sexta-feira, 31 de outubro de 2014

ESCRITOR FRUSTRADO: "O AMANUENSE BELMIRO", de CYRO DOS ANJOS.

ESCRITOR FRUSTRADO

O AMANUENSE BELMIRO

CYRO DOS ANJOS

(resenha por Rafael Vespasiano).


Romance memorialístico de Cyro dos Anjos. Obra-prima deste autor. O livro é narrado em primeira pessoa, o que ressalta o caráter mnemônico do romance. O narrador-protagonista é Belmiro, um funcionário público frustrado, que aos 38 anos de  idade,  começa a refletir sobre sua vida, fazendo anotações em um diário que inicia.

Belmiro percebe que não fez nada de relevante em seus 38 anos de vida, ele rememora fatos de sua infância e adolescência e, mescla tais relatos com ocorrências de seu dia-a-dia. Belmiro é um ser racional; tal racionalidade faz com que sua vida interior (reflexões em fluxo de consciência e notas no diário) esmague de tal forma sua vida exterior, que esta fique estagnada e suas relações interpessoais são quase nulas, a vida profissional não progride e também não existe vida amorosa e/ou afetiva.

Belmiro, na verdade, tem anseio e desejos de ser escritor, mas não toma atitude e coragem para lutar por esse desejo, por esse dom, falta atitude moral e força de vontade, mais uma vez se esmaga e se embrutece na burocracia (burrocracia) de um escritório. Suas qualidades literárias são tolhidas em um emprego que não significa nada para ele.

Seu diário serve como uma espécie de romance que Belmiro escreve dentro do romance maior de Cyro dos Anjos, O Amanuense Belmiro, um romance dentro do outro – uma característica de metalinguagem. De certa forma, ao escrever tal diário, ele redige algo que extravasa seus dons literários, mas só para si. Porém, guarda isso com e para ele tão somente, frustrando-se mais ainda.

O diário não é um romance ao pé da letra, está mais para um diário pessoal, do seu dia-a-dia no escritório, no boteco com os colegas e sobre suas parcas relações sentimentais, familiares e amorosas. Mas o diário se torna um protótipo de romance, pois Belmiro tem qualidades literárias que poderiam ser aproveitadas e leva-lo a ser de fato um escritor, porém, a sua acomodação no trabalho emburrecedor e embrutecedor do escritório, a burocracia e as relações interpessoais pouco desenvolvidas, tornam Belmiro um ser solitário, tolhido, esmagado pela massa burrocrata, se torna um frustrado escrevente e copista; além de sua frustração como pessoa e como escritor marcarem e pontuarem a sua vida. Vida? Enfim, um ser derrotado e completamente frustrado é o resumo da existência de Belmiro. Uma belíssima obra memorialística do romancista mineiro Cyro dos Anjos.



p.s.: amanuense: sinônimo de escrevente, copista.

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