TABU: O PASSADO E O PRESENTE
(rememoração fantasiosa)
Tabu, filme de Miguel Gomes,
Portugal, 2012.
(crítica
por Rafael
Vespasiano).
"O cineasta português Miguel Gomes realiza uma das
obras-primas do século atual. Tabu,
fotografado em preto-e-branco, por vários motivos, eis alguns: ressaltar as
emoções e expressividade das personagens; realçar o valor da rememoração que
permeia todo o enredo do filme, etc.
Gomes
afirma que a escolha do título é uma homenagem ao cineasta alemão, do início do
século XX, F. W. Murnau, que filmou
uma película com o mesmo título. No
filme de Murnau, na sua fase americana,
o “tabu” é o relacionamento de um homem branco com uma índia.
Outra homenagem de Miguel Gomes ao diretor alemão é o
nome da personagem principal do filme daquele, a qual se chama Aurora. Outro nome de filme de Murnau, na sua fase americana. No filme
deste, uma femme fatale arrasa a vida
de um homem e seu estável casamento.
Todas essas influências
são transpostas para Tabu, do português
Miguel Gomes, de maneira funcional, na estética, de acordo com o enredo
proposto para o filme, não são meras referências gratuitas, de fato, Miguel Gomes soube beber das tradições
cinematográficas de Murnau, para
realizar um filme ímpar.
O filme é marcado por
um narrador (a voz é do próprio diretor), que norteia o vai-e-vem entre passado
e presente, nas rememorações, da segunda parte; pois, o filme é dividido em
duas partes: a primeira, Paraíso Perdido
e, a segunda, Paraíso; a primeira se
passa no presente da narração fílmica. Com a personagem Aurora já bastante
idosa, doente e saudosista, e suas saudades e memórias são sempre interpretadas
como “loucuras da idade avançada”, porém, são metáforas fantasiosas sobre o seu
passado, que será desvelado, na segunda parte.
O filme é lento,
contemplativo, melancólico, contudo essas características não prejudicam o
andamento da narrativa, num roteiro enxuto e reflexivo. O nome da personagem principal,
Aurora, é bastante sintomático, pois o filme vai do presente para o passado (por
meio da memória), a Aurora, - no “presente”,
no “Paraíso Perdido”, na primeira
parte da história, que se passa em Portugal -, é uma
personagem merencória e o tom do enredo é de melancolia, e, na verdade, “o
presente” é crepuscular e, não uma “aurora”. Uma “aurora” que é “crepuscular”?
Paradoxal?! Mas uma metáfora belíssima. Para comprovar isso, tem que se
assistir ao filme.
Ao voltar ao passado,
na segunda parte, “Paraíso”, que se
passa no continente africano, Moçambique, colônia portuguesa, que lutava
naqueles idos pela independência da metrópole (neocolonialismo). Vemos Aurora
vivendo feliz, no “paraíso”, com o marido, até o surgimento de um
aventureiro.
Nessa rememoração,
nesse grande flashback, há ausência de diálogos, tal quais os filmes silenciosos
do início do século XX. O narrador é
quem pontua os fatos e os sentimentos em
off. Os atores têm que demonstrar as habilidades, as quais os artistas de
filmes mudos tinham que mostrar os seus sentimentos e a sua expressividade, por
meio dos gestos e do corporal das suas personagens, na Era do Cinema Silencioso.
Aqui a maior homenagem aos filmes de
Murnau, no sentido cinematográfico do filme de Miguel Gomes. Os atores do filme Tabu, 2012, fazem isso primorosamente bem, eles dialogam, mas os
sons das falas não chegam ao espectador. Criando suspense e curiosidade neste.
E um efeito estético belíssimo, baseado na sugestão e nas notações narrativas
dadas pelo narrador.
Destaque, por fim, na
verdade, ao prólogo do filme, uma narrativa fantástica e fantasiosa, que é
marcada por um crocodilo, um caçador e uma mulher morta. Esse prólogo é fundamental
para entender as fantasias criadas por Aurora
na primeira parte do filme e que se explicam na segunda parte, quando da
rememoração explanadora desta parte, que é o passado definindo o presente de Aurora.
Excelente filme!
Recomendadíssimo."
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P.s.: Murnau dirigiu Nosferatu, até hoje um dos clássicos do horror, o primeiro filme do Drácula, nos cinemas; com atuação hipnótica de Max Schreck, como o Conde Orlok, pois Murnau não tinha os direitos autorais da família de Bram Stocker, para o Conde Drácula, por isso improvisou.
E fez um dos melhores filmes do, "Drácula", em todos os tempos, não só dentro do Expressionismo Alemão.
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