““Berlin
Alexanderplatz” (“Berlin Alexanderplatz”) (1980):
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As adaptações da Literatura para o Cinema:
a obra-prima fassbinderiana: “Berlin
Alexanderplatz” (1980):
““Berlin Alexanderplatz” é outra grande
adaptação literária de Fassbinder, baseado no romance de Alfred Döblin; assim
como outra obra-prima do mesmo diretor alemão, “Effi Briest”, (1974), que seis anos de sua obra-prima máxima
adaptou a obra de Fontane, “Pioneiros em
Ingolstadt”, 1970, quatro anos é baseado na peça de Marieluise Fleisser;
além de seu último filme, “Querelle” (Alemanha
Ocidental/França), (1982), exibido
pela primeira após somente a morte de Fassbinder, baseado o filme de 1982, na
novela "Querelle de Brest", de Jean Genet.
A respeito de da relação de seu cinema com
a literatura, escreveu Rainer Werner Fassbinder, em “Notas sobre Querelle”, de
1982, algumas palavras exemplares sobre aquela relação:
“A filmagem de obras literárias não é,
como se pensa frequentemente, a tradução de um tipo de linguagem (Literária)
para uma outra (cinematográfica). Os filmes baseados em obras literárias não
têm que reproduzir as imagens que o leitor formou ao ler. O que também seria
totalmente absurdo, pois cada leitor projeta suas próprias fantasias, e há
tantas interpretações do livro quanto leitores.”
Assim como há tantas interpretações dos
espectadores e interpretações destes de cada filme, seja adaptações literárias
ou não, esse fato é condição sine qua non
de qualquer obra de arte. “Nenhum filme sobre um tema literário deve pretender
ser a visão de quem o escreveu e funcionar como modelo para a imaginação dos
leitores. A tentativa de fazer com que o filme seja um substituto da obra
literária resultaria em algo medíocre e vazio.”
Os filmes baseados em livros devem propor
novos questionamentos e novas ‘leituras’, ‘visões’, ‘interpretações’. ‘outros
olhares’, sobre as obras literárias adaptadas. “Um filme que se ocupe de
literatura e da linguagem deve tornar claro e transparente esse confronto, não
permitindo que a fantasia se transforme em algo vulgar. Fazendo com que se
perceba que ele é mais uma possibilidade de trabalhar sobre uma forma artística
já elaborada. Ele deve ter uma atitude questionadora da literatura e da
linguagem, em geral, como do conteúdo e do comportamento do autor, em vez de
simplesmente legitimá-lo através da linguagem.”
Enfrentamento e confronto são as
palavras-chaves no projeto dialógico dual dinâmico ao qual se propõe ao adaptar
obras literárias para o cinema. Por isso mesmo o monumento de 941 minutos
divididos em 13 capítulos e um epílogo onírico, que é “Berlin Alexanderplatz”, tem um aspecto folhetinesco diferente das
obras do cinema fassbinderiano anterior e do próprio livro de Döblin; a
minissérie é o centro microcosmos da obra fassbinderiana, tudo parte deste
filme para frente e para trás, do personagem Franz Biberkopf, nome de tantas
outras personagens protagonistas dos filmes de R. W. Fassbinder.
Nesta minissérie exemplar vemos todos os
outros gêneros que aparecem em outros filmes do diretor alemão: o gangsterismo
revisionista do cinema B do primeiro cinema de Fassbinder; os melodramas
influenciados por Douglas Sirk; as fábulas de crueldade dos anos 1970; a
análise histórica dos filmes revisionistas da história da recente Alemanha, da
segunda metade dos anos 1970; e, finalmente, no epílogo onírico e delirante
referências a cenas de filmes de Fassbinder, tais como: “Como um pássaro no fio”, “Roleta Chhinesa”, “Num Ano com Treze Luas”,
“Whity” e “O Desespero de Veronika Voss”.
Fassbinder em “Berlin Alexanderplatz” investiga a gênese do nazismo nos anos 1920,
a burguesia ultrajada, a classe média arrogante, as relações corrompidas entre
homens e mulheres, tanto nos quesitos amorosos quanto interpessoais, de
amizade, por exemplo. Vê-se essa Alemanha prestes a explodir, por exemplo, na
maneira como o cineasta traz a tensão da cidade para dentro das cenas internas,
que se passam no quarto de Franz ou nas tabernas, há sempre um confronto de um
neon ou um ruído sonoro, numa sinestesia alegórica angustiante, que nunca
desligam o externo do interno, a cidade e o interior de um quarto de pensão,
por exemplo, qualquer seja o espaço fechado, a impressão que se tem é que as
paredes, como as personagens, estão sempre por um fio, em uma sociedade que
está prestes a desmoronar.
Günter Lamprecht interpreta Franz
Biberkopf, o protagonista, esse ator carismático interpreta muito bem e
convicentemente, compondo muito bem uma personagem tão manipulada quanto
manipuladora, ora o espectador sente pena dela, outras sente ódio da mesma
personagem; vítima tanto da podridão humana, quanto de sua própria ignorância.
Na verdade, “Berlin Alexanderplatz” é
uma das peças cinematográficas mais complexas de todos os tempos, um brilhante
estudo das relações humanas e das contradições da vida humana.
