ALICE NAS CIDADES, DE
WIM WENDERS.
“(TRAVESSIA EXISTENCIAL.)”
(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).
(CONTÉM SPOILLERS.).
“Alice nas cidades”, de
1974, é um filme magistral de Wim Wenders. Trata-se de uma obra que define as
principais características estéticas que marcariam e marcam a filmografia do
diretor desde então, já que o diretor alemão continua, em plena atividade, sem
perder o vigor de seu estilo cinematográfico.
A obra em tela faz
parte de uma trilogia, a “Trilogia de road-movies”, formada por “Movimento em
falso”, “Alice nas cidades” e “No decurso do tempo”.
“Road-movie” é um tipo
de filme marcado por deslocamentos constantes das personagens, passando de
cidade em cidade, seja de carro, motocicleta, barco, navio, bicicleta, etc., mas
também as personagens estão, geralmente, passando por uma crise existencial.
Essa trilogia sempre
foi protagonizada pelo mesmo ator, que fez vários outros filmes sob a direção
de Wenders. A personagem desse ator, em “Alice nas cidades”, é um escritor que
vive um bloqueio criativo e não consegue escrever o artigo que o jornal lhe
encomendou.
Ele que está residindo
nos EUA, decide voltar para a Alemanha, seu país natal. Começa sua viagem
(física e psicológica). Física, pois pega o carro rumo a New York para ir ao
aeroporto e de lá voltar para Berlim. Mas a viagem existencial inicia
justamente a partir do momento que passa a ter que cuidar de Alice que surge em
sua vida, de uma forma fortuita.
Alice é apenas uma
garota de seus oito anos, abandonada pela mãe. Começa o road-movie envolvendo
os dois, uma viagem de descobertas existenciais para os dois, sendo que o protagonista
aprende muito com a inocência e a perspicácia da garotinha.
Na verdade, a
personagem principal vive um vazio interior e falta-lhe um sentido em sua
existência. O seu vazio reflete uma crise existencial, uma alteridade e uma
identidade fragmentadas. “Ele tem medo de sentir medo.” Suas memórias são
representadas por ele, quando o mesmo fotografa tudo que ver, mas seus
“instantâneos”, para ele, não representam a realidade que ele vira, pois o
próprio justifica “a realidade muda da hora que tirou a foto para o segundo
seguinte que a foto é revelada”. Naturalmente, o tempo passou e é inexorável,
ficam apenas vestígios de um tempo, mesmo paralisado, quando se compara o
espaço fotografado/revelado com o mesmo espaço só que agora no “presente”, algo
se esvaiu.
E, isso, deixa o
protagonista agoniado e com um sentimento de vazio e de que algo se perdeu em
sua existência, já fragmentada. Assim, a encruzilhada de sua existência e de
sua travessia, exige um tour de force por
várias cidades, junto à Alice, que surge como um ser que lhe dará um norte para
sua existência.
São de Alice reflexões
profundas, saídas da boca de uma menina de oito anos, que demonstra, mais uma
vez, a sabedoria das crianças. Para ela, os sonhos não deveriam existir, pois
são ilusões, já que nunca se tornam realidade.
Porém, logo em seguida,
“ela afirma que num sonho que teve na noite anterior, fora obrigada nele a ver
um filme de terror, mesmo sem o querer vê-lo.” Essa frase mostrou ao
protagonista e também nos mostra, aos telespectadores, que mesmo em nossas
existências, por mais difíceis e complicadas que sejam, e às vezes vazias que
estejam momentaneamente, ou talvez nós estejamos passando por crises
existenciais passageiras, mas é possível enfrentá-las.
É um terror, é
angustiante, é um pesadelo, o filme mesmo do qual estamos falando, mostra muito
bem essa agonia da personagem, contudo tem que ser enfrentado, mesmo que a
derrota se imponha, mas você realizou a travessia, e isso é o que importa.
O filme é tão rico que
tem um caráter interdiscursivo com as histórias de “Alice”, Alice no país das maravilhas e Alice no país
dos espelhos. Escritas por Lewis Caroll.
Tem também um caráter
metalinguístico, pois a própria história narrada pelo filme vira o artigo do
jornalista, que passava por um bloqueio criativo.
Enfim, um filme genial.
Que merece ser visto e revisto por todos.”
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