("Gauguin: um pintor de fim do século XIX: pintor moderno."):
("GAUGUIN: SUA EVOLUÇÃO DO IMPRESSIONISMO À FASE BRETÃ: AMADURECIMENTO RUMO ÀS OBRAS-PRIMAS"):
(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):
SEGUNDA PARTE AGORA DE QUATRO POSTS:
“(O
primeiro post do blog sobre Gauguin, que era um projeto inicialmente de três postagens,
agora são de quatro (acrescentei mais um, a partir de agora, portanto serão
quatro posts sobre o pintor errante); este post atual é o segundo. O primeiro se
dedicou mais: a uma apresentação bioartística, motivos teóricos e conceituais,
tradições e referências para o artista, antecipações motivadas por Gauguin para
a arte moderna, e estudos mais detalhados de autorretratos e alguns retratos
realizados, pelo artista. Voltamos a este tema; além de falarmos mais um pouco
sobre sua primeira fase, ancestral e original arquetípica e de mitos da
formação do Cosmos; da fase impressionista-simbolista, sem perder de vista que
ele está aqui neste segundo post, ainda em processo de amadurecimento, que
passará por fases dos exílios na Bretanha e na Polinésia Francesa, pontos
culminantes de suas obras, a maioria formada por obras-primas da modernidade
das artes visuais; este segundo post focará algumas das suas primeiras obras na
Bretanha, mas já abordará uma introdução às obras máximas da Polinésia Francesa.).”
“Em
1889, como já afirmado no primeiro post do blog, Gauguin é um modernista
marcado pela dualidade dinâmica, uma polaridade dialética de opostos que não se
excluem, se complementam, antropofagicamente, entre ancestral/primitivo e
novo/moderno. Gauguin apaixonado por Madeleine irmã de do amigo também pintor,
Émile Bernard, a conhecera na Bretanha, mas foi preterido por Madeleine que
preferiu o jovem pintor Charles Laval. Esses temas biográficos estão
registrados em seus diários íntimos importantíssimos para a história das artes,
em específico, Antes e depois, de
1903.
Defendia
seu instinto indomável e seu curso experimental e simbólico da arte realizada
por ele. Gauguin anseia a descoberta e o desejo de expor sem saber, as suas
origens pessoais e da volta à sua ancestralidade, uma capacidade expressiva
simples e de formas da cerâmica pré-colombiana são percebidas entre as
primeiras referências arqueológicas e familiares do artista moderno. Veja-se:
Flores e uma Estampa. 1889.
Óleo sobre tela.
The
Metropolitan Museum of Art, Nova York:
Vasos de uma geometria assimétrica e
grotesca, o artista ‘devorava’ antropofagicamente: capturava e reelaborava as
formas da então arte primitiva, do peru antigo à Ásia (Japão); a gravura
oriental, estampada, ao fundo; à África, no vaso à direita; conforme também
perceber-se-á na pintura seguinte, que reproduziremos.
Mantém
traços da arte europeia clássica-acadêmica, porém, a desconstruindo, como, por
exemplo se valendo de estampas orientais do gosto de um Van Gogh de quem era
amigo e admirador -, ambos à margem do impressionismo acadêmico de Manet, e,
até mesmo contrários e desgostos do impressionismo ao ar livre de Renoir e Monet.
Gauguin
e Van Gogh, contemporâneos dos impressionistas-simbolistas do século XIX, mas
marginais a ele e à sua roda; tinham mais afinidades aos poetas e pintores
decadentes, aproximando de poetas simbolistas do decadentismo, assim como,
Baudelaire, Rimbaud, Villiers de L´Isle, etc. Apreciados por escritores
antecipadores do modernismo literário tais como Paul Valéry e T. S. Elliot,
etc.
Apesar
de os franceses da belle-époque, também alguns raros apreciarem as estampas
orientais, estes raríssimos as viam com olhares de arte exótica, de um exotismo
curioso, apenas. Diferentemente de Van Gogh e Gauguin que as viam com arte de
primeira grandeza. Tanto que as tinham como referências e as adquiriam como
obras de arte particulares e de grande apreço afetivo para eles, e, artístico,
principalmente. Tanto que aas vemos como não enfeite, mas como parte orgânica e
integrante funcional das suas obras. Na pintura acima, se percebe isso, por
exemplo, numa pintura clássica da obra de Gauguin, neste tocante. Vejamos outro
exemplo, da sua fase primeira fase propriamente dita:
Natureza-Morta com Perfil
de Charles Laval. 1886. Óleo sobre tela.
