segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ALICE NAS CIDADES, DE WIM WENDERS. “(TRAVESSIA EXISTENCIAL.)”

ALICE NAS CIDADES, DE WIM WENDERS.

“(TRAVESSIA EXISTENCIAL.)”

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO). (CONTÉM SPOILLERS.).

“Alice nas cidades”, de 1974, é um filme magistral de Wim Wenders. Trata-se de uma obra que define as principais características estéticas que marcariam e marcam a filmografia do diretor desde então, já que o diretor alemão continua, em plena atividade, sem perder o vigor de seu estilo cinematográfico.

A obra em tela faz parte de uma trilogia, a “Trilogia de road-movies”, formada por “Movimento em falso”, “Alice nas cidades” e “No decurso do tempo”.

“Road-movie” é um tipo de filme marcado por deslocamentos constantes das personagens, passando de cidade em cidade, seja de carro, motocicleta, barco, navio, bicicleta, etc., mas também as personagens estão, geralmente, passando por uma crise existencial.

Essa trilogia sempre foi protagonizada pelo mesmo ator, que fez vários outros filmes sob a direção de Wenders. A personagem desse ator, em “Alice nas cidades”, é um escritor que vive um bloqueio criativo e não consegue escrever o artigo que o jornal lhe encomendou.

Ele que está residindo nos EUA, decide voltar para a Alemanha, seu país natal. Começa sua viagem (física e psicológica). Física, pois pega o carro rumo a New York para ir ao aeroporto e de lá voltar para Berlim. Mas a viagem existencial inicia justamente a partir do momento que passa a ter que cuidar de Alice que surge em sua vida, de uma forma fortuita.

Alice é apenas uma garota de seus oito anos, abandonada pela mãe. Começa o road-movie envolvendo os dois, uma viagem de descobertas existenciais para os dois, sendo que o protagonista aprende muito com a inocência e a perspicácia da garotinha.

Na verdade, a personagem principal vive um vazio interior e falta-lhe um sentido em sua existência. O seu vazio reflete uma crise existencial, uma alteridade e uma identidade fragmentadas. “Ele tem medo de sentir medo.” Suas memórias são representadas por ele, quando o mesmo fotografa tudo que ver, mas seus “instantâneos”, para ele, não representam a realidade que ele vira, pois o próprio justifica “a realidade muda da hora que tirou a foto para o segundo seguinte que a foto é revelada”. Naturalmente, o tempo passou e é inexorável, ficam apenas vestígios de um tempo, mesmo paralisado, quando se compara o espaço fotografado/revelado com o mesmo espaço só que agora no “presente”, algo se esvaiu.

E, isso, deixa o protagonista agoniado e com um sentimento de vazio e de que algo se perdeu em sua existência, já fragmentada. Assim, a encruzilhada de sua existência e de sua travessia, exige um tour de force por várias cidades, junto à Alice, que surge como um ser que lhe dará um norte para sua existência.

São de Alice reflexões profundas, saídas da boca de uma menina de oito anos, que demonstra, mais uma vez, a sabedoria das crianças. Para ela, os sonhos não deveriam existir, pois são ilusões, já que nunca se tornam realidade.

Porém, logo em seguida, “ela afirma que num sonho que teve na noite anterior, fora obrigada nele a ver um filme de terror, mesmo sem o querer vê-lo.” Essa frase mostrou ao protagonista e também nos mostra, aos telespectadores, que mesmo em nossas existências, por mais difíceis e complicadas que sejam, e às vezes vazias que estejam momentaneamente, ou talvez nós estejamos passando por crises existenciais passageiras, mas é possível enfrentá-las.

É um terror, é angustiante, é um pesadelo, o filme mesmo do qual estamos falando, mostra muito bem essa agonia da personagem, contudo tem que ser enfrentado, mesmo que a derrota se imponha, mas você realizou a travessia, e isso é o que importa.

O filme é tão rico que tem um caráter interdiscursivo com as histórias de “Alice”, Alice no país das maravilhas e Alice no país dos espelhos. Escritas por Lewis Caroll.

Tem também um caráter metalinguístico, pois a própria história narrada pelo filme vira o artigo do jornalista, que passava por um bloqueio criativo.


Enfim, um filme genial. Que merece ser visto e revisto por todos.”

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