Se no livro, tem-se, claramente, dois
personagens: o coletivo, que é a cidade a partir da praça Berlin
Alexanderplatz, e, o indivíduo e social, também representado como coletivo, que
´Franz Biberkopf, o anti-herói decaído; no filme, contudo, a figura humana é a
figura central diferente do romance de Alfred Döblin onde existe um discurso
polifônico e a cidade é a protagonista -, no filme a voz central é de Franz e
Fassbinder pensou em interpretar o protagonista, mas acabou desistindo, ainda
que seja a voz dele que faz a narração dos episódios narrados como fluxo de
consciência da personagem principal.”
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DIVISÃO DA MINISSÉRIE EM TREZE CAPÍTULOS E
UM EPÍLOGO (TÍTULOS EM PORTUGÊS):
1) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO I – O CASTIGO COMEÇA;
2) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO II – COMO VIVER QUANDO NÃO
QUEREMOS MORRER?;
3) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO III – UMA MARTELADA NA CABEÇA
PODE FERIR A ALMA;
4) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IV – UM PUNHADO DE GENTE NAS
PROFUNDEZAS DO SILÊNCIO;
5) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO V – UM CEIFADOR COM A VIOLÊNCIA
DE NOSSO SENHOR;
6) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VI – O AMOR TEM SEU PREÇO;
7) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VII – LEMBRE-SE: UM JURAMENTO
PODE SER AMPUTADO;
8) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VIII – O SOL AQUECE A PELE, MAS
ÀS VEZES A QUEIMA;
9) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IX – DAS ETERNIDADES ENTRE OS
MUITOS E OS POUCOS;
10) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO X – A SOLIDÃO CRIA RACHADURAS DE
LOUCURA ATÉ NAS PAREDES;
11) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XI – SABER É PODER E DEUS AJUDA A
QUEM CEDO MADRUGA;
12) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XII – A COBRA NA ALMA DA COBRA;
13) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XIII – O EXTERNO E O INTERNO E O
SEGREDO DO MEDO DO SEGREDO;
14) BERLIN ALEXANDERPLATZ – MEU SONHO DO SONHO DE FRANZ BIBERKOPF, DE
ALFRED DÖBLIN: UM EPÍLOGO.
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“Querelle”
(“Querelle”) (1982):
“O canto de Cisne de Fassbinder”:
“Na cidade portuária de Brest, nada é o
que parece ser. Neste cenário de sonho, sempre evidenciado por um crepúsculo
onírico, avermelhado-amarelecido; o sol em constante se pôr; marcado por cenas
internas acinzentadas. Toda essa cenografia e fotografia e jogo de câmera,
serve para definir, Querelle, um marinho amoral que desperta sentimentos de
amor e morte em homens e mulheres, planeja crimes e procura satisfazer os seus
desejos, sexuais e financeiros, a qualquer custo.
Baseado livremente no romance de Jean
Genet, “Querelle” é uma obra
transgressora, na qual Fassbinder não faz concessões para transmitir sua visão
de mundo ao espectador. Numa obra como essa, fassbinder mostra a marginalidade
em que viviam os marinheiros em Brest, gays e bissexuais não assumidos;
homossexuais ou bissexuais que não que querem admitir sua sexualidade.
Querelle, apesar de toda sua falta de
ética e amoralidade, e, apesar de realizar todos os tipos de atrocidade
criminais e ferir sentimentos, consegue sua catarse epifânica, mesmo em tom
crepuscular e amoral, ao se convencer de sua bissexualidade, um alumbramento
penumbrista, mas que se efetiva de maneira sugerida.
Filme póstumo de Fassbinder, morto em 10
de junho de 1982. O lançamento do filme na França só acontece em 8 de setembro.
Fassbinder, antes de morrer, já preparava seu próximo projeto, uma obra fílmica
épica sobre Rosa de Luxemburgo.
A música cantada por Jeanne Moreau, ao
final do filme, tem como letra a famosa frase de Oscar Wilde: "Todo mundo
mata aquilo que ama". É o que
Querelle faz, quem sabe em certa medida a ele mesmo, apesar de sua relativa
epifania, como abordado acima, e, o próprio diretor é vítima desse processo na
vida pessoal, ao fim das filmagens de “Querelle”,
pois mata aquilo de que há melhor nele mesmo, o mais amável Fassbinder, ele
mesmo.”
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:
- Nestes nove posts últimos sobre 10
filmes de Rainer Werner Fassbinder e o Novo Cinema Alemão, foram utilizados
para as resenhas por mim feitas, Rafael Vespasiano, críticas, das quais fiz
observações, ampliações, cortes, edições, paráfrases, supressões, complementos,
acréscimos de textos e opiniões próprias, pôsteres da internet, etc.:
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“As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”,
Kim Newman. IN: KEMP, Philip (Org.). Tudo sobre cinema. Rio de Janeiro:
Sextante, 2011.
Todo
o “Dossiê Fassbinder” desta revista eletrônica foi publicado originalmente, em
17 de dezembro de 2013; terça-feira.
Críticas
por: Bruno Cursini; Cesar Zamberlan; Gabriela Wondracek Linck; Heitor Augusto,
Marcelo Miranda e Sérgio Alpendre.
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