Museum
of Art Indianápolis, EUA:
O
vaso que vemos na pintura é de forma fantasiosa-visionária e, Gauguin, nesta
sua primeira fase -, que antecede inclusive, com se verifica à sua fase inicial
clássica europeia francesa, de impressionista-simbolista, como veremos -, está
mais ligada a uma ancestralidade pessoal, aos temas originais e arquetípicos da
civilização, nas palavras de um psicólogo como, C. G. Jung e, à mitologia
universal primordial, proposta pelo mitólogo, Karl Kerényi.
Dialogando
de qualquer maneira com as vanguardas artísticas do início do século XX e já as
ultrapassando qualitativamente e muito, chegando próximo à antropofagia de
poetas modernos americanos, de primeira grandeza, das primeiras décadas do
século XX. Por meio da cerâmica, que está na pintura acima, vê-se o potencial
da arte japonesa, havia tempo nos olhares do interesse impressionista. “A
assimilação japonesa se afirma (sic)
no período passado em Pont-Aven, no verão de 1886, na Bretanha, uma região que
permaneceu suspensa no tempo, longe da velocidade da cidade, imersa na arte e
nos costumes medievais. Obras como A
pastora bretã, A dança das quatro bretãs, (...), são testemunhas de um
estilo de composição essencial”. (MAZZANTI, 2011, p. 16).
Gauguin
este realiza aquelas pinturas, além de inúmeras imagens marinhas, entre 1888 e
1889, as naturezas-mortas, a vida no campo, que apresentam um estilo de ecos de
xilogravura japonesa de Hiroshige e Kuniyoshi.
Por isso mesmo, aqui se estabelece longa relação epistolar entre Gauguin
e Van Gogh, depois na convivência em Arles, com Van Gogh.
Se
as cerâmicas já eram mostras de influência da cultura Mochica, da arte peruana,
a rica seção arqueológica e etnográfica da exposição universal, de 1889, em
Paris, ofereceu a Gauguin, outro encontro com sua ancestralidade. Sua
mestiçagem estranha ao ocidentalíssimo francês belle époque; já tinha se
deparado com essas influências originais quando Gauguin viveu na Martinica, em
1887. À beira-mar, o pintor errante fortaleceu sua força de simplificação, e,
graças às luzes e cores tropicais, superou o impressionismo para ele caduco.
“Pintou, então, as suas primeiras indígenas de formas compactas, espalhadas num
cenário amplo e de cores contrastantes”, (...), “mulheres de imensa poesia”,
por aquilo de “gentil, desolado e maravilhoso que trazem em si”, afirmou Van
Gogh sobre as obras do amigo pintor. (MAZZANTI, 2011, p. 17).
Ídolo com Concha. 1892-1893.
Museu D´Órsay, Paris:
Guaguin
quis ficar livre da civilização, e, em 1891, partiu para a Polinésia Francesa,
“quero fazer uma arte simples, muito simples. Para isso preciso recuperar
minhas forças em contato com a natureza virgem, ver apenas como os selvagens
vivem sua vida, sem nenhuma preocupação, com a simplicidade de uma criança que
traduz as fantasias da mente com o único meio real e eficaz: aqueles da arte
primitiva.”. (GAUGUIN, Apud: MAZZANTI,
2011, p. 20.). Este relato do pintor nômade está em mais um dos seus excelentes
diários romanceados, importantíssimos para a arte moderna, Noa Noa.
(Capa
de Noa Noa. Gauguin.).
Porém,
o pintor francês frustra-se ao constatar que Papeete, capital do Taiti, não
correspondia suas expectativas de um paraíso terrestre: pois, missionários e
colonos anularam costumes e rituais religioso e haviam introduzido o dinheiro,
que Gauguin sempre desprezou. Pouco a pouco, Gauguin, conseguia se ver livre da
civilização europeia, começando a pensar com simplicidade e a ter somente a
intolerância revoltosa para com os outros, e o artista reconhece que esta
raiava insociável começa a diminuir.
