazz e seus primeiros
acordes são mostrados sutilmente e vagamente, pelo dramaturgo. Dando mais um
tom de melancolia à uma obra já merencória e decadente, tendo para a
tragicidade.
A
tensão que se cria entre o refinamento de DuBois e a grosseria do cunhado,
reflete-se no campo sexual, primeiro ele exerce fascínio sexual sobre ela,
depois é ela que cria um jogo de sedução para cima de Stanley; ao final os dois
estão tensos e presos na mesma armadilha sexual, numa tensão sexual mútua, os
dois se desejam sexualmente de forma recíproca.
Com
isso, vem a ruína da família quando a irmã de Blanche, Stella, percebe que
aquela está colocando o seu lar em perigo e humilhando o seu marido, mas este,
agora, é presa fácil para DuBois, e, Stella percebe isso, que ele está sexualmente
enredado pela sua irmã. Não há lugar para amor, carinho e sensibilidade em nenhum
momento do enredo da peça de Williams, nem, no início entre Stanley e Stella (a
relação dos dois já era conflituosa e arruinada), nem entre Dubois e Stanley,
pois aqui a tensão se desenvolve em agressões mútuas, verbais e, até, físicas,
mesmo sendo um homem agredindo uma mulher. Polêmica para a época não foi isso,
mas o fato de DuBois destruir moralmente, fisicamente e agredir verbalmente e
fisicamente um homem forte e brutal.
Dessa forma, o machismo, o patriarcalismo dos
anos 40/50 da sociedade americana do início século XX, é posto em xeque e contestando
discursivamente, verbalmente e fisicamente. A peça de Tennessee Williams é uma
bomba de polêmicas e de desconstrução do discurso machista em que só o homem
pode sentir desejo sexual e dominar a parceira. DuBois prova o contrário.
Contudo, o final acomoda o casal
Stanley e Stella, em seu lar, e Stella enganada pelo marido, se ver forçada a
expulsar a irmã DuBois de sua casa, de maneira forte, perturbadora e trágica.
De certa forma, o machismo prevalece, mas leva um bom chute nos colhões."
"P.s.1:
a peça estreou na Broadway, em 1947, com direção de Elia Kazan. Este diretor
levou a peça para o cinema, no ano de 1951, com roteiro do próprio Williams e,
utilizando o mesmo ator da peça de 47, a saber: Marlon Brando, este iniciava a
construir uma carreira em Hollywood sólida e tornar-se-ia um mito do cinema em
todos os tempos. Antes só fizera um filme, Espíritos Indômitos, já mostrando a
que veio. Mas foi com o diretor Kazan que se consolidou no mercado
cinematográfico norte-americano.
P.s.2:
Kazan detonou, tempos depois, alguns colegas, ao entregar estes artistas para o
Macarthismo, perseguição de uma autoridade política americana contra os
artistas dos EUA comunistas (ou não!) que tinham contatos com quem o era, ou
simplesmente concordavam com algumas coisas do comunismo. Cadê a liberdade de
expressão, USA?
P.s.3:
Marlon Brando foi dirigido por Kazan também no filme Sindicato de Ladrões, pelo
qual Brando ganhou o Oscar de Melhor ator.
P.s.4:
Elia Kazan tem bons filmes, mas pisou na bola, contudo sua obra fílmica ainda tem
obras maravilhosas, como: Boneca de Carne, A luz é para todos, etc.
P.s.5: Quem viveu Blanche Dubois, no
filme, de 1951, foi a excelente atriz Vivien Leigh. Que trava um verdadeiro
duelo de interpretações, tal qual é proposto na peça original de Tennessee
Williams. Quem sai ganhando? o espectador, pois dentro da peça/filme/trama, a
decadência e o desfecho é de tragicidade para todas as personagens, alguns
mais, outros menos. O filme foi lançado no Brasil com o título de Uma rua
chamada pecado. Mas o título do livro, da peça original de Tennessee Williams
é: UM BONDE CHAMADO DESEJO."
REFERÊNCIA BILBIOGRÁFICA:
WILLIAMS,
Tennessee. Um bonde chamado desejo. Tradução
de Beatriz Viégas-Faria. Porto
Alegre: L&PM, 2010.
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