“Gosto
de toda a felicidade dos seres humanos de vida livre e dos animais. Fujo do
artificial e entro na natureza: com a certeza de um amanhã similar a hoje, tão
livre e tão belo, a paz vem a mim. Minha vida corre naturalmente e não tenho
mais pensamentos vazios.” Inicia-se a fase de Gauguin de busca transcendental
de compreensão do fato inalienável de que se nasce para morrer, mas esta
travessia pode ser feita da melhor maneira possível: em paz espiritual,
metafísica, aproxima-se dos simbolistas literários transcendentalistas.
Porém,
não ao lado destes, mas em Mataeia, localidade ‘primitiva’ a 40km de Papeete,
onde se estabelece e passa a viver com Tehamana, a noiva maiori, chamada por
Gauguin de Tehura; aí passou o artista um dos períodos mais tranquilos da sua
vida. Por meio das conversas com sua companheira entrou em contato com os
mistérios religiosos dos areois, uma ancestral sociedade secreta de guerreiros.
Em 1893, tinha produzido cerca de 60 quadros, dos quais a maior inspiração era
a Tehamana, são ambientados na cabana que compartilhou com ela no cenário de
natureza exuberante, imagens saídas do ‘ateliê dos trópicos’; colocando Gauguin
como pioneiro francês e mestre do caráter oceânico da pintura.
A Grande Onda de
Kanagawa, da série As
Trinta e seis Vistas do Monte Fuji. 1830-1832. Xilogravura em cores. Katsushika
Hokusai.
The
Metropolitiam Museum of Art, Nova York:
(comparação):
Praia de Le Pouldu.
1889. Óleo sobre Tela. Gauguin
Coleção
Particular:
Tratemos
agora um pouco de sua segunda fase, esta impressionista-simbolista, marcada
pela feitura de muitos retratos. Esta fase e certa forma é um ‘retrocesso em
relação à primeira fase de Gauguin, em termos de conteúdo, mas não de evolução
artística. Porém, ver-se-á que suas obras desta fase são muito diferentes da
fase em que ele busca sua ancestralidade e os mitos de formação do cosmos.
Lembrando a primeira fase não é estanque vem depois, cronologicamente, que a
segunda fase, o que prova sua evolução rumo às pinturas de simplicidade e
rusticidade da Bretanha e da polinésia Francesa. Porém, os temas ancestrais já
surgiam antes na mente de Gauguin, que os realizou depois, da sua ‘segunda
fase’ primeira cronológica; considero a ‘primeira fase’ segunda cronológica’, a
primeira pois já borbulhava na mente de um artista que sabia que não era
impressionista-simbolista, uma mera fase de aprendizagem e evolução, porém,
importante.
Na
obra Nu de Mulher que costura (Suzanne), 1880.
Gauguin a realiza quando tinha 32 anos de idade, havia sete anos que se
dedicava à pintura. Era um burguês típico e pai de família. Este último
detalhe, contudo, transforma o pintor inteiramente, que entra em crise e
desmonta peça por peça a vida burguesa, das convicções aos afetos. (PRINCI,
2011). “O vírus da pintura contaminou Gauguin antes mesmo de ele começar a
colorir suas telas. O amor pelos quadros surgiu ao iniciar uma coleção de arte
contemporânea, composta de obras impressionistas. Gauguin (...) [adquiriu]
obras de Renoir, Monet, Sisley, Manet e Cézanne.” (PRINCI, 2011, p. 40).
Gauguin
passou a travar relações de amizade e admirar a obra artística de Camille Pissarro;
entre 1879-1880, os dois passaram o verão juntos, pintando. Pissaro era mentor
de Cézanne e o introduziu no ambiente dos impressionistas; Gauguin passou a
expor com eles também em 1880, mas só em 1881, com Nu de Mulher que costurava (Suzanne), Joris-Karl Huysmans fez um
registro excepcional: “eu não hesito em afirmar que, entre os pintores
contemporâneos que retrataram o nu, ninguém o tinha feito com um toque tão
violentamente real. É uma mulher dos nossos dias. Espontânea, nem libertina nem
selvagem ou afetada. Ela está apenas remendando sua roupa.” (Ibidem., p. 40-42):
Nu de Mulher que costura
(Suzanne). 1880. Óleo sobre tela.
Ny
carlsberg Glyptotek, Copenhagen, Dinamarca:
Para
Huysmans, Gauguin demonstra sinais de uma nova modernidade pictórica, afirmando
que o pintor se rebelou em pintar “peitos perfeitos e rosados, com barrigas e
ancas duras, um padrão feito pelo chamado ‘bom gosto’, desenhado segundo
receitas copiadas do gesso. (...) Gauguin foi o primeiro, em muitos anos, a
retratar uma mulher real.” (Ibidem.,
p. 42). A nudez de Suzanne reproduz um perfil sutil, porém com muitas curvas. O
mesmo tecido argelino que vemos na parede da casa de Gauuguin nos remete aos
turbantes das odaliscas pintadas por Ingres. “A mulher costura em uma cama de
concreto, de lado para o observador. O bandolim, cujas formas lembram a
silhueta da figura retratada, está pendurado na parede sobre a qual se projeta
a sombra da mulher. Mas a parede rejeita qualquer noção de profundidade,
empurrando a figura para fora. Como resultado o nu aparece recortado, e
colocado no plano de fundo. (PRINCI, 2011, p. 42).
(comparação)
Banho Turco.
Ingres. 1859-1863. Óleo sobre tela.
Museu
do Louvre, Paris.
Em
outro retrato, de oito de pois, 1888 -, Nu
de Mulher que costura (Suzanne), que é anterior, (1880) -, sofre um amadurecimento artístico do pintor; Gauguin, em
outra obra retratista, Retrato de
Madeleine Bernard, 1888, o artista propõe uma evolução em sua própria arte,
e, este retrato de Madeleine, irmã mais nova do pintor Émile Bernard, pintada
sentada, é uma experimentação antinaturalista, Gauguin está evoluindo para a
figura expressiva que inventou e sobre a qual trabalharia nos anos seguintes,
nas pinturas da Bretanha e da Polinésia Francesa.
Retrato de Madeleine
Bernard, é, portanto, um divisor de águas na produção artística
de Gauguin. Entre o impressionismo-simbolista anterior, e, a simplicidade da
pintura expressiva posterior.
Retrato de Madeleine
Bernard. 1888. Óleo sobre tela.
Musée
de Peinture et Sculpture, Grenoble, França:
Madeleine
se torna é um ídolo exótico, “O ídolo Madeleine é colocado em um contexto
doméstico, sugerido por alguns elementos: a cadeira em que está sentada, os
chinelos no canto inferior direito, uma porta ou um indefinível motivo
decorativo também á direita, uma gravura ou, melhor, o fundo de uma obra que
foi atribuída como um trabalho de jean-Louis Forain.” (PRINCI, 2011, p. 54).
Os
elementos da sala aparecem parcialmente cortados pelas bordas do quadro e cada
elemento que não se identifica com Bernard é revestido por um tom verde que
chega ao ocre, como demonstrado pela decoração e pela gravura. Os chinelos têm
a mesma cor e as mesmas linhas de arabesco da senhorita, como se fosse um
prolongamento dela.
Gauguin,
neste trabalho, assim como em outros, incluiu tamancos alinhados em um interior
burguês, como um símbolo sugestivo ao seu desejo de uma realidade primitiva e
de formas rudimentares. Nesse caso a roupa da Senhorita Bernard remete ao
japonismo, a um quimono feito de seda de dupla face, dourado e vermelho. “Ao
Japão, maais que tudo, remete o rosto da menina, um oval cortado por linhas
muito angulosas e afiadas a partir do queixo pontudo, continuando até os
limites das orelhas, culminando no coque. (...). Uma imagem sofisticada e
elegante em seu exotismo, completamente fora de contexto, num salão burguês do
final do século XIX na França.”. (Ibidem.,
p. 54-57).
Gauguin
experimenta ainda neste trabalho ao conferir ao retrato, um tom de melancolia,
através do uso da cor azul, que sugere um tom meditativo, espiritual por
excelência. Esse tema de meditação e melancolia espiritual-transcendental serão
ampliados e melhor trabalhados nas pinturas da Polinésia Francesa.
De
Paris, Gauguin procura um lugar onde possa trabalhar suas ideias inovadora,
pouco acolhidas na França, Paris; a Bretanha lhe parece o caminho e destino
certo. Ele se muda para Pont-Aven, e, aí cria um microcosmos de suas
referências pictóricas. Nas paredes de seu quarto pendura reproduções da Anunciação do Beato Angelico e da Venus de Botticelli, gravuras de
Utamaro, as obras de Degas, e Olympia,
de Manet. Esta região da Bretanha preservara ritos e tradições bretanhãs,
graças ao isolamento. E as belíssimas paisagens começaram a atrair artistas de
várias regiões, unidos pelo desejo de fugir do academicismo. Nessa jovem e
variada comunidade, Gauguin, com quase 40 anos, se torna referência. O artista
se sente estimulado pela troca de ideias, pela visão poderosa da natureza e da
vida na Bretanha. Assim nasce a Dança das
Quatro Bretãs, 1886. E se inicia a terceira fase da produção artística de Gauguin.
Dança
das Quatro Bretãs. 1886. Óleo sobre tela.
Neue
Pinakothek, Munique, Alemanha:
“A
disposição espacial das figuras sugere instabilidade: a terra marrom em a dança
acontece não parece um plano real nem um segundo plano. Faltam sombras e a
linha do horizonte. A alma do quadro são as toucas brancas, que florescem sobre
os corpos e escuros e da variedade decorativa dos aventais.” (PRINCI, 2011, p.
46).
A
correspondência de Gauguin trocada entre ele e vários destinatários, e seus
escritos e diários íntimos, mais suas obras pictóricas, lógico, formam um todo
microcosmos artístico moderno, que mostra o dia-a-dia do seu trabalho; a escola
de pintura em Pont-Aven; a contribuição da poesia simbolista, que cresceu nos
café literários em Paris; a busca incansável de Vincent Van Gogh na Provença; entre
os escritos de Gauguin, está ainda a burguesia dinamarquesa do século 19, os
jovens maoris da Oceania, os camponeses
bretões, os pintores rebeldes, as lavadeiras de Arles e os poetas malditos.
Os
longos meses de trabalho na Bretanha, imersos na Natureza e na Cultura bretãs
trazem as formas rudimentares, que Gauguin vê como a única possibilidade de uma
nova pintura. Uma pesquisa que corresponde a uma necessidade interna, um desejo
de adesão a modelos culturais não contaminados pelas estruturas da civilização
burguesa. A liberdade de expressão e de escolha ética está na visão do artista.
(Ibidem., p. 58).
Ciranda de Três Jovens
Bretãs. 1888. Óleo sobre tela.
National
Gallery of Art, Washington, EUA:
“O
tom surdo, opaco, e potente (...) está na dança das três camponesas, formas
negras e pesadas, em contraste com o manto do capim dourado, tendo ao fundo a
torre do sino de Pont-Aven, os telhados de ardósia, a aldeia ainda calma. O
tempo é indefinível, talvez o nascer ou o pôr do sol. Não há sequer uma sombra
no campo amarelo-intenso, que se reverbera por toda a tela, criando uma
ressonância cromática. O grupo de crianças (...) é o foco da visão, mas é um
núcleo excêntrico, expansivo, corpos abertos descrevendo um arco que estende a
perspectiva interna do quadro. A cena parece se expandir sob a pressão das três
figuras que se projetam em todas as direções. Além disso, a repetição do mesmo
modelo figurativo dá a sensação do passo cadenciado da dança, que é um ritmo
formal. A presença do cão brincalhão, que pertencia a Gauguin, deixa a cena
animada.” (Ibidem., p. 58-61).
A Bela Angèle. 1889. Óleo sobre tela.
Museu
D´Orsay, Paris:
Angélique-Marie
está isolada na bolha de vidro em que colocou o arista, a figura parece não ter
nenhuma relação aparente com os outros elementos do quadro: o papel de parede
com grande motivos florais e a estatueta de cerâmica colocada em uma
prateleira. Apenas o nome dela escrito à parte, em letras maiúsculas, fora do
espaço que a ela está confinada, cria uma ligação entre o interno e o externo e
restitui a unidade ao quadro, numa sutil transposição semântica entre a palavra
e a imagem: a bela Angèle que aparece no quadro também está no título do
quadro. Dizia-se que ela era uma bonita mulher, a mais bonita de Pont-Aven, e
aceitou após insistência de gauguin em posar em traje típico bretão. A modelo
se sentiu ofendida, após a julgar a obra do pintor, um ‘horror’ e rejeitando-a
definitivamente, o que permitiu a Degas, comprá-la. “Obra crítica, repleta de
mistério, apresenta complexidades conceituais e formais que ainda levam à
reflexão. Primeiro Gauguin alinha dois mundos distintos, como já havia feito no
quadro anterior, o Autorretrato com
Cristo amarelo, (ver post 1), colocando no mesmo plano realidades espaciais
diferentes: a figura e a estátua, entre as quais há uma clara diferença de
tamanho. O alinhamento forçado dos dois sujeitos, a sua justaposição quase como
uma colagem, cria um curto-circuito visual, também agravado pelas condições
diferentes de perspectiva: a silhueta plana de Angèle (decora uma espécie de
medalhão gigante ou vitral medieval), em uma posição neutra e indiferenciada,
enquanto o perfil da estátua é mais modelado e colocado em espaço físico que a acolhe.”
(PRINCI, 2011, p. 100-103).
Portanto,
aqui neste retrato desconstruído antropofagicamente, Gauguin experimenta e leva
ao máximo sua proposta pictórica, agora cada vez mais amadurecida, e já a
realizar suas grandes obras-primas. Já bem diferente dos retratos: Nu de Mulher que costura (Suzanne), 1880;
e, mais próxima já do divisor de águas, Retrato
de Madeleine Bernard, 1888, mas, este último retrato da Senhorita Bernard ainda
um tanto preso às ‘normas’ retratistas’ do bom gosto, porém, já com tons mais
próximos da fase bretã e moderna
antropofágica, remetendo às pesquisas do pintor das questões culturais de
ancestralidade e mitologia cosmológica das origens da Terra, com seu início,
meio e fim, em eterno devir. O retrato de 1880, percebe-se que é mais impressionista-simbolista, e se
afasta e muito do Gauguin que se consagrou e deixou o seu maior legado para a
modernidade artística.
É inegável que a sugestão entre Angèle e a
estátua não é meramente de continuidade espacial, mas também formal, já que
ambas participam da mesma simplificação e do mesmo valor de glorificação do
arquétipo feminino. “Nesse sentido, Gauguin representa um duplo retrato: Angèle
em suas vestes de mãe e mulher. Com o quadro, o arista dá uma guinada no
desenvolvimento de suas formas ‘rudimentares’. No lugar da natureza, ele passa
progressivamente a explorar o símbolo. ‘a pintura tem de procurar a sugestão e
em vez da descrição, como a música.’” (IBIDEM., p. 103).
A
citação final de frase de Gauguin o aproxima dos simbolistas e, portanto, dos
modernistas, e vai ao encontro às ideias artísticas, poéticas, literárias,
filosóficas, romanescas, do escritor francês simbolista-modernista, Proust, em
seu romance de sete volumes, Em busca do
tempo perdido, e, o poder de sugestão da arte, qualquer que seja atrelada à
música, principalmente.
“O silêncio e a imobilidade que permeiam as
obras, em que o menor farfalhar das folhas evoca encanto e curiosidade sobre a
passagem dos espíritos, atraíram os simbolistas. As poses hieráticas e o olhar
triste correspondiam à conotação metafóricas tiradas dos cultos indígenas, da
Lua e dos ídolos.” (MAZZANTI, 2011, p. 21). Isso se percebe, por exemplo, na
obra, Montanha Sagrada (1892) (Parahi te Marae), a imaginação do pintor
criou um local onde, segundo as lendas locais da Polinésia Francesa, as
crianças eram sacrificadas. Um ídolo similar àqueles da Ilha da Páscoa, a
milhares de quilômetros de distância da Polinésia Francesa, aparece sozinho na
montanha, enquanto a cerca é decorada por caveiras inspiradas em acessórios
usados por mulheres maoris; Gauguin ousou no máximo, tentando ser aceito pelo
público francês.
Montanha Sagrada (Parahi
te Marae). 1892. Óleo sobre tela
Museum
of Art, Filadélfia, Eua:
No
próximo e terceiro post, abordaremos mais da fase bretã; dos retratos e
autorretratos; a relação Gauguin e Van Gogh; as obras primas da fase da
Polinésia Francesa; o tríptico do Cristo
Amarelo e o painel De onde viemos?
Quem somos Nós? Para Onde Estamos Indo?. Para o último post, abordaremos a
fase final de Gauguin, sua decadência e últimos autorretratos; as influências
que Gauguin sofreu e a quem ele influenciou nas Artes; este último tópico mais a passant, porém com referências
teóricas sempre, para embasar todos os quatro posts do projeto sobre Gauguin.”.
REFERÊNCIAS
BILIOGRÁFICAS:
MAZZANTI, Anna e PRINCI, Eliana. Grandes Mestres: Pintores, vol. 8. Tradução
de Mônica Esmanhotto e Simone Esmanhotto. São Paulo: Abril, 2011